- Vai ficar tudo bem. – Semyaza afirma com confiança a fim de trazer segurança para sua irmã mais nova e menos experiente. – Vai ficar tudo bem, Azazyel.
Por mais que já tivesse ido e voltado de diversas batalhas junto de sua irmã, Azazyel carregava consigo uma preocupação anormal dessa vez. Só conseguia pensar na conversa que tivera com Semyaza no dia anterior.
- Nós nunca tivemos chance de escolher um lado. – Era a noite, véspera do ataque. Semyaza estava estranhamente tagarela enquanto olhava pro céu escuro da cidade dos anjos deitado em uma das tendas. – Apenas nascemos aqui e nos deram humanos como comida desde quando nós ainda éramos bebês. Nunca tivemos uma escolha.
- Por que esse papo do nada? – Azazyel se perguntava o que passava na cabeça de sua irmã, afinal mesmo depois de anos vivendo juntas, nunca a tinha visto falando com um ar tão sério. – Você não tá gostando mais de comer humanos?
- Se você quiser, nós podemos tentar roubar um pouco de carne de bebê do comandante... – A irmã mais nova fazia um rosto travesso enquanto tentava pensar numa forma de fazer sua irmã voltar ao seu estado normal de quietude – Ele sempre guarda uns pedaços a mais pra ele, aquele guloso...
Semyaza olhou pra sua irmã em silencio por um instante e imediatamente voltou a apreciar a visão vazia e escura do céu anoitecido – Você não entende, não é?
- Eu acho que você pensa demais, Semyaza. Você sempre fica em silencio pensando e pensando... Eu queria entender o que se passa nessa sua cabeça, mas acho que nunca vou conseguir.
- ...
- Você tem razão. Eu acho que eu só to cansado dessa guerra.
- Como assim? Você tá dizendo que quer abandonar os soldados e voltar pra casa? E ficar comendo resto de carne?
- Eu entendo você, essa guerra é uma chatice. Mas pelo menos pra mim é muito melhor do que ficar apodrecendo na segurança de nossas casas enquanto comemos os restos da comida boa que os soldados comem.
- Você tem razão.
- As vezes eu também me canso dessa guerra. Queria que os anjos Adoradores do Olho divino pudessem só desistir de uma vez de proteger aqueles humanos imundos. Assim a guerra acabaria e todos nós poderíamos comer do bom e do melhor sempre.
- ...
- Mas isso nunca vai acontecer, não é? Por que eles são tão teimosos?!
- Nós também somos teimosos, vai ver é um problema em comum de todos os anjos.
- Talvez sim. Mas...
- Azazyel. – Semyaza virou novamente para sua irmã mais nova e a encarou com uma seriedade nunca antes vista. – Você seria capaz de mudar de lado?
- Huh? Que pergunta é essa? Você não tá pensando em mudar de lado, né?
Semyaza se virou novamente pro céu, e depois de uma pausa respondeu para sua irmã sem a olhar nos olhos. – Não. Claro que não. Eu só estava tentando me colocar no lugar do inimigo e pensar... Se eu desistiria.
- Isso é uma coisa bem difícil de se imaginar. – Azazyel ficou pensativa. Raramente ficava assim, e não gostava nenhum pouco - Eu nem sei como responder essa pergunta. Não sei exatamente como os adoradores do Olho Divino pensam...
Tentou pensar numa resposta para dar pra sua irmã mais velha, mas se cansou e desistiu. - Como eu disse, você pensa demais, Semyaza.
É. - Sem tirar os olhos do céu Semyaza a respondeu sorrindo. – Imaginei que diria isso.
Com o amanhecer, a batalha se aproximava. O ataque ao refúgio dos humanos fugitivos que os anjos adoradores da Boca Divina planejaram a dias se aproximava. E a ansiedade de Azazyel aumentava cada vez mais. A conversa da noite anterior a deixou com um gosto estranho na boca, uma sensação que nunca sentira e não conseguia explicar.
- ATACAR! – Incitou o comandante. E prontamente os soldados foram adentrando o refúgio, sendo recebidos por alguns humanos gritando de medo enquanto na frente deles uma barreira de anjos inimigos era formada.
- Droga, eles estão em maior número. – Constatou Semyaza. – Reforçaram a defesa, chegamos tarde demais.
O coração de Azazyel começa a bater rapidamente. Desde a noite anterior estava com um mal pressentimento que se confirmara agora com a vantagem numérica do inimigo.
Samael e Leviatã, junto de seus companheiros de guerra se preparavam ao longe para lançar as armas que estavam separadas para serem usadas em caso de ataque inimigo: Lanças pontudas e mortais projetadas pelos humanos.
A distancia entre os inimigos era grande e, aliada a vantagem numérica, dava uma conclusão amarga para os anjos adoradores da Boca: Seriam brutalmente alvejados pelas lanças humanas e muitos morreriam antes de sequer chegarem perto dos anjos adoradores do Olho.
As lanças voavam e diversas vidas se perderam, mas Semyaza e Azazyel continuavam junto de seus companheiros, voando rapidamente, desviando das armas e se aproximando do inimigo. Ao chegarem do outro lado, os sobreviventes logo atacaram os anjos que seguravam as lanças e muitos corpos foram perfurados pelas mãos destes que lutavam sem armas por possuírem um corpo tão forte quanto aço e unhas tão afiadas como uma lamina.
Rapidamente a batalha a distancia se tornava uma batalha corpo a corpo, dando vantagem a Semyaza, Azazyel e seus companheiros sobreviventes que limpavam o sangue das mãos e se preparavam para a luta sangrenta que viria a seguir.
Na linha de frente, Samael e Leviatã ficaram surpreendidos com a quantidade de anjos que sobreviveram ao ataque de lanças, mas logo se recomporam e continuaram a luta corpo a corpo usando de forma diferente as mesmas lanças que usaram no ataque anterior.
As primeiras vidas tiradas ali logo foram esquecidas à medida que a batalha se estendia e se espalhava ao longo de todo o refúgio, que agora havia se tornado um vermelho campo de batalha.
Enquanto isso, mais atrás, num dos extremos do refúgio, os humanos se amontoavam e se encolhiam de medo enquanto Baal-zebul, o anjo mais astuto da tribo, jurava os proteger a qualquer custo, junto de seus companheiros.
E ali, em meio ao caos e a guerra, enquanto os demais humanos se contraiam e se silenciavam em desespero, uma mulher humana gemia de dor pois estava prestes a dar luz a uma vida que já nascia ameaçada.
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