— Quero vocês de volta exatamente às onze e meia! Façam o que quiserem até lá, desde que não se percam e nem se machuquem gravemente — o professor avisou num tom alto, para que todes ês alunes escutassem. — Última revisão. O que devem fazer caso encontrem um lobo?
— Verificar as luas — algumes dês adolescentes responderam em uníssono.
— Se for lua cheia?
— Manter a calma e contar até cinco.
— Se não for?
— Gritar por ajuda!
— E o que vocês devem fazer se encontrarem um vampiro? — o professor baixou um pouco o tom de voz, aumentando a seriedade. Um clima de tensão cresceu entre todes presentes.
— Rezar para que tenha misericórdia da minha alma e me permita voltar em segurança — as vozes trêmulas de medo disseram juntas, baixinho, como se temessem assustar algum monstro.
— Correto. Não encontrem vampiros — o professor ordenou, fazendo contato visual por muito tempo. — Que hora devem estar aqui?
— Onze e meia.
— Por quê?
— É quando os vampiros começam a sair em busca de sangue…
— Perfeito. Tentem não morrer, e, na dúvida, não entrem na floresta. Ah! Uma última coisa. Não importa o que aconteça, NÃO ULTRAPASSEM O FIO VERMELHO!
Um burburinho de fofocas e indagações tomou conta do lugar. Já ouviram falar do Fio Vermelho que ligava as seis maiores árvores da Floresta de Nizes e demarcava seu local mais perigoso, mas, o que havia lá dentro, somente mitos contavam.
— Reza a lenda que lá é o lar das criaturas mais mortais de toda a Floresta… — uma garota comentou num sussurro em meio ao grupo de colegas.
— Criaturas que não conhecem a palavra misericórdia… — sua amiga continuou.
— Ouvi dizer que lá mora o vampiro mais temido de todo o Espa… O nome que me disseram ainda causam arrepios. Gael Zintius — o silêncio tomou conta do lugar.
— Me disseram que uma única pessoa que adentre o Fio Vermelho é capaz de causar um choque temporal por toda a Floresta e seus arredores. Ninguém nunca sobreviveu a uma sequer visita a Gael — Peter, melhor amigo de Elliot, contou com uma seriedade de dar frio na espinha.
— Se ninguém sobreviveu, quem foi que te contou isso, hein? — Samantha, prima de Peter, argumentou, com um sorriso maroto em seus lábios. O grupo todo riu, e então se dispersaram.
— Peter, você acha que a gente vai encontrar alguma coisa lá? — Elliot perguntou, aproveitando que se distanciaram do resto da turma.
— Por quê? Você tá com medo? — o garoto zombou, disfarçando o próprio medo pulsando em seu peito.
— Claro que sim, tenho medo do professor se não acharmos nada sobre o que anotar! — os dois riram e ligaram as lanternas, entrando na Floresta.
Elliot, sempre com sua câmera especial, capaz de captar imagens perfeitas dos seres especiais existentes predominantemente nessa região, tirou inúmeras fotografias das diversas espécies de plantas e animais presentes no local. Os dois melhores amigos precisaram caminhar por um bom tempo no silêncio neblinoso da Floresta de Nizes até encontrarem algo diferente alguns metros à frente.
Com os olhos brilhando em encantamento, eles correram em direção aos pequenos cogumelos brilhantes, também conhecidos como luzes mágicas. O motivo? Eles brilham no escuro, trazendo uma claridade suave e tranquila. Com suas propriedades curativas, foram muito caçados para a preparação dos famosos chás cógmigos¹, geralmente usados para tratar feridas fatais. Sua caça fora proibida quando cientistas místicos descobriram que estas criaturas mágicas eram, na verdade, pequenos animaizinhos, não plantas. Saltando serenamente e girando de forma encantadora, os pequenos bichinhos de no máximo seis centímetros de altura eram bonitos demais aos olhos humanos.
— Eles são bonitinhos demais, Peter…
Peter, também conhecido pelos colegas de turma como Encantador de Criaturas, ajoelhou-se na grama fluorescente e abaixou o rosto para perto dos pequeninos pontinhos luminosos. Ao estender a mão devagar, um dos cogumelos saltou e rodopiou devagar até pousar em sua palma, tão suave quanto um guarda-chuva aberto que cai a mercê do vento.
Elliot ficou tão maravilhado com a cena que demorou a raciocinar que deveria tirar uma foto para registrar a descoberta e anotar tudo o que sabiam sobre a espécie. Quando se deu conta disso, tirou da mochila o pequeno dispositivo redondo que se tornava um tablet de anotações e acessou a aba de sínteses, para então pegar sua câmera e tirar uma foto de Peter e seu novo amiguinho e outra com somente as pequenas luzes mágicas. Após passar as incríveis fotos para o tablet, escreveu sobre os bichinhos com a ajuda do amigo.
Ao voltarem a caminhar por entre as árvores, depois de se despedirem dos pequenos e amigáveis cogumelos, demoraram pouco até começarem a ouvir o som musicado de uma das espécies mais raras de todo o Espa. Elliot e Peter se entreolharam animados e andaram bem devagar seguindo o som. A apaixonante música fatúmie² ficava mais harmoniosa a cada passo que os garotos davam em direção às delicadas fadas.
— Devagar e em silêncio, Elliot, as fadas são facilmente assustáveis. E você sabe o que acontece quando se assusta uma. — Elliot concordou com a cabeça, ciente de que, se assustassem uma fada, nunca mais voltariam a encontrar uma única que seja.
Quando um serzinho desse se assusta, libera uma substância que apenas outras da espécie são capazes de reconhecer. Assim, não importa quantos banhos você tome, elas reconhecem o cheiro da ameaça e fogem. Além disso, existe uma subespécie de fadinhas que possui a habilidade de se tornar invisível a qualquer olhar ou câmera quando sentem que estão em perigo. Dessa maneira, nenhuma fada nunca foi capturada, elas são ágeis demais para qualquer ser humano ou animal não-místico.
— Elas são tão lindas… — Elliot comentou baixinho quando chegaram perto o suficiente para vê-las, mas não o bastante para assustá-las.
— Demais… — Peter concordou, tomando o cuidado de evitar pisar em galhos soltos no chão.
— Você acha que a gente consegue fazer amizade com uma?
— Melhor você tirar a foto antes, por precaução. — Elliot concordou. Era melhor registrarem a descoberta antes que algo as assustasse e eles nunca voltarem a encontrar criaturinhas dessa espécie.
— Pronto. Ficou linda, olha — o garoto mostrou a imagem na câmera para o amigo com um sorriso orgulhoso. Elliot era o melhor fotógrafo da turma, sem dúvida alguma. — Quer tentar se aproximar?
— Quero — juntos, deram passos delicados e pacientes em direção ao grupo de fadas.
Os seres de brilho natural nas asas de uma simetria indescritível, aproximadamente doze centímetros de altura e uma forma humanoide pararam o que faziam (inclusive o canto harmonioso) e encararam os dois garotos em completa imobilidade, com seus olhinhos encantadoramente curiosos. Peter, aproveitando a reação pacífica das fadinhas, estendeu a mão bem devagar, a apoiando no chão ao lado das criaturas. Fadas são seres racionais, mas que agem mais de acordo com o instinto do que com a razão. Por isso, dizem que se você chegar perto de um grupo dessa espécie e ele não se dispersar imediatamente, você estará abençoado com um determinado tempo de sorte.
A fadinha mais próxima encarou a mão de Peter e, devagar, caminhou até ela. Ainda fitando a mão maior que seu pequeno corpinho, ela aproximou a sua própria da pele do garoto, tocando-a levemente. Quando o fez, um brilho de tom levemente rosado surgiu no local, e os meninos sorriram. O toque de uma fada é algo mágico. Uma vez tocade por uma dessas esplêndidas criaturinhas, a espécie terá para sempre um carinho peculiar por você. Elas saberão que você não é uma ameaça, mas sim alguém que gosta delas tanto quanto elas de você. É algo extremamente raro de se ocorrer com humanos. Por sorte, Elliot conseguiu capturar o momento exato do toque, que agora ficará guardado eternamente.
— Que horas são? — Peter perguntou ao amigo assim que terminaram de anotar sobre as fadas.
— Onze e dez — ele respondeu, enquanto guardava novamente o dispositivo na mochila.
— Melhor voltarmos agora. Não tô afim de virar comida de vampiro, não hoje.
— Mas Peter, ainda faltam vinte minutos, a gente tem tempo! Imagina se a gente encontra um lobisomem, hoje é lua cheia!
— Elliot, é melhor não... Já estamos longe demais do acampamento, vamos demorar pra voltar. E, além disso, ainda temos amanhã pra procurar mais!
— Peter, por favor... Vamos, só mais um pouquinho!
— Ai, Elliot... Sério, o que não faço por você? — Peter se rendeu, bufando.
Quanto mais andavam, mais densa era a Floresta. Mais as árvores eram próximas umas das outras e mais aterrorizante a Floresta ficava. Árvores extremamente altas e de cores escuras, com cascas grossas e folhas grandes. O frio arrepiava a pele descoberta dos braços de Elliot, que se arrependera profundamente de ter deixado seu moletom na barraca.
— Elliot, acho melhor voltarmos.
— Não, eu sinto que estamos perto de algo incrível.
— Você por acaso lembra do que aconteceu da última vez que seguimos sua intuição? — Elliot ignorou a provocação e continuou andando em silêncio, o que era estranho considerando sua personalidade: em uma situação normal, ele reviraria os olhos e retrucaria provocando o amigo de volta. Ao olhar de Peter, ele parecia completamente hipnotizado. — Elliot, eu tô com um pressentimento ruim…
— O Fio Vermelho... — o garoto disse num sussurro arrastado.
— Como? Não, Elliot, já chega! — ao perceber o Fio Vermelho, seu coração disparou.
Elliot estendeu a mão devagar, e essa foi a gota d'água para Peter. Ele se virou e encarou em volta, tomado pelo medo.
— Elliot, pelo amor dos Deuses, não toca nisso! Anda, vamos embor…
As lanternas se apagaram. Um silêncio ensurdecedor inundou a área, o suspense subindo pelo solo. Assustado, Peter se virou e foi capaz de perceber apenas a silhueta de Elliot, tocando o brilhante Fio Vermelho.
1: Chás feitos com tais cogumelos.
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