Eles começaram a falar sobre os sabores maravilhosos do álcool e eu, claro, fiquei patinando no assunto. Zedu percebeu e falou que a melhor opção para quem estava começando era uma batida de frutas. Algo leve, porém, saboroso. Pedi à Letícia para usar o banheiro, precisava de um tempo sozinho. Muita informação foi jogada em cima de mim (no caso, o fato do irmão da Letícia ter se esfregado em mim).
Era a primeira vez que eu bebia álcool. Estava nervoso, principalmente, pelo que aconteceu antes com o irmão da Letícia. Entrei no banheiro e sentei no vaso. Respirei fundo e fui até a pia para lavar o meu rosto. Olhei no espelho e respirei fundo, novamente. Ao sair do banheiro esbarrei com o Leonardo.
— Você é bonito. Não sabia que minha irmã tinha amigos gordinhos. Eu me amarro em gordinhos. Qual sua idade? — ele questionou tocando meu rosto.
— Eu, eu, te.. tenho 16. — falei gaguejando.
— Tenho 18. Não é muita diferença, né? — Leonardo pegou na minha mão e me levou para o seu quarto.
Aconteceu muito rápido. Meu coração parecia um carro desgovernado. O Leonardo me colocou contra a parede e beijou com vontade. Era a primeira vez que eu beijava alguém para valer. Do nada, o Leo baixou a calça. Bem, o resto deixo por conta da imaginação de vocês.
Sim. Fiquei com um homem pela primeira vez. Nunca em todos os meus sonhos mais selvagens, imaginaria uma coisa daquelas. O auge da minha existência aconteceu naquela segunda-feira. Infelizmente, o Leonardo ficou assustado quando Letícia chamou o meu nome e acabou o clima.
— Acho melhor você ir. — pediu Leo colocando a roupa. — Ei. Se você contar pra alguém, eu acabo com você.
Minha primeira experiência homossexual e ameaça de morte também. Desci apressado, todos já estavam sentados e com copos de bebidas em mãos. Sentei entre a Letícia e o Zedu. Já o Brutos e Ramona ficaram nas almofadas colocadas no chão. Assistimos ao filme "A Noite dos Mortos-vivos", de 1967.
— Mulher burra! Corre!! — gritou Brutus, apreensivo e quase derrubando a bebida.
— Você sabe que isso é um filme, né? E que ela não tá te ouvindo? — questionou Ramona, jogando pipoca em Brutus e revirando os olhos.
— Yuri, quero me esticar. — pediu Zedu, colocando almofada no meu colo – Vou deitar um pouco.
— Tá. Pode encostar sim, mas depois cobro R$ 10. — brinquei.
O resto do filme foi tranquilo. Letícia ficou chocada quando a filha mordeu a própria mãe. Brutos continuou xingando os personagens. A Ramona ficou bêbada e chorou lembrando dos animais em meio à uma pandemia zumbi. Minha mão acabou indo involuntariamente até os cabelos do Zedu e ficou fazendo carinho. Foi involuntário, juro. Ele não protestou, então, estava tudo bem.
Depois que o filme terminou, Ramona encontrou mais bebidas e colocou em copos totalmente errados para a ocasião. A gente bebeu bastante, a primeira vez que ingeri álcool na vida. Fiquei um pouco zonzo e decidi parar.
A conversa fluía de forma natural, nunca me diverti tanto. Acho que o álcool deve ter ajudado um pouco. Ficamos conversando até 23h, depois cada um foi para sua casa.
No dia seguinte, acordei com uma forte dor de cabeça e tomei um remédio para aliviar. Fiz o café dos meus irmãos e voltei a dormir. Acordei para fazer o almoço e dormi (de novo). Além de dores, a bebida também me deixava mais sonolento. Sonhei que transava com o Leonardo, ainda não tinha superado o que rolou no quarto dele.
A titia estava trabalhando muito. Na empresa, ela precisava lidar com pessoas muito influentes, então, sempre estava preocupada com alguma coisa. A firma pagava, e bem, entretanto, ela decidiu dar uma notícia nada agradável para nós naquela noite.
— Então, como vocês sabem, esse é um ano atípico para nós. Novo emprego e uma cidade onde não conhecemos nada. Estou tendo gastos além do esperado, como comprar novos móveis, por exemplo, e também teve o carro. A gente precisa se locomover de alguma forma...
— Titia. Onde a senhora quer chegar com esse discurso? — perguntou Giovanna, impaciente, cortando tia Olívia.
— Conversei com alguns pais que trabalham na empresa e eles me indicaram algumas escolas?
— Tá, qual delas? La Salle? Lato Sensu? Martha Falcão? — Giovanna cortou titia novamente, pois já havíamos pesquisado algumas opções.
— É uma escola pública. — disse titia, fechando os olhos.
Uma terceira guerra mundial foi instaurada na cozinha da nossa casa. Giovanna ficou abaladíssima com a notícia. Ela prezava por uma boa educação e não abriria mão de estudar em um colégio particular.
— A senhora ficou maluca?! Nunca estudei em uma escola pública. — falou minha irmã levantando e andando de um lado para o outro. – A minha vida está arruinada. Escola pública?
— Gio. — falei pegando na mão dela. — Se acalma.
— Me acalmar?! Me acalmar?! — minha irmã atingiu um novo nível de surto e começou a chorar. — O mundo está desabando sobre a minha cabeça e você pede para eu me acalmar?!!! E o dinheiro dos nossos pais? — perguntou Giovanna virando para a tia Olívia.
— São para os gastos com a faculdade. — explicou titia.
— Vou entrar em uma universidade federal. A educação na escola pública é horrível. Quero estudar em uma instituição particular. Não sou obrigada a ficar no mesmo lugar que pessoas comuns. Titia, eu fui a melhor da classe em todas as matérias, eu faço balé e canto coral. Eu preciso disso. Eu preciso!!!!! — Giovanna bateu os pés e saiu da cozinha.
— Ok. Foi menos pior do que eu imaginei. Ela surtou mais quando soube da viagem para o Amazonas. — falei olhando para tia Olívia e dando um riso amarelo.
— Você!!! — Giovanna voltou nos assustando. – Sabia desde o início, né? Concordou com a maluquice dela!
— Giovanna, chega! Não fale nada que vá se arrepender. — pedi elevando um pouco minha voz.
Debatemos por um bom tempo, melhor usar debater do que discutir, né? Demorou para convencermos a Giovanna. Então, fizemos um acordo: a gente buscaria uma escola mais em conta para ela e o Richard. Eu ficaria em uma escola pública, só deveria achar uma que aceitasse a matrícula tão em cima.
— Valeu por ficar do meu lado. Sei que isso não te agradou também. — agradeceu tia Olívia, pegando na minha mão.
— Tia. Não gostei, mas não sou burro. Sei que vivemos em um momento de crise e as coisas não são mais como eram antes. Vou sobreviver.
Encontrei meus amigos, nossa, falei amigos? É tão legal fazer parte de uma turma. Ainda estou me localizando e eles contam histórias antigas que eu fico sem entender. Um dia teremos nossas próprias histórias para rir. Eles me levaram para conhecer o Teatro Amazonas. Um lugar completamente encantador, mas, para a minha surpresa, o único que conhecia o teatro era o Brutus.
— Eu também sou cultura. — se gabou Brutus.
— É realmente encantador. Imagina. — falou Letícia, sentando em umas das poltronas do Teatro. — Aquelas madames de época. — cruzando as pernas.
— Você ia ficar linda em um vestido. — disse rindo da atuação dela.
— E a gente de smoking, hein? Nesse calor dos infernos. — imaginou Zedu.
Realmente. O Teatro Amazonas é lindo e preserva parte da decoração original. O guia nos contou que a cúpula do Teatro é composta por 36 mil peças nas cores da bandeira do Brasil. E que grande parte da infraestrutura é importada da Europa.
Entre os artistas que já adentraram o Teatro Amazonas estão o tenor José Carreras, Roger Waters, as bandas Spice Girls e The White Stripes; assim como os brasileiros Heitor Villa-Lobos, Milton Nascimento, Ana Botafogo e Bibi Ferreira.
Depois da visita, ficamos em uma praça que integra o espaço do Teatro Amazonas, o Largo de São Sebastião. Pedimos pizza e conversamos sobre vários assuntos aleatórios.
Eles fizeram perguntas sobre a minha vida e eu questionei eles também. Descobri que a Letícia já quebrou um braço, o Zedu odeia dormir no escuro, a Ramona é fã da turma da Mônica e o Brutus sabe tocar piano.
— Gente. E sobre a escola de vocês? Falem um pouco sobre lá. — questionei meus amigos.
— Ela é bem perto daqui. Você tá afim de passar pela frente? — perguntou Zedu tirando dinheiro da carteira.
O nome da escola era Dom Pedro 2 e ficava em frente a uma bela praça. O prédio se destacava pela imponência, lembrava algumas escolas do Rio de Janeiro. Havia uma quadra bem ao lado e parecia um pouco velha, mas de acordo com a turma era considerada uma das melhores escolas.
***
A próxima semana passou correndo, literalmente, pois consegui uma vaga na escola dos meus amigos, graças ao pai da Ramona, que conhecia a diretora, entretanto, precisei fazer uma avaliação. Claro que passei. Os assuntos já haviam sido revisados na escola antiga.
Infelizmente, o assunto escola particular mais barata ainda estava em alta na minha casa. A tia Olívia não aguentou a teimosia da Giovanna e elas brigaram feio. Como eu sei disso? Encontrei o Richard escondido debaixo da mesa. Entrei no quarto da titia e a encontrei reflexiva.
— Dia difícil? — perguntei sentando ao lado dela.
— Eu não sei mais o que fazer...
— Tia. Eu fiz algo sem consultar a senhora.
— O que, Yuri? Brinco, tatuagem, entrou para uma banda e vai viajar pelo Brasil? — ela questionou assustada e olhando todas as áreas do meu corpo.
— Não, tia. Eu me matriculei na escola dos meus amigos. Fica no Centro. A educação é boa e não vou pagar mensalidade. A gente pode matricular meus irmãos em uma escola particular.
Enquanto conversava com a tia Olívia, a Giovanna ouvia tudo pela porta. Emocionada, a titia me abraçou e agradeceu pela ajuda. Na real, eu que precisava agradecer, ela manteve nossa família unida. Mostrei para a tia algumas opções de escolas mais acessíveis e escolhemos a que tinha uma grade educacional decente.
— Essa escola é muito boa e o valor não é tão caro. Se a senhora quiser mexer na minha parte do dinheiro. — tentei negociar com ela.
— Infelizmente. Vou precisar mexer, mas reponho aos poucos. — garantiu tia Olívia.
— Vou marcar uma reunião amanhã e peço pro Zedu me levar. Vai dar tudo certo. Vou ver como está a fera indomável. — falei abraçando tia Olívia e saindo do quarto.
***
A Tia Olívia estava tentando, eu percebia, mas, ao mesmo tempo, era visível que ela não parecia bem. Acho que precisava de um namorado ou amigos. Sua rotina era do trabalho para casa. Torcia para que ela conquistasse também sorte no amor. Uma vez que já estava estabelecida no mercado de trabalho.
A empresa da tia Olívia ficava perto de casa. Pela primeira vez, ela contava com a ajuda de um estagiário. Ele se chamava Carlos, um homem um pouco mais velho que estava realizando o sonho de se formar em direito.
— Boa tarde, Olivia? — desejou Carlos, deixando alguns documentos na mesa da tia Olívia.
— Olá, Carlos.
— Então, hoje vamos ter um happy hour após o expediente. Quer ir? — ele convidou de forma natural.
— Não sei. Meus sobrinhos estão em casa e...
— Eles não podem ficar com a mãe deles? — ele soltou fazendo a titia revirar os olhos.
— Ela faleceu, Carlos. Então, eu sou a mãe deles. — Tia Olívia exagerou na grosseria.
— Er... nossa. Desculpa. — pediu Carlos, antes de sair da sala.
Será que um novo interesse amoroso estava surgindo na vida da tia Olívia? Espero que sim. Afinal, ela em nenhum momento se questionou sobre suas atitudes em relação a nós. Simplesmente, nos abraçou como filhos e nos protegeu de todas as formas. Por isso, sempre tentava apaziguar qualquer discussão entre ela e meus irmãos.
— Minha irmã. — falou titia pegando uma fotografia nossa que ficava em seu escritório. — Estou tentando, eu juro. Eles são tão especiais. Será que eu dou conta? Será? — ela questionou chorando.
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