Aquela notícia caiu como uma bomba na minha cabeça. Como ele faz isso comigo? Porque ele não me avisou? Quase chorei, precisei segurar para a Letícia não desconfiar de nada. O homem que eu amava foi embora e, pior, para o outro lado do país.
Do nada, um forte temporal começou a cair na cidade. Tentei correr na rua, porém, cansei rápido. Que ódio. Porquê o Léo me largou? Perdidos nos meus pensamentos, tropecei em algo na porta de casa. Olhei bem e fiquei assustado. Era o Zedu todo encharcado e tremendo.
Não foi um bom dia para mim e, provavelmente, para o Zedu também. O ajudei a levantar do chão e entramos. Achei uma carta da tia Olívia. Ela e meus irmãos foram jantar fora. Fiquei tanto tempo conversando com Letícia que perdi a noção do tempo.
Peguei uma toalha limpa e passei na cabeça do Zedu. Ele não falava, apenas chorava. Eu não queria perguntar nada, por isso, deixei ele ficar mais calmo. Pedi para o Zedu tirar a camisa. A última coisa que pensei no momento foi em sexo, porque às lágrimas escorriam no rosto do Zedu. Pelo visto, o assunto era delicado.
— Zedu. — falei abaixando perto dele, que estava sentado na minha cama. — Eu não quero ser intrometido, mas o que houve? — pegando nas mãos dele.
— A minha, a minha avó, faleceu hoje. — Zedu tremia ao contar o motivo de suas lágrimas.
Ele explicou que os pais deram a notícia quando ele voltou da festa na piscina. Zedu me ligou de madrugada, mas eu não atendi. Pedi desculpa, disse que estava vivendo um momento conturbado. Sentei ao lado dele na cama, então, pedi para ele deitar a cabeça sobre minhas pernas.
— Yuri, posso dormir aqui hoje?
— Claro, Zedu. Claro. — falei chorando, afinal, foram muitos baques para um dia só.
— Desculpa te incomodar.
— Não se preocupe. — admite fazendo carinho em seus cabelos. — Você pode avisar para a sua mãe? Imagino que ela pode ficar preocupada.
— Tudo bem.
***
Naquela manhã, um e-mail fez a tia Olívia voar para a empresa. Os diretores estudavam uma maneira de expandir os negócios. Eles desejavam criar uma filial na cidade de Parintins. Ela e Carlos passaram o dia viabilizando o projeto. A sinergia entre eles ajudou e, em menos de duas horas, o documento estava pronto.
— Acho que quero ir à Parintins. Preciso conhecer os sócios. Você pode falar com o pessoal do setor financeiro?
— Claro. Vou falar com a Silvana. Ela me deve uns favores. — disse Carlos anotando em uma caderneta. — Ah, e por falar nisso, não tenho nada com a Silvana. Sou solteiro, na verdade, divorciado. Minha ex só não tirou meu couro.
— Ok. Obrigado pela informação. — soltou a tia Olívia, enviando uma mensagem para mim. — Carlos, a avó de um coleguinha do Yuri faleceu. Vou sair mais cedo. Por favor, cuide de toda essa viagem para Parintins. Não esqueça de enviar os documentos.
— Claro, pode deixar. — Carlos afirmou com um sorriso no rosto.
Eu sou chorão por natureza, mas quando meus pais morreram, quase tive um colapso. Os meus irmãos ficaram tristes, principalmente, a Giovanna que era mimada pela minha mãe. Levamos um bom tempo para nos acostumar. Precisei de anos na terapia, ainda necessito. A dor não some, apenas ameniza.
Acordei assustado, algum pesadelo que não lembro. O Zedu não se encontrava mais na cama. Passei a noite abraçando ele. Dormimos assim, em meio a uma conchinha estranha. Encontrei um bilhete na escrivaninha.
"AMIGO. OBRIGADO, POR TUDO. VOU AVISAR A TURMA SOBRE O VELÓRIO E ENTERRO DA MINHA AVÓ. DEPOIS TE LIGO. OBRIGADO MESMO. ZEDU"
Eu estava destruído com a notícia da viagem de Leonardo. Ele não poderia ter feito aquilo comigo. Chorei muito naquela tarde e, ao mesmo tempo, pensei no Zedu. Eu já estive na posição dele, perder alguém que a gente ama nunca é fácil. Tia Olívia chegou e nos levou para o local do velório.
Odeio velórios e funerais. Me traz péssimas lembranças. Aquele clima mórbido e de tristeza. A família de Zedu estava toda presente. A cerimônia foi feita na casa da tia dele, não muito longe da nossa. Naquela noite, conheci toda a família do meu amigo. O pai, Ulisses; a mãe, Teodora; e os irmãos mais velhos, Fred e José Leonardo.
"Meus pêsames", "sinto muito pela sua perda", "seja forte", "não desista" ou "a vida é assim mesmo". Ouvi todos esses comentários no velório dos meus pais. Engraçado que as palavras de solidariedade são todas parecidas. É quase como uma obrigação social. Eu não falei nada quando abracei o Zedu, acho que o abraço disse tudo.
Os meus amigos não demoraram a chegar, então, ajudamos bastante. Servimos café para os convidados, arrumamos as coroas de flores que chegavam, fomos comprar refrigerante, entre outras coisas.
O Brutus ficou abalado, pois era conhecido como o namorado de Dona Hortência, a avó do Zedu. A Letícia assumiu para si a playlist da cerimônia. A Ramona levou algumas pizzas que o pai comprou. Como é bom ter amigos, né? Pena que o Yuri de anos atrás não contou com pessoas maravilhosas.
A minha tia e irmãos foram embora depois de algumas horas. Decidi ficar com a turma. Conversamos apenas assuntos leves. Em alguns momentos, paramos, porque algum parente precisava de amparo.
Só fui para dois velórios na minha vida: dos meus pais e da Dona Hortência. Porém, uma coisa que percebi é que quando o baque inicial passa, algumas histórias surgem. Elas conseguem acalentar o coração dos familiares.
Em um dos quartos, encontrei o Zedu chorando. Ele olhava algumas fotos de sua avó. São lembranças doces que se tornam um grande amigo na hora da tristeza. Peguei no ombro do Zedu e apertei.
— Eu pareço um bobo chorando, né? — ele perguntou, não conseguindo evitar às lágrimas.
— Não. Muito pelo contrário, só mostra que você é humano. — aconselhei, pegando uma foto das mãos do Zedu. — Vocês eram apagados?
— Sim. Ela morava conosco. — Zedu disse ficando em pé, de frente para mim. — Ela que fazia o almoço, os lanches da tarde. — lágrimas escorriam pelo seu rosto. — Vou sentir muitas saudades.
— Sinto muito. — abracei o Zedu. Um abraço longo, acolhedor e cheio de sentimentos.
Fiquei sentindo a respiração ofegante do Zedu perto do meu ouvido. Ele se desarmou ali em meus braços. Em menos de um mês, consegui ver várias facetas do José Eduardo. O vi no seu melhor momento e, também, no seu pior. Queria muito ter uma palavra mágica para espantar toda a dor, só que isso faz parte da vida. Isso faz parte de crescer.
Estava quase 24 horas sem dormir, porém, o sono ainda não havia me pegado. Eu queria me manter ocupado para esquecer que o Leonardo havia viajado. Acho que fui com muita sede ao pote, claro que ele nunca ficaria com uma pessoa igual a mim. Quem ia querer namorar um gordo feio?
***
O Zedu conseguiu cochilar um pouco, mas cedo estava de pé. Um pastor da igreja da Dona Hortência chegou para dizer umas palavras e o cortejo seguiria para o cemitério. Seria a primeira vez, após a morte dos meus pais, que eu pisaria em um cemitério.
A tia Olívia pediu uma licença de trabalho e seguiu para o ponto de encontro. Os carros seguiam um atrás do outro. O sol de Manaus até que deu uma folga, ou seja, um problema a menos. O cemitério, apesar de distante, era bonito e ficava localizado próximo ao Aeroporto. Descemos do carro, então, Giovanna abriu um guarda-chuva rosa chiclete e colocou um óculos maior que seu rosto. Por um milagre de Jesus, o Richard não aprontou nada.
Seguimos o cortejo um pouco atrás da família de Zedu. Vivenciar aquilo de novo trazia um sabor amargo para mim. Estive naquela situação uma vez. Não consegui ser forte e acabei chorando. Letícia repousou a cabeça sobre o meu ombro. Era tão bom ter pessoas com quem contar. Sem rótulos ou preconceitos, apesar de esconder deles o fato de que eu era gay.
— Oi, gente. — Zedu nos cumprimentou.
— Oi. — falamos em tons diferentes, mas juntos.
— Gente. — Zedu não conseguiu falar nada, apenas chorou.
— Ei, somos os teus amigos. Um por todos e todos por um. — Letícia disse abraçando Zedu.
— Conte com a gente sempre. — garantiu Brutus abraçando Letícia e Zedu.
— Eu também quero. — falou Ramona sendo abraçada pelo grupo.
— Vem, Yuri. — chamou Brutus.
Eu me senti em casa. Não sabia que Manaus me traria tantas coisas boas. Tirando o traste do Leonardo. Após o velório, cheguei em casa e tomei um banho demorado. Deixei a minha playlist do notebook tocando e desmaiei na cama. Tive um sonho muito estranho naquela noite. Os meus pais estavam vivos e tomavam conta da gente. A parte louca? O Zedu era meu namorado.
Um sentimento inexplicável invadiu meu corpo. Ouvi a voz rouca do meu pai e senti o perfume doce da mamãe. Acordei chorando. Fui até uma caixa que guardava dentro do armário e tirei algumas fotos antigas. No notebook, uma música que eu adorava do Oasis tocava, a faixa era "Don't Go Away". Chorei mais ainda.
Queria tanto que aquele sonho se realizasse. Um mundo onde eu poderia sentir o toque da minha mãe e, até mesmo, as broncas do meu pai. Não muito longe dali, o Zedu, pensava a mesma coisa. Sua avó era muito especial e teria um lugar cativo no seu coração.
MANAUS - UMA SEMANA ATRÁS
— Meu filho, você está com fome? — perguntou Dona Hortência, abraçando Zedu e o beijando.
— Sim! Vozinha. — respondeu Zedu recebendo todo afeto da avó.
— Meu namorado não veio? — ela questionou, olhando para os lados.
— Não, vó. O Brutos não veio. — falou Zedu rindo.
— Vai tomar um banho, filho. Fica o dia no sol. Isso faz mal, sabia. Já tomou suas vitaminas?!
Sim, Zedu, a sua avó se foi, mas as boas recordações sempre estarão ao seu lado. Elas serão suas fiéis companheiras quando a saudade apertar. Elas serão fiéis companheiras.
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