***
Você tem algum talento escondido? A Tia Olívia descobriu que era campeã em evitar o Carlos. Ela evitava estar nos mesmos lugares que eles, só que o estagiário não facilitou a vida da chefe e parecia onipresente. No almoço, Carlos aproveitou para marcar território.
— Você sabe que o voto de silêncio não funciona comigo.
— O que fizemos foi errado. — sussurrou tia Olívia. — Podemos ser demitidos, eu tenho três bocas para sustentar.
— O quê?! — perguntou Carlos que não entendeu uma palavra que a minha tia falou.
— Boa tarde. — desejou Sheila, uma das administradoras da empresa, sentando de frente para tia Olívia. — Nossa hoje o almoço está apetitoso. Agora me contem? Como foi estava Parintins, a ilha do amor?
— Maravilhosa. — disse Carlos com um sorriso estampado no rosto.
Tia Olívia ficou sem palavras e se engasgou com uma ervilha. O resultado foi um acesso de tosse. Todos olharam para a mesa que eles estavam.
— Calma, amiga. — falou Sheila. — Conta, Carlos, como está a terra do boi bumbá? Eu adoro aquele lugar...
— Ótima. Levei a Olívia para passear em cada lugar bonito. Ela deu várias voltas. — soltou o estagiário para o desespero de titia.
— Realmente. É uma cidade maravilhosa, mas muito pequena. — salientou Tia Olívia arrumando os óculos. — Uma viagem muito curta.
— Mas, você aproveitou cada momento. Até gritou. — Carlos jogou sujo e percebeu o erro quando tia Olívia pediu licença e deixou a mesa.
— Gritou, como assim?
— Digo... quer dizer... gritou quando viu o bumbódromo. — falou Carlos desesperado.
***
O segundo dia de aula foi tranquilo. Tivemos química, geografia, português e história. Nada demais também, assuntos que já conhecia, fiquei meio desapontado, pois, os meus amigos falaram que era uma das melhores escolas. Não sou inteligente, porém, revisar aquelas matérias seria muito chato. Dormi duas vezes na sala de aula.
Na hora do intervalo, o Diogo me procurou e falou todo empolgado sobre a exposição de fotografia. Eu também adorava exposições, sempre que podia visitava algum museu no Rio de Janeiro.
— Só não esquece que vamos direto da escola. — reformou Diogo.
— Sim. Já falei com a minha tia e ela deixou.
— Traz outra roupa, ninguém merece ir de farda, né? — ressaltou Diogo rindo e piscando.
Mais duas horas de chatice, antes da tão sonhada liberdade. As aulas de português e história foram interessantes. Adorava a explicação da professora de história. Ela nos transportava para o assunto. Sempre tive o sonho de viajar no tempo e conhecer outros momentos da humanidade. Será que sou o único?
As meninas mandaram um recadinho para mim. Elas iam fazer compras no Centro, então, não poderiam ir para o ponto de ônibus. Na saída, esperei o Brutus que mandou uma mensagem dizendo que ia jogar futebol. E o José Eduardo sumiu do mapa. O Diogo me abordou na escadaria do colégio e perguntou se queria companhia.
Fomos caminhando até o ponto de ônibus. Naquela tarde, conheci um pouco mais do Diogo, ele era um cara simples e esperto. Em toda conversa, jogava alguma informação importante. O Diogo contou também que tinha família em Portugal e seu sonho era morar em Lisboa com os avós.
— Você não é tão ruim. — falei olhando para o Diogo, enquanto, aguardávamos o meu ônibus.
— Como assim? — ele perguntou coçando a cabeça.
— Pediram para tomar cuidado contigo.
— Teu namorado? — questionou Diogo mudando de expressão.
— Que namorado?
— O José Eduardo. Ele ficou com ciúmes por que eu me aproximei de você.
— Deixa de ser besta. Somos amigos, apenas amigos.
— Quer dizer que eu tenho uma chance? — ele quis saber se aproximando de mim.
— C. Chan. Chance? — quase que a pergunta não saiu de tão nervoso que fiquei. — De... de quê?!
— De conquistar você.
Meu Deus. Aquilo não podia ser real, o Diogo disse mesmo aquelas palavras?! Ele queria me conquistar? Eu ainda não o tinha visto de outra forma. Ele era inteligente, alto, moreno claro, um rosto de homem com uma barba bem-feita e usava óculos. Um verdadeiro nerd, porém, ainda não havia despertado nada dentro de mim.
Por sorte, os deuses dos gordinhos desesperados enviaram meu ônibus. Por um impulso, dei um abraço no Diogo e entrei no coletivo. O meu coração estava disparado. Gente, o que os homens de Manaus têm? Sentei e o meu celular vibrou. Era uma mensagem do Zedu.
***
Zedu <3: (mensagem de texto) – Pq você n me esperou?
Yuri: (mensagem de texto) – Esperei e mandei msg, pra vc e o Brutus.
Zedu <3: (mensagem de texto) – Eu te vi com o Diogo na parada. Até abraçou ele.
Yuri: (mensagem de texto) – Sim. Ele acompanhou já que vcs sumiram do mapa
Zedu <3: (mensagem de texto) – Eu já te falei sobre ele. Toma cuidado.
Yuri: (mensagem de texto) – Para Zedu. Ele é meu amigo, pelo menos, ele me ajudou. E vc nem deveria ficar chateado, poq vive me abandonando
Zedu: (mensagem de texto) – Tá, Yuri. Vc q sabe
***
Minha primeira DR com o Zedu foi pelo whatsapp. Que romântico. Eu não entendia a cabeça daquele garoto, ele não deveria ficar tão preocupado comigo. Ele tinha a namorada dele para cuidar. Entretanto, preciso confessar que adorei vê-lo com ciúmes da minha amizade. Cheguei em casa, fiz o almoço dos meus irmãos e decidi dormir um pouco.
Naquela tarde, a minha tia convidou Orlando para almoçar. Ela queria tirar o Carlos da cabeça de uma vez por todas. Eles foram em um restaurante de comida regional, o Orlando sabia que a minha tia era apaixonada por peixe, na verdade, ele não sabia, ligou para mim e perguntou. Após o almoço, o ficante de titia decidiu ser ousado e foi para um motel. Lá, eles tiveram bons momentos, mas a minha tia ficou com a consciência pesada.
— O que tá acontecendo com você? — titia questionou para si. – Você não era assim. Eu preciso falar para o Orlando, ou melhor, não vou contar. Ele vai pensar que eu sou uma oferecida... e...e... quanto ao Carlos? Meu Deus. O que vou fazer? Eu preciso de um sinal. De uma direção.
Sim, a minha tia chamou a atenção de dois homens gostosos, mas não sabia o que fazer. Eu pelo contrário, chamei a atenção de uma pessoa que não me interessava em nada, entretanto, decidi dar uma chance para a amizade do Diogo, afinal, eu não queria ficar sozinho.
***
Diogo: (mensagem de texto) - Não esquece de amanhã.
Yuri: (mensagem de texto) – Pode deixar. Já escolhi minha roupa.
Diogo: (mensagem de texto) – Te assustei?
Yuri: (mensagem de texto) – Com oq?
Diogo: (mensagem de texto) – Em dizer que me interessei em você?
Yuri: (mensagem de texto) – Não.
Diogo: (mensagem de texto) – Ah tá. Pq n é todo dia q vejo um gordinho tão gostoso.
Yuri: (mensagem de texto) – Então é apenas sexo?
Diogo: (mensagem de texto) – Não sei. Pode ser, mas tbm pode não ser. Tive dois relacionamentos até agora e os dois com gordos. Vc me daria um ótimo namorado, mas acabamos de nos conhecer.
Yuri: - (mensagem de texto) – Entendi, mas o apressado aqui é você.
Diogo: - (mensagem de texto) – N sou apressado. Apenas fui sincero em dizer que você faz meu tipo, afinal, o Zedu pode querer antes, e eu preciso garantir o meu.
Yuri: - (mensagem de texto) – Para de implicar com o Zedu. Somos amigos e ponto.
Diogo: (mensagem de texto) – Se você diz.
***
Naquela noite, eu tive um sonho muito bom. Sonhei que ficava com o Zedu e o Diogo ao mesmo tempo. Infelizmente, o despertador do celular tocou e eu precisei levantar.
Na noite anterior, já havia preparado a comida dos meus irmãos. Eles precisavam apenas colocar tudo no micro-ondas. Escolhi roupas leves, afinal, às tardes em Manaus são quentes demais. Encontrei os meus amigos na parada.
Estava animado demais. Contei para eles que visitaria uma exposição com o Diogo. Apesar da preocupação, a Letícia achou legal a atitude dele em me chamar para passear. Os outros concordaram, quer dizer, quase todos.
— Amigo. Só não te acompanho porque eu vou fazer a prova de roupa pro comercial. — afirmou Letícia.
— Vou malhar. Essas crianças não crescem sozinhas. — disse Brutus beijando os músculos.
— Tenho medo do Diogo. Não vou não. — soltou Ramona fazendo uma careta engraçada.
— Gente. Sou bem grandinho, até por demais, pra falar a verdade. Vou ficar bem. É uma exposição de fotografia. — tentei tranquilizar os meus amigos.
— Deixa ele gente. Ele é grandinho. — Zedu falou de forma rude. — Lá vem o ônibus, vamos.
Zedu estava ficando muito chato. Na escola, ele quase não falava comigo, a Alicia tomava todo o tempo dele. No intervalo, conversei com o Diogo sobre a exposição. Ele disse que era de um amigo dele que havia participado de uma excursão pela Amazônia. A forma como ele falava de fotografia me deixava animado.
— E os teus amigos? — ele perguntou, antes de dar uma mordida no sanduíche.
— O que tem eles?
— Na hora que a gente foi comprar lanche, eles ficaram olhando para nós. — comentou Diogo.
— Impressão sua. Eles estavam com os amigos deles. E eu preciso fazer amizades também. Agora se você não quiser ser visto comigo... — falei sendo um pouco dramático e levantando.
— Senta aí. — ele pediu me puxando de volta. — Eu apenas pensei que você ia se importar com os comentários.
— Hunf. Comentários não querem dizer nada. E meus amigos são legais.
Durante toda aquela semana, a Giovanna traçou uma meta imaginária. Entrar no grupo das meninas populares. Mas, para a surpresa dela, tal grupo não existia. Então, a minha irmã começou a analisar o perfil das coleguinhas e nenhuma era boa o suficiente.
Durante uma aula de geografia da Giovanna, a professora passou um exercício para que os alunos escrevessem todos os estados brasileiros dentro de um mapa. Após terminar a tarefa em tempo recorde, a minha irmã decidiu descansar a beleza. De repente, uma coleguinha virou e tentou puxar assunto com ela.
— Giovanna. São 33 estados, né?
— 33? 33? Você tá brincando, né? Não chegou nem perto. Deus me livre que esse país tivesse mais estados. A resposta certa é 27. Tá precisando estudar, hein. Depois tira zero na prova e não sabe o motivo. E olha que estamos na primeira semana de aula. — Giovanna falou alto demais e alguns alunos riram da situação.
— Giovanna, isso é jeito de tratar a colega? — perguntou a professora.
— Desculpa, professora. — disse minha irmã com um sorriso amarelo no rosto.
O sinal tocou e todos os alunos entregaram suas atividades. A professora pediu para Giovanna ficar um pouco mais na sala de aula. Segundo ela, a garota que pediu ajuda da minha irmã se chamava Cláudia, e estava passando por um momento delicado em sua vida.
— Todos nós passamos por momentos difíceis, mas isso não é desculpa para revisar o assunto antes da aula. — Giovanna tentou achar uma brecha para o seu comportamento.
— Ela perdeu os pais, Giovanna. E desde o início das aulas você foi a primeira pessoa com quem ela interagiu. — explicou a professora.
— Eu não fazia ideia, professora. Eu...
Sim. Alguém se arrependeu feio. Afinal, Giovanna passou por uma situação parecida e, apesar de negar, o assunto ainda mexia bastante com ela.
Enquanto uns se arrependiam, outros seguiam firmes nas suas convicções. A Tia Olívia procurava qualquer desculpa para se ver distante do Carlos, mas o destino sempre dava um jeito de deixar os dois juntos.
O Carlos e a minha tia pegaram o mesmo elevador. Eles tinham uma reunião no quinto andar do prédio. As poucas pessoas que seguiam no elevador saíram no quarto andar. Do nada, aconteceu uma queda de energia e a Tia Olívia soltou um grito abafado.
— Isso não tá acontecendo! — gritou tia Olívia. — Socorro!
— Vish. — soltou Carlos coçando a cabeça.
— A culpa é sua. Você fez isso. — ela acusou Carlos que decidiu sentar no chão.
— Claro, Olívia. Eu tinha planejado isso há semanas.
— Você não vai fazer nada?
— Fazer o quê?!
— Abrir essa porta... e a gente pode....
— Claro. Não assistiu Premonição? — perguntou Carlos cortando titia.
Não existe nada melhor que reconhecer os próprios erros, né? A Giovanna é a pessoa mais geniosa que conheci, entretanto, a gente sempre a ensinou a reconhecer suas falhas. Na hora do intervalo, ela encontrou Cláudia sentada em uma parte distante do refeitório. Giovanna pegou o lanche e sentou ao lado da colega.
De início, a garota estranhou a presença de Giovanna, mas aos poucos, elas foram conversando e se entendendo. Um dos alunos começou a fazer chacota da situação na sala de aula e o lado diva da minha irmã brilhou em toda sua glória.
— Escuta aqui garoto. — Giovanna levantou, colocou a mão direita na cintura e arrasou o garoto que brincou com Cláudia. — Não vem tentar dar uma de engraçado não, que eu vi a tua resposta também estava errada. Pega esse teu cabelo de imitação barata do Thiago Iorc e vai procurar o que fazer.
***
Ainda não tinha me acostumado com todos os professores, enquanto alguns arrasaram na metodologia, outros pareciam dinossauros. Até o momento, a professora de história era a minha favorita. Ela abusava de vídeos, áudios e fotos. Quase não sentia sono durante as explicações dela.
No fim da aula, o Diogo disse que precisava ir ao banheiro. Fui praticamente arrastado pelos alunos que queriam sair da escola. Resolvo esperar o Diogo em uma pracinha na frente do colégio. Fico olhando para o celular, quando escuto uma voz conhecida.
— Não vai falar comigo? — pergunta Zedu, sentando em um dos bancos da praça.
— Sim. Eu não tenho problemas em falar com você na frente dos meus amigos. — falei me aproximando dele.
— O que isso quer dizer?
— Nada. — disse respirando fundo. — Nada, Zedu.
A Alicia apareceu do nada. Esse é o grande poder dela, surgir do nada. Ela sentou no colo do Zedu e começou a fazer carinho em seus cabelos. Ramona, Letícia e Brutus também deram o ar da graça também. Ótimo. Era tudo o que eu precisava. A turma reunida para me ver sair com o Diogo.
— Oi, Yuri. — falou Diogo se aproximando.
— E ai?! Gente, esse é o Diogo. Diogo, essa é a gente. — apresentei uma pessoa que eles já conheciam e ri da minha situação. — Brutus, Letícia, Ramona, Zedu e Alicia.
— Oi, galera. — Diogo fez uma saudação esquisita e pegou no meu ombro. — Então, vamos?
— Gente, até mais. E Letícia me fala sobre o resultado da prova de roupas. — segui o Diogo, pois, não fazia ideia para onde iríamos.
Ele explicou que a gente ia almoçar em um restaurante para trocar de roupa. O lugar era bonitinho e não ficava tão longe da escola. Sentamos, uma moça baixinha nos atendeu e entregou os cardápios.
Sério, eu não conseguia enxergar a pessoa estranha que todos falavam. O Diogo sempre tinha uma piada pronta para qualquer situação.
Escolhi uma macarronada ao molho branco que estava divina, já o Diogo escolheu filé de frango à parmegiana. Depois de almoçar, fomos até o banheiro. Ele trancou a porta, colocou a mochila no chão e tirou toda a roupa, ficou apenas de cueca. E, nossa, ele tinha um corpo bonito, e além da tatuagem no braço, havia outra perto da virilha dele.
— Você não vai tirar sua roupa? — ele perguntou vestindo uma calça jeans preta.
— Você pode virar? — respondi com outra pergunta, pois estava nervoso.
— Como?
— Eu não estou acostumado. Você pode virar? — perguntei novamente, enquanto tirava minhas roupas da mochila.
— Sei. Você é do tipo que tem vergonha do próprio corpo, né? Tudo bem. — ele disse virando de costas e colocando a camiseta.
— Eu.... eu....
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