As pessoas foram se reunindo para a reunidão. Todas estavam preocupadas.
Ishida e Kotaro avistaram Yumi parada no centro do vilarejo, olhando para o céu com dúvida. Pensava em algo.
— Oi, Yumi! — gritou Kotaro alegremente.
Ela nem reagiu.
— Ei, Yumi!
A garota inclinou sua cabeça, olhando para os garotos.
— Ah… olá, Kotaro.
— Que menina estranha, né? — sussurrou para Ishida.
— Olá, Ishida. Tudo bem?
— Sim e você?
— Estou bem, só um pouco cansada.
— Entendo, já ficou sabendo de que se trata a reunião?
— Não, fiquei o dia todo ajudando a senhora Myoga.
— Estava colhendo plantas, né?
— Sim, para fazer poções medicinais. Ela está muito doente, sente febre e dores por todo o corpo.
— Que triste, espero que ela melhore — Kotaro respondeu, cabisbaixo.
— Sim, o estranho é que quando estava limpando seu corpo, encontrei uma marca em suas costas.
— Será que ela foi mordida por algo? — perguntou Ishida.
— Ela disse que não se lembra de nada. Sei que vai diariamente ao templo para colher plantas e frutinhas. Talvez tenha algo lá?
— É um templo abandonado, pode haver algum animal.
— Verificaremos depois da reunião?
— Sim, vamos.
— Eu também posso ir, né?
— Pode — confirmou Ishida.
Após o término da conversa, o senhor Kenshin apareceu entre as pessoas.
— Todos já estão aqui?!
— Menos a família Myoga — alertou um homem entre a multidão.
— Certo, a senhora Myoga está adoecida, então vamos deixá-los de fora. É… bom, como a maioria já sabe, um mensageiro do rei veio até o vilarejo hoje de manhã e nos informou de novas ordens. Teremos que entregar dois terços de nossa colheita.
O pessoal começou a ficar pensativo.
— Mas como sobreviveremos com apenas um terço da colheita? — questionou um homem.
— Não vamos.
As pessoas ficaram indignadas com a resposta de Kenshin.
— Está sugerindo que entreguemos quase toda a comida para então morrermos de fome? — perguntou uma mulher no meio da multidão — Você é louco?
Diversas pessoas reclamaram.
— Não entregaremos. Quando chegar a hora, darei um jeito.
— Dar um jeito? — indagou um homem enfurecido — Acredita que pode ir contra as ordens do rei? Lembre-se do que ele fez no ano passado, crucificou uma família inteira porque o pai estava portando uma espada!
— E temos outra opção?
Todos ficaram quietos.
— Mas vô, por que o rei precisa de mais arroz?
— Parece que o xogum de Oyashima está querendo dominar a parte norte do arquipélago Hinode, na qual se encontra nossa ilha, Ezo. O rei está mandando todos os seus soldados para as partes meridionais. Ele precisa de muita comida para manter tantos guerreiros.
— Mas o que fizemos? — queixou-se uma mulher — achei que existia um tratado entre o imperador e o rei de Ezo.
— Existe, mas tratados nem sempre funcionam, quase sempre são quebrados. Porém, existe um rumor de que o grande daimiô, Nobunaga Oda, está manipulando de alguma maneira o novo xogum. Ele quer, além de ter o domínio sobre todas as ilhas, exterminar os devotos de Hashem. Oda sabe que aqui em Ezo existem muitos seguidores de Seto.
— A culpa é vossa! — exclamou uma senhora — seguidores de Seto!
Do meio das pessoas surgiu um senhor com o rosto todo suado e enrugado. Estava completamente bêbado. Tinha cabelos curtos e olhos castanhos. Segurava uma garrafa de saquê em uma das mãos, enquanto na outra, uma bengala, com a qual se apoiava.
— Vamos deixar eles sem comida — sugeriu lentamente o bêbado, exibindo seus dentes podres — nós, que somos inocentes, podemos sobreviver deste modo — ele riu por alguns segundos, então caiu sobre o chão e começou a roncar.
— Isso! — concordaram diversas pessoas.
— Não escutaram o que eu disse?! — contestou Kenshin — Oda quer dominar toda nossa ilha! Nada irá mudar! Se o rei perder, todos seremos condenados.
— Entreguem a comida! — gritou um homem.
Diversas pessoas pediram para Kenshin entregar a comida.
— Quer que todos nós morramos? — questionou um seguidor de Seto — os únicos loucos aqui são vocês!
Uma grande discussão se iniciou.
— Basta! — ordenou Kenshin — ninguém irá morrer! Não deixarei que isso aconteça!
— O que você pode fazer? — berrou uma mulher.
— Quando as tropas do rei chegarem, implorarei, nem que isso custe a minha vida! Caso dê errado, nós decidiremos o destino do restante da comida.
Todos ficaram em silêncio e Kotaro perguntou:
— Mas por que esse Oda mata seguidores de Seto? O que fizemos para ele?
— Porque eles rezam somente para os deuses e budas — explicou Kenshin — não existe um ser que está acima de tudo.
— Este Oda só pode ser um demônio — sussurrou Kotaro demonstrando medo.
— Sim — afirmou Ishida.
— Alguém está contra o que propus? — perguntou Kenshin.
— Eu! — respondeu alguém na multidão.
Saiu dentre as pessoas um homem forte, de expressão séria, cujos cabelos e olhos eram castanhos. Possuía uma barba curta e também um coque, preso a um laço preto. Ele vestia um quimono azul, acompanhado de um hakama cinza.
— Defenderemos nosso vilarejo! — afirmou em tom alto e forte — eles estão em guerra mesmo, não irão ligar para alguns samurais idiotas que não voltaram.
— Esse plano é arriscado demais, Kenjiro!
— Ouvi rumores de que um youkai está vagando por esta região, já deixou cinco mortos. Podemos matar os samurais e avisar o reino que o monstro matou seu grupo enviado!
As pessoas ficaram com medo, já que Kenjiro era um homem grosso que mal aparecia no vilarejo, pois morava em uma casa afastada na floresta.
— Que tipo de youkai? — questionou um homem.
— Daqueles que comem humanos para sobreviver.
— Não mataremos ninguém! — protestou kenshin — Qual a diferença deste pensamento para o do rei? Nenhuma! Temos que ser melhores que isso! Eu já disse, conversarei com o coletor e não passaremos fome!
Todos ficaram pensativos, pois as escolhas eram arriscadas e levavam a um fim sombrio.
— Cê que sabe, quando estas pessoas morrerem, você terá que carregar a culpa pela eternidade. Não diga que não avisei… Senhor sabe tudo.
Kenjiro se retirou em direção a floresta, seguindo um caminho de terra.
— Vô, concordo com Kenjiro! Vamos matá-los!
— Cale-se Ishida! Você é apenas um garoto!
Ishida abaixou a cabeça e sentiu um profundo ódio das palavras de seu avô.
“Sempre com esse papo de criança. Já basta! Vou atrás de Kenjiro e aprenderei a arte da espada”
Ele deixou a reunião e seguiu em direção a trilha de terra. Antes de deixar o vilarejo, Yumi o seguiu.
— Aonde vai?
— Não importa — respondeu Ishida de uma maneira grosseira, sem ao menos olhar para trás.
Após andar um tempo pela floresta, Ishida encontrou Kenjiro sentado em um tronco, com as pernas cruzadas e fumando um cachimbo enquanto olhava para o céu escurecendo.
— Por que me seguiu, moleque?
— Sei que planeja algo, quero ajudar.
— Uma criança não deve participar das batalhas de um adulto. Vá para casa, idiota.
Kenjiro se levantou e começou a andar.
— Criança para lá, criança para cá. Só sabem falar disso, mas vocês são apenas adultos que não mandam nem em suas próprias vidas.
— O que você sabe da vida moleque?! Sabe qual é o sentimento de ver sangue escorrendo por uma lâmina? Não importa quais motivos você tenha, um homem comum nunca mais será o mesmo após tirar uma vida. Vá embora e aproveite enquanto ainda é um garoto inocente! Depois que crescer, verá as consequências de ser um adulto.
Ishida respondeu bem calmamente:
— Não haverá nada para aproveitar se morrermos por lâminas ou por fome.
Kenjiro parou e ficou pensativo.
— Qual é o teu sonho, garoto?
— Quero ser forte e respeitado.
— Somente isso?
— Sim.
Kenjiro voltou a caminhar.
— Fuja deste vilarejo enquanto ainda há tempo. Você não está pronto, garoto.
— Estou pronto para morrer, já não é o bastante?
— Não é tão simples assim.
Ishida começou a caminhar de volta para casa, preso em seus pensamentos.
“Não estou pronto? Não importa, aprenderei sozinho.”
“O que tem de errado em querer ser forte? Em ser respeitado? Esse não é o sonho de qualquer espadachim?”
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