Como um saco de cimento, Ana foi jogada a antiga cela, desta vez sozinha, sem os outros dois gatuchos, ela tristemente respirou ao desejar alguma companhia ou pelo menos rostos familiares que não estavam ali para torturá-la.
Logo apareceu uma gata tímida e curiosa, de olhos grandes e corpo rechonchudo, ela se aproximou lentamente e Ana se encolheu:
- Não se preocupe, meu nome é Eduarda e vim cuidar de você... - Disse a gata desconhecida
Mas Ana não acreditava em tal simpatia, então fechou-se mais ainda, como se aquela posição fetal a fosse proteger dessa dócil gata que tentava se aproximar.
- Não é bom se você morrer aqui antes do seu julgamento amanhã, não é bom não - Enfatizou Eduarda - A rainha ficará furiosa se isso acontecer.
- Julgamento? Eu ainda tenho um? - questionou Ana
- Sim, o seu julgamento popular foi adiado, mas não conseguiram nenhuma prova concreta de que você realmente é espiã, ninguém te conhece e não há vestigios de tentativa de assassinato... - falou calmente a gata - Agora venha, deixa eu ver seu rosto, vamos cuidar dele primeiro...
- Mas... Como assim... Eu vi o julgamento mais cedo, os suspeitos tem que provar sua inocência... Com ou sem provas... - suspirou Ana
- Não, não, é tudo fachada, você realmente não é daqui... - disse a Eduarda enquanto cuidava dos ferimentos - Quem tem a última palavra é a família real e antes disso já fizeram um levatamento de provas e análises com a equipe de inteligência de dados... Fazem assim para a população ficar feliz, achando que tem algum poder jogando aquelas bombinhas no chão, que nem fumaça faz direito.
Ana ficou surpresa com a quantidade de informações que Eduarda estava a dar e o toque delicado da cuidadora a fazia sentir que aquele mundo louco poderia ter algum sentido. Ambas eram enfermeiras que pareciam se preocupar com o bem estar alheio. Ela relaxou e então disse:
- Se eu for inocentada, o que vai acontecer comigo?
- A rainha é uma mulher ardilosa e inteligente, ela sabe que a população não aprova sua origem, mas não há provas para culpá-la, então provavelmente terá que cumprir alguma pena. Provavelmente sua cabeça não rolara estrada abaixo... - disse Eduarda e após uma pausa, complementou - Talvez a coloquem sob vigia...
- Mas não sou daqui e nem sei como voltar a minha casa... ao meu marido... - suspirou Ana
- É casada então? - Perguntou Eduarda
- Sim... Meu marido é uma figura, quero dizer era... - Ana tentou se corrigir, se seu marido estivesse também neste mundo não queria que ele fosse torturado como ela - No início brigavamos muito, quando eu estava descabelada ele nem tentava esconder - Disse Ana em tom alegre - E também quando eu me superava, ele me elogiava e quando eu me sentia mal... Ele me abraçava... - O tom de Ana foi ficando melancólico - E quando...
Eduarda percebeu que a criatura estava ficando abalada, então resolveu mudar o nível da conversa:
- Sabe que tenho um gatinho, tem dois anos somente, ele é amarelinho com pintas rosadas, puxou do pai dele - calmamente falou Eduarda ao terminar de limpar as feridas - E sei que deve ser duro estar sozinha. A quanto tempo mora aqui?
- Boa pergunta, eu... Você vai me achar louca, mas acordei no jardim no dia da festa de vocês... - respondeu Ana relando no seu rosto, agora todo enfaixado
- Acordou? Deve ter vindo de algum lugar... - questinou Eduarda enquanto guardava os equipamentos farmaceuticos
- Não lembro, não sei... Não sei de nada... Só queria voltar para casa, para meu marido... para minha vida, para o meu trabalho... e até minha estressante rotina - suplicou Ana
- O que costumava fazer? - indagou Eduarda
E Ana numa pequena alegria disse:
- Sou como você!
- Como eu? - respondeu Eduarda um pouco confusa enquanto controlava seu coração que rapidamente acelerava
- Sim! Também cuido de pessoas, sou enfermeira! Era, ao menos... Aqui... Sou só um monstro... - suspirou Ana
E Eduarda viu uma oportunidade interessante ao sugerir que Ana a procurasse caso precisasse de um emprego temporário e Ana já sonhou em como seria trabalhar com essa amável gata que acabara de conhecer, mas que transpirava conforto. Então fez um pequeno sinal de aprovação enquanto Eduarda pegava uma bandeja onde havia pão, lentilha e alguns legumes e ao entregar a comida a Ana, esta ficou extremamente feliz por ver aquele prato nada soberbo, mas que na primeira colherada já a fez estremecer de alegria com o pensamento de que nunca comera algo tão bom.
Eduarda suspirou como se tom de dever cumprido, o qual Ana interpretou como carinho ao ser deixada em paz para comer enquanto a gata caminhava de volta para o postinho de saúde da ala norte, onde trabalhava e assim que passou pelo jardim, deixou cair um pequeno bilhete que foi rapidamente pego por uma sombra.
Durante a calma noite, Ana conseguiu dormir rapidamente em sua fria cela e não tão distante dali Henrique se apertava de culpa.
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