Aquele café da manhã trouxe um clima meio esquisito para o Zedu e eu. A gente mal conversou e aquilo estava me matando. Será que ele ficou chateado? Acho que sim. Eu ficaria. Só uma pessoa mal educada entraria no banheiro daquela forma, mas, ao mesmo tempo, ele não fechou a porta, ou seja, a culpa era 50% minha.
Depois do café eles foram embora. Fiz as tarefas de casa e coloquei uma música para relaxar. Enquanto ouvia 'Sovereign Light Café', do The Keane, pensei muito na minha jornada em Manaus.
— O que eu estava pensando?! O Zedu gostar de um gordo?! Sou muito idiota. Acho que vou virar padre. Todo o homem que eu gosto vai embora ou não é gay. — resmunguei para mim mesmo, enquanto passava pano no chão da cozinha.
Enquanto eu estava na bad, a Letícia recebia uma boa notícia em casa. Um dos diretores ligou e confirmou sua participação no comercial de sabão em pó. Ela celebrou ao lado de sua mãe e foi até a minha casa para contar a novidade.
— Que máximo! Fama, dinheiro e poder. — ressaltou Giovanna mais animada que Letícia.
— Isso mesmo, Gio. Temos que pensar apenas nas coisas boas. — concordou Letícia.
— Espero me tornar uma modelo super famosa. — disse minha irmã ficando na frente do ventilador e fazendo várias poses.
— Eu quero ser médico! — Richard, que estava deitado no chão, gritou e levantou. — E salvar pessoas!!!
Olhei para Giovanna e começamos a rir. O Richard, apesar de contrariado, também entrou na brincadeira e riu de si mesmo. Aproveitei a presença de Letícia e comecei a perguntar sobre o Léo. Ele estava bem, morando com os avós e estudando. Que merda.
***
Em Parintins, a minha tia precisava fingir que nada havia acontecido entre ela e Carlos, mas era difícil evitar os sentimentos. E como nada na vida é perfeito, tia Olívia recebeu uma mensagem de Orlando.
Orlando:
— Saudades.
Olivia:
— Também.
Orlando:
— Quero te ver quando você voltar.
Olivia:
— Claro. As aulas das crianças começam na segunda-feira, mas vamos nos ver à noite.
Orlando:
— Combinado.
***
No sábado, peguei meus irmãos e decidi passear no shopping. Escolhemos o Manauara, um que fica perto de casa. O lugar é enorme e bonito. Dentro, bem na parte da praça de alimentação, tem uma floresta. Adoro comer olhando para a natureza.
Após o almoço, a minha irmã decidiu fazer compras para melhorar os looks da escola. Fomos em todas as lojas, e a Giovanna reclamava de tudo. Ainda bem que não estava sozinho, o Richard sofria ao meu lado.
Olhava a todo instante no celular, nenhuma mensagem do Zedu. Por causa dele, baixei o whatsapp no celular. Na maioria das vezes, ele mandava links de músicas, matérias e vídeos fofos. O silêncio me matava, eu não tive sorte. Primeiro, sofri por causa do Léo e, agora, pelo Zedu.
Nem tive tempo de lamentar, quando vejo vários manequins virando um em cima do outro. A gerente da loja vem carregando o Richard pelos braços. O meu irmão decidiu 'reorganizar' o setor feminino.
— Você conhece esse moleque? — perguntou a mulher com certa grosseria.
— Não. — soltei.
— Yuri!!! — protestou Richard desesperado.
— Esse nem é meu nome. — falei esperando um tempo, respirando fundo e contando a verdade. — Tá, esse selvagem é meu irmão.
Graças ao Richard, passei parte do meu sábado arrumando manequim. Quando Giovanna voltou do provador, nos viu ficou assustada e passou direto. Traidora. Depois da confusão fomos comer um doce na praça de alimentação. Eu, realmente, não conseguia entender o Richard, garoto maluquinho e não era no bom sentido.
— Giovanna. Eu vou ao banheiro. Se o Richard pensar em sair do lugar, hoje ele vai dormir com o couro quente. — ameacei mesmo sabendo que nunca teria coragem de mexer em um fio de cabelo do meu irmão arteiro.
— Pode deixar.
A melhor parte de ser irmão mais velho era fazer ameaças, entretanto, poucas funcionavam com o Richard, porque era mais fácil ele me fazer chorar do que o contrário. Quando cheguei no banheiro esbarrei com a última pessoa que eu gostaria de ver na face da terra.
— Olha só. As baleias também vão ao banheiro. — comentou Vando fazendo sua risada maligna.
— Vai se lascar. — falei passando direto e entrando em um dos boxes.
O Vando é uma pessoa ridícula. Nem sabia porque os meninos andavam com ele. Sempre com piadinhas gordofóbicas e machistas. O Vando deve ter uns 20 anos. Seus cabelos são cacheados, ele tem algumas tatuagens pelo corpo e sua voz é irritante, mas o que se destaca é o nariz protuberante. Poderia fazer mil piadas com ele, só que não queria descer ao seu nível.
Para completar, além de fazer suas piadinhas (sem graça), o gênio teve a ideia de trancar o banheiro. Ele pegou uma corda que estava no chão e amarrou na maçaneta e prendeu na porta do lado.
— Escroto. — falei terminando de urinar e fechando a braguilha da calça. — Como assim?! Sério, Vando?! Abre essa porta!!! — percebi que a porta estava trancada por fora. — Droga. Vando!!!
Sim. Infelizmente, caí na armadilha do Vando que saiu rindo do banheiro. Do lado de fora, ele viu uma placa de 'Em Manutenção' e colocou na entrada. Enquanto isso, na Praça de Alimentação, os meus irmãos sentiram minha falta. Quando a Giovanna ia ligar para mim, ela percebeu uma pequena aglomeração.
— Richard, olha. — ela falou apontando para frente. — É a Fernanda Figueiredo.
— Quem é essa?! — perguntou Richard confuso.
— É apenas a blogueira de maquiagem mais badalada do momento. — correndo na direção da blogueira e deixando Richard sozinho. — Eu quero uma selfie.
Olhando para a movimentação, o Richard acabou percebendo a presença do Vando. Ele começou a seguir o babaca. Enquanto isso, eu continuava à espera de um milagre. Tentava forçar a porta e nada. Olhei para o celular e não encontrei sinal. Sentei no vaso e coloquei as mãos no rosto.
Se eu fosse magro não estaria passando por tal situação. Conseguiria passar pelo espaço da parte inferior da porta. O jeito era aguardar alguém me socorrer.
Sabe aquela cena dos zumbis se amontoando em cima de uma vítima? A Fernanda Figueiredo sabe. Ela não conseguiu dar atenção para as pessoas que se amontoavam para tirar uma selfie. A minha irmã tentou chegar perto, mas era humanamente impossível. Ela apelou para os seus dotes artísticos e fingiu um desmaio.
Um dos seguranças agarrou a Giovanna no colo e a levou para a enfermaria. Preocupada, a Fernanda acabou os acompanhando. O homem deitou minha irmã em uma maca. A blogueira pegou a bolsa da Giovanna e viu seus documentos.
— Calma, garotinha. A gente vai achar sua família. — disse a blogueira.
Richard continuou na missão de seguir o Vando. Eles foram parar no estacionamento, na distração, Vando acabou deixando o bilhete do estacionamento cair no chão. Ele entrou no carro e foi em direção à saída, só que precisou retornar por causa do bilhete. Vando saiu do carro estressado e refez parte do trajeto de volta.
— Hum. Temos só uma câmera. — pensou Richard olhando para cima. — Acho que consigo fazer alguma coisa.
Um caminhão parou bem em frente à câmera de segurança. Meu irmão aproveitou e furou os quatro pneus do carro de Vando com um canivete que comprou na internet. Ele sorriu e escapou antes do caminhão sair. Vando precisou pagar outro bilhete e entrou no carro sem notar que os pneus estavam secando.
— Tchau, otário! — gritou Richard, antes de correr de volta para a Praça de Alimentação.
Sim. Eu estava há 23 minutos preso no banheiro e não havia ninguém para me ajudar. Me encostei na parede e comecei a chutar a porta que era de vidro. Não demorou muito até que consegui quebrar. Finalmente, liberdade, doce liberdade.
— O que significa isso? — perguntou o zelador segurando a placa que estava na porta do banheiro.
— Calma, moço. Posso explicar! — falei levantando as mãos para cima.
Na enfermaria do shopping, a equipe tentava acordar Giovanna, que aguardava o melhor momento para despertar. Uma moça colocou álcool em um algodão e passou próximo ao nariz de Giovanna. Ela foi abrindo os olhos aos poucos, se fazendo de desentendida.
— Onde estou? — ela perguntou fingindo uma confusão.
— Você passou mal, garotinho. Giovana, né? — perguntou Fernanda.
— Sim. Não, acredito. Fernanda Figueiredo sabe o meu nome! — ela gritou batendo palmas. — Fernanda, sou uma grande fã do seu trabalho. Desculpa, eu não queria te assustar. Estou ótima agora. Podemos tirar uma selfie?
Pressão? Ok. Temperatura? Ok. A saúde de Giovanna estava 100%. E, no fim de tudo, ela conseguiu a tão sonhada selfie com Fernanda Figueiredo. Até a equipe de enfermagem aproveitou para tietar a web celebridade. Após o susto, a blogueira pediu para Giovanna não fazer nada louco para evitar acidentes.
— Meu Deus! Richard. Fernanda, adorei te conhecer. Você é 10! — gritou Giovanna saindo correndo igual uma maluca.
No banheiro do shopping, aconteceu uma mini confusão e tive que explicar a história umas 10 vezes. O zelador chamou um administrador que chamou o supervisor que ligou para a equipe de segurança, enfim, só faltou o dono do lugar.
Os fiscais analisaram a porta e constataram que alguém amarrou por fora. Eles acabaram me liberando e voltei para a Praça de Alimentação. Encontrei Giovanna e Richard sentados no mesmo lugar. Sentei em silêncio como se nada tivesse acontecido comigo.
— Onde você estava? — perguntou Giovanna desconfiada.
— Tive uma emergência no banheiro. Porquê você tá suada? — questionei analisando minha irmã que estava ofegante.
— Por que tá quente aqui, oras. Vamos, quero voltar para casa.
— Vamos. — falei levantando e avistando Fernanda Figueiredo em uma das lojas. – Gente. É a Fernanda. — anunciei apontando para frente.
— Que Fernanda?! Vamos logo. Estou morrendo de calor. Fora que ela está cercada por seguranças. Vamos. Vamos. — ordenou Giovanna dando um mini piti.
***
Climão em Parintins. A tia Olívia evitou o Carlos ao máximo. Eles se reuniram com importantes empresários e viram todos os documentos necessários para a construção da fábrica. Na volta, eles ficaram em silêncio no carro.
Ansioso por causa do tratamento do silêncio, Carlos tentou puxar assunto, entretanto, a titia ainda estava envergonhada por ter transado com o estagiário. Eles cochichavam sobre a noite anterior, pois, o taxista ficou de olho no bate-papo.
Na visão de Carlos, o problema era sua posição na empresa. Afinal, ele era estagiário e tia Olívia, apesar de nova, já estava há um bom tempo trabalhando no setor jurídico.
Ao chegarem no hotel, os dois subiram as escadas em silêncio. Antes de entrarem nos seus quartos, Carlos, deu um movimento arriscado e segurou tia Olívia pelo braço, sem usar força, apenas para evitar que ela entrasse.
— Carlos, estou saindo com o Orlando.
— Ele não gosta de você. — disse Carlos se aproximando da tia Olívia.
— E você gosta?
— Desde a primeira vez que te vi.
— Carlos, você é meu estagiário. Isso é errado, por favor.
Um jogo de sedução começou entre os dois. A tia Olívia adorava ver a cara de safado do Carlos. Ele era do tipo dela, um homem grande com voz grave. Aqueles atrativos deixavam as pernas dela bambas.
— Carlos, não. — pediu tia Olívia se afastando.
— Isso tudo porque sou estagiário? Quer dizer se eu fosse juiz não teria problema?!
— O quê? — nervosa, tia Olívia deu um tapa na cara de Carlos. — Me respeite. Você não me conhece. — entrando no quarto e fechando a porta.
— Idiota!!!
***
Quando voltei para casa, a Ramona me ligou e informou que não poderia dormir comigo. Não entendi muito bem, mas era algum compromisso com o pai. Outro que me deu bolo foi o Brutus, algo haver com garotas e tretas. A Letícia também precisou cancelar por que encontraria os diretores do comercial.
A minha única esperança foi o Zedu, porém, não conseguia olhar para ele. Só de lembrar, o Zedu peladinho no banheiro de casa ficou todo desconfortável. Porque é tão difícil? Não tive esse problema com o Léo.
— Ele não ia querer ficar com um gay. — pensei.
— O Zedu tá lá embaixo. — disse Richard entrando no quarto.
— Sim.
— Ele tá nervoso. Aconteceu algo? — perguntou Richard.
— Nada. — falei tentando passar uma normalidade que me faltava. — Que observador. — pensei saindo do quarto para atender o Zedu.
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