Sou uma pessoa matutina. Peguei esse hábito do meu pai, ele acordava às 6h para trabalhar. Em Manaus, por exemplo, consegui manter esse costume e logo cedo estava de pé. Fui até o quarto da minha tia e, para a minha surpresa, ela não estava lá. Desci para a cozinha, peguei duas panelas pesadas e comecei a bater uma na outra.
Por uns minutos, me senti a mulher do Big Brother Brasil. A louca das panelas que a produção adorava colocar nas edições dos melhores barracos do reality. Quase cantei: "Aí, aí, aí, em cima, embaixo, puxa e vai". Mas, escolhi manter o meu orgulho e apenas bati as panelas.
Quase gritei quando a Giovanna chegou. Ela usava seu pijama das Meninas Superpoderosas e tinha um troço verde no rosto. O Richard apareceu atrás de mim. Não sei como ele fez isso e, de verdade, prefiro não saber.
— Credo. O que é isso verde no teu rosto? — perguntei fazendo uma careta.
— Creme de abacate com uvas verdes. Agora, Sr. Yuri, posso saber porque me acordou tão cedo? Não dormi oito horas. — protestou Giovanna sentada em uma cadeira.
— Richard, acorda. — pedi para o meu irmão que roncava em pé.
— Estou acordado. — se assustando e abrindo os olhos.
— Então. O aniversário da Tia Olívia é nessa quinta-feira...
— Ebaaa. — Giovanna me cortou cheia de ironias. — Posso voltar a dormir, por favor?
— Pensei que vocês fossem mais bem-agradecidos. A tia Olívia é a única razão de não terem nos mandado para o orfanato. Ou vocês preferiam ficar com a vovó querida? — perguntei levantando a sobrancelha direita, no modo terror psicológico.
Sim. A nossa única avó viva era a mãe da minha mãe . O nome dela? Brunete de Assis Cervatti. Mulher de militar e uma dama de ferro. Sempre nos tratou como alunos de uma escola militar. A situação ficou séria, quando ela colocou o Richard de joelho no milho e me enviou para um hospital psiquiátrico. A tia Olívia proibiu que passássemos as férias de verão com ela.
— Não, na vovó não! — gritou Richard, finalmente, acordando.
— Não precisa pegar tão pesado. Tá bom. Qual é a ideia? — perguntou Giovanna arrumando os cabelos e cruzando as pernas.
Adoro produzir eventos, então, sugeri uma surpresa para a tia Olívia. A ideia era fazer uma festa com alguns amigos (no caso poucos) e comprar um presente. Só faltava uma coisa: dinheiro.
Por isso, recolhi alguns objetos pessoais, como um MP4 antigo, alguns objetos de decoração e um celular quebrado. Conversei com o Brutus, pois ele conhecia uma pessoa que poderia nos ajudar a vender.
Fiz algo inédito na minha vida. Baixei um aplicativo de mensagens e entrei no grupo "Top Four", que virou "Top Five". Quem criou foi a Ramona, que me convenceu a entrar. Confesso que não lia muitas mensagens, apenas admirava as fotos do José Eduardo. Mandei um áudio explicando toda a situação do aniversário e eles toparam ajudar.
O primeiro passo era ir até a empresa da tia Olívia e convidar seus colegas de trabalho. Falei para o Zedu o nome da empresa e seguimos para lá de Uber. Era um prédio grande, mas não demoramos para achar o setor jurídico. Conversei com a coordenadora que me direcionou para o Carlos, o estagiário da titia.
Entramos em uma sala que tinha o nome da titia em uma placa: Olívia de Assis Cervatti. Carlos nos atendeu com um sorriso no rosto. Na verdade, ele não parecia um estagiário. Nem preciso dizer que os meus irmãos se comportaram da pior maneira possível.
— Você não é muito velho para ser estagiário? Pensei que os estagiários fossem mais novos. — perguntou minha irmã que foi conosco.
— Giovanna. — adverti apertando o braço de Giovanna. — Desculpa, Carlos. Ela bateu a cabeça quando era pequena.
— Tudo bem. Crianças são crianças, né? — ele salientou passando a mão na cabeça de Giovanna que fez uma careta engraçada. — Então, vocês são os famosos sobrinhos da Olivia.
— Eles são. Sou apenas amigo da família. — afirmou Zedu.
— Então, Carlos. Eu sei que a minha tia trabalha há pouco tempo aqui, mas queria convidar algumas pessoas da empresa para celebrarem o aniversário dela. — expliquei para ele.
— Puxa que legal. Vou ficar de olho nas pessoas que ela mais fica em contato. Me passa o teu contato. — ele pediu pegando o celular.
Enquanto tramávamos uma bela festa, a tia Olívia estava em frente a um juiz. Ela defendia a empresa em um caso trabalhista. Ela argumentou tão bem que conseguiu livrar o seu chefe de pagar uma bela quantia em dinheiro. Após as apresentações, a minha tia foi surpreendida por Orlando Ventura, o juiz em questão.
Nunca vi a titia apaixonada, imagino que deve ser daquele tipo que sofre calada, ou seja, algo de família. Mas, naquela terça-feira, Orlando conseguiu chamar a atenção dela. Afinal, um homem usando um terno caro deve chamar mesmo. Eles tiveram uma conversa agradável e Orlando pediu o contato dela para um café.
Para surpresa geral da nação? Ela deu o número no caso. Minha tia decidiu dar uma chance ao juiz. No fim das contas, não era todo dia que uma autoridade a chamava para sair.
Nesse meio tempo, o Brutus tentava vender alguns pertences nossos. Ele era muito bom em negociar, porque conseguiu a quantia de R$ 550. Dava para pagar o presente e a festa. Quase dei um beijo na boca dele, porém, ficou apenas na minha cabeça.
***
No grande dia, acordei cedo (como sempre) e preparei um café caprichado para a titia. Ela ficou muito feliz quando viu a mesa preparada com tudo o que ela gostava de comer. Bolo de fubá, pão doce de goiaba, suco de laranja, café fresquinho e leite de búfala. A mesa estava posta de uma maneira bem elegante. Sério, consegui superar todas as expectativas.
— Espero que a senhora goste. — desejei do fundo do coração que ela tivesse gostado.
— Puxa. Está tudo tão bonito. Você caprichou, hein.
— A senhora merece, tia.
— Por falar em merecer, vou comprar um bolo quando estiver voltando e...
Eu precisava disfarçar de alguma força. Então, busquei o "Yuri Ator", que existia dentro de mim. Comecei a criar uma situação onde não poderíamos comemorar o aniversário da titia.
— Sobre isso, tipo, a gente vai assistir um filme na casa da Letícia. Os pais dela pediram para convidar a Giovanna e o Richard. Eu tinha esquecido do seu aniversário e... — aclamação!
— Ah, tudo bem. Um amigo tinha me convidado para ir a um café. Prometo que chego antes das 22h. E vocês, por favor, 21h, já em casa. — pediu.
— Pode deixar, tia.
Fazia tempo que não comemorávamos o aniversário da Tia Olívia. De tarde, fomos comprar balões e materiais para a decoração da festa. Ramona e Letícia me ajudaram bastante nessa parte e tiveram que aguentar a Giovanna, que virava uma ditadora quando se tratava de decoração.
Comments (0)
See all