A Vila de São Jorge é o meu lar temporário. Faz uma semana que cheguei e já estou melhor. O Cristian tem sido um grande amigo e tem me auxiliado da melhor maneira possível. Ele até conseguiu roupas do meu tamanho. Estou me acostumando com a rotina do lugar. Por enquanto, trabalho no estábulo e na manutenção do muro.
Demorou uns dias para conseguirmos limpar a área, porque os zumbis não deram folga. Foram mais de 300 flechas para eliminar todos. Apesar de pequena, a vila é organizada e todos cumprem o seu papel com afinco. Fui liberado da enfermaria e estou morando com o Coronel Afonso. É uma residência simples, mas não tenho do que reclamar.
Vou levando a vida, sem interferir em nada. Preciso lembrar de quem sou para seguir em frente. Porém, não posso negar que estou gostando dessa rotina mais tranquila e sem perturbações. Não consegui decorar o nome de ninguém, apenas do Coronel Afonso e do Cristian, que me acolheram na vila, mesmo contra a vontade da maioria dos moradores.
Acordo cedo, antes do amanhecer e sigo para o banheiro coletivo. Encontro Cristian escovando os dentes, só de toalha. Eu fico parado, olhando para ele, que nem presta atenção em mim. Só posso dizer uma coisa: o Cristian é mentiroso. Ele gosta de usar roupas e casacos folgados, por esse motivo, eu nunca tive a dimensão de seu corpo.
Ele é magro, mas definido. Sua pele é delicada e está toda molhada. Os ombros dele são largos e consigo contar suas costelas. O tanquinho é um espetáculo à parte. Vou descendo o olho até chegar em sua entrada 'V', que está em parte coberta pela toalha. Porra, porque estou tendo esses pensamentos?
Respiro fundo e me recomponho. Não quero confusão com ninguém, ainda mais com o Cristan, que está sendo um grande amigo. Vou para o lado dos chuveiros. De repente, alguns homens entraram e tiveram uma reação estranha. Assim como eu, eles ficam parados. A presença do Cristian os incomoda.
Eu tiro as minhas roupas e fico pelado sem cerimônia. O clima dentro do banheiro está estranho. Será que aconteceu alguma coisa? Depois de uns minutos, o Cristian pega suas coisas e, antes de sair, ele olha para o grupo.
— Eu não mordo, bebês. — saindo do banheiro, um dos homens balbucia alguma coisa.
— Esse vi...
— Ei, cala a boca. — intervém um outro homem.
Eu tomo o banho em silêncio. A água quente desce pelo corpo e posso relaxar um pouco. Infelizmente, a água é limitada, então, faço a higiene rápido para dar vez a outra pessoa. Visto as roupas dentro do banheiro e volto para a casa do Coronel Afonso. Encontro o Cristian fazendo café da manhã. Ele cantarola alguma canção que não reconheço, na verdade, não sei nenhuma música.
A energia do Cristian é magnética. Eu não consigo deixar de olhá-lo. Ele desfila pela cozinha e faz uma dancinha engraçada. Eu esboço um sorriso, mas ele percebe que estou no corredor.
— Oi, moço! — ele me cumprimenta, mas eu não consigo respondê-lo, apenas balanço a cabeça. — Você já tomou café? Provavelmente, não. Senta aí. Estou terminado. — eu o obedeço e sentou à mesa. — O papai já foi para o Q.G (quartel-general). Hoje tú trabalha no estábulo, né? Eu adoro aquele lugar. Os animais são melhores que os humanos.
— Você. — eu solto, mas logo me arrependo e o Cristian me fita piscando os olhos de maneira curiosa.
— Fala. Você pode conversar comigo. — ele diz.
— Aqueles caras no banheiro, eles....
— São idiotas, babacas, ridículos e escrotos? Sim. — ele questiona. — Se você vai morar aqui você precisa saber, Adam.
— Saber? — questiono, curioso, porque tudo o que envolve o Cristian me causa curiosidade.
— Eu sou gay. Eu gosto de homens. Aparentemente, eu sou o único gay desse maldito lugar, apesar de ter ficado com parte dos homens da vila. — Cristian revela sem qualquer medo.
Eu não consigo reagir. Eu sei o significado da palavra gay. Porém, quase não escuto o termo. Nem imagino as coisas que o Cristian passa por ser quem ele é. A gente toma café juntos, mas seguimos para lugares diferentes dentro da vila.
Realmente, o Cristian tem razão. O estábulo é um lugar silencioso. Existem cinco vacas, 10 cavalos e 15 galinhas.
O trabalho é tranquilo, mas não é fácil. Os animais pedem bastante atenção, principalmente, os cavalos que adoram um carinho na crina. Alimento, limpo e retiro os ovos para enviar à equipe da cozinha. Ao meio-dia sigo para o refeitório. Diferente do estábulo, aqui as pessoas conversam, gritam e riem. Eu sento em uma parte afastada e como sozinho.
Alguns moradores me olham de maneira engraçada. Eu preciso controlar o riso. Eu os entendo, afinal, cheguei de uma maneira estranha neste vilarejo. Nem eu confio em mim. Ainda mais com os sonhos que tive. Por isso, a melhor estratégia é não me envolver. Seguir meu caminho e não intervir.
Meus pensamentos são atrapalhados por um barulho de metal caindo no chão. Olho para frente e vejo o Cristian de joelhos. Sua comida está espalhada no chão de cerâmica. Não muito longe dele, menos de um metro, um grupo ri. Lembro que são os mesmos homens do banheiro.
— Bichinha. — diz um dos homens rindo e dando coragem aos outros.
— Adam, fica na tua. — eu penso, mas antes de dar por mim, levando e dou um soco no homem que o chamou de bichinha.
— Adam! — Cristian exclama, ainda caído no chão e sem reação.
Um dos homens, que usa um gorro verde, parte para cima de mim, mas não tem nem chance. Desvio do soco e taco sua cabeça contra a mesa. Os outros dois se aproximam, então, chuto o que usa um boné preto. O último do grupo tenta correr, mas seguro em sua jaqueta e o puxo.
— Peça desculpa. — ordeno, agora conseguindo segurar em seu pescoço e apertando. — Eu disse para pedir desculpa. — apertando e chegando no limite, fecho os olhos, e escuto alguém gritando o meu nome.
— Adam, não! — grita a voz.
— Des, des, cul, desculpa. — o homem pede com dificuldade, porque estou o estrangulando com apenas uma mão.
— Adam, para! — grita a voz dentro da minha cabeça e, finalmente, solto o homem que cai ajoelhado no chão.
Volto a mim e tenho dimensão do estrago que fiz. Os caras estão caídos, alguns desacordados e outros gemendo de dor. Pego na mão de Cristian e o ajuda a ficar em pé. O coitado tremia e não conseguia esconder o choque da situação que acabou de viver.
— Vá pegar mais comida e sente comigo. — pedi, voltando para a mesa.
— Ok. — soltou Cristian, olhando em volta e tentando não rir.
Puta que pariu. Agora estão todos olhando para mim. Se antes, os moradores não gostavam de mim, com certeza, agora, eles me odeiam. Tudo bem, eu não vou ficar muito tempo neste lugar. Eu preciso descobrir mais coisas sobre o meu acidente. Foda, que o quartel-general é cheio de trabalhadores. O Coronel sai de manhã cedo e retorna só à noite, ou seja, não tem brecha para uma investigação discreta.
— Obrigado. — agradeceu Cristian, antes de sentar ao meu lado. — Cara, você acabou com eles. Tipo, parecia um herói dos quadrinhos. — comentou, quase cochichando.
— Eles mereceram. — soltei, tomando a sopa.
O dia seguiu de maneira tranquila. Muitas pessoas apontavam para mim, com certeza, comentando sobre a briga no refeitório. A última tarefa foi limpar o galinheiro. Ao me aproximar, as galinhas seguiram para a parte de trás do galinheiro. Os galos ficaram agitados, mas estavam em uma outra área. Usei água para limpar o chão e coloquei mais ração para os animais.
Estou quebrado. Volto para a casa do Coronel Afonso. Não há ninguém no momento. Pego meus pertences e sigo para o banheiro. Dessa vez, eu sei que a água vai estar gelada. O clima começa a esfriar de uma maneira visceral. Preciso encontrar um agasalho melhor. Aqui, a moeda de troca é o trabalho. Acho que vou participar das caçadas. Deve ser a maneira mais fácil de encontrar roupas e itens de uso pessoal.
Encontro o Cristian do lado de fora do banheiro. Eu paro e fico do lado dele. Eu nem preciso perguntar nada, o linguarudo fala que está esperando o banheiro ficar vazio, pois ele não se sente bem em tomar banho com os outros moradores da vila. Eu imagino o motivo. As pessoas podem ser cruéis, ainda mais com alguém que foge dos padrões.
Espero. Eu não quero que ninguém mexa com ele. Eu sinto a necessidade de protegê-lo contra qualquer ameaça. Afinal, eu já devo ter feito coisas horríveis, preciso compensar de alguma forma. Um grupo passa por nós, entre eles estão os caras que apanharam de mim. Eles andam mais rápido quando me veem. Podem passar, seus idiotas.
— Caramba, você viu eles? Correram iguais idiotas. — comenta Cristian, respirando fundo e indo para o banheiro.
— Hum. — concordo e o sego.
O banheiro é uma área espaçosa, pelo menos, o masculino é. As latrinas ficam em uma parte separada. São seis chuveiros. Tiro as roupas e deixo em uma parte isolada. Ligo o chuveiro e tomo um baque inicial. Porém, o meu corpo está quente e uso isso ao meu favor. O clima no Sul do Brasil é intenso, não sei se tive oportunidade de conhecer outros lugares, mas creio que não deve ser tão frio como essa região.
O Cristian chega todo tímido. Eu não tenho vergonha dele me ver pelado. Eu gosto, essa é a verdade. Eu gosto do Cristian. A água me deixa ver com mais clareza. Eu o defendi porque eu sinto algo. Evito olhar para o Cristian, não quero que o meu corpo tenha uma reação estranha.
De repente, o Cristian começa a chorar. Eu luto para não olhar. É um choro de pesar. De cansaço. O maldito sentimentalismo toma conta de mim e o abraço. Nossos corpos estão nus. Estamos entregues ao abraço. A água gelada não atrapalha o momento. Com uma mão, seguro o rosto do Cristian e aproximo do meu.
Eu já beijei alguém antes? Eu já estive apaixonado por alguém? O Cristian não resistiu. Os nossos lábios se aproximam e o beijo com vontade. Pressiono o corpo dele contra a parede de cerâmica branca. Eu quero parar, mas o meu cérebro não me obedece. Eu só quero beijar o Cristian.
— Você quer que eu pare? — perguntei, ofegante.
— Eu, eu, eu não. — me abraçando e beijando ferozmente.
Ficamos nos beijando por quase 20 minutos. Em seguida, tomamos banho e seguimos para a casa de Cristian. Ele ficou tão nervoso que não falou nada. Ao entrarmos na residência, o Coronel nos recebe com uma cara de poucos amigos. Alguém contou sobre a briga que aconteceu no refeitório.
— Pai, o Adam tentou me defender. — interveio Cristian, que deixou as roupas em cima de uma mesa.
— Cristian, não se meta. Vá para o seu quarto. — ordenou o Coronel de maneira ríspida. — Agora!
— Droga. — reclamou Cristian, saindo da sala.
— Senhor, eu não me arrependo do que fiz. Essas pessoas precisam aprender uma lição sobre respeito e...
— Adam. — o Coronel levantou o dedo e pediu silêncio. — Eu preciso de sua ajuda. A vila está em perigo.
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