Quando Ishida chegou ao vilarejo, já era noite e a reunião já fora finalizada. Ele parou no centro daquele local, o qual estava tão quieto que só se podia ouvir o som dos ventos e dos grilos.
“O que decidiram no final?”
As casas estavam mudas, porém, iluminadas por dentro.
“Algo está me incomodando…”
Ele olhou para os arredores enquanto sentia que algo ruim estava acontecendo.
“Vou até à casa de Kotaro, ver como terminou a reunião.”
O céu todo coberto pelas nuvens e brilhando com a luz da lua intensificava a sensação ruim no garoto.
"Por que está tudo tão quieto?"
Ele caminhou até a casa do amigo.
Ishida bateu três vezes na porta porta. Após alguns segundos, ela se abriu. Era Kotaro, que ao ver o amigo, demonstrou surpresa.
— Onde você estava? Você saiu da reunião do nada.
— Fui atrás de Kenjiro, mas isso não importa, estou com um mau pressentimento. Aconteceu alguma coisa na reunião?
— Não, no final todos decidiram apoiar o teu avô e a reunião foi finalizada.
— Entendo.
Ishida teve a lembrança de que deveria ir com Yumi ao templo.
— Kotaro, sabe onde Yumi está?
— Ela havia ido atrás de você, mas não voltou.
— Que estranho, era para a gente ir junto ao templo, lembra?
— Sim, quer procurar por ela?
— Seu pai deixará? Já é tarde.
— Calma aí, vou perguntar pra ele.
Kotaro fechou a porta e Ishida ficou ao lado de fora, pensando enquanto os ventos assobiavam. Ele pôde escutar duas vozes discutindo na casa. Provavelmente Kotaro estava brigando com seu pai para ir.
“Yumi sumiu e ainda estou com este pressentimento.”
A porta se abriu.
— Então… — disse Kotaro um pouco desanimado — meu pai não me deixou ir, devido ao que Kenjiro disse, sobre um youkai.
— Youkai…
Ishida se lembrou de Yumi dizendo que a senhora Myoga estava com uma mordida nas costas e que frequentava o templo abandonado diariamente.
— Droga! Preciso ir, Kotaro! Você tem alguma lamparina?
— Sim, tenho. Vou pegá-la!
— Obrigado!
Kotaro voltou e entregou a lamparina. Então, Ishida saiu correndo com o cabelo balançando devido ao fortíssimo vento.
— Encontre meu avô e diga que o youkai já pode estar em nossa vila, rápido!
— Ele estava te procurando!
— Vá logo, Kotaro!
Ishida correu em direção a casa de Yumi. Quando chegou, observou que não havia luz em seu interior, mas mesmo assim bateu em sua porta.
— Yumi! Você está aí?
Nenhuma resposta.
“Por favor, Yumi, abra essa porta.”
Ishida esperou alguns segundos, mas nada aconteceu.
— Estou entrando!
Ele abriu a porta e adentrou a casa, mas Yumi não estava lá. Não havia sinal algum de que ela passara por ali recentemente.
“Você foi ao templo sozinha?”
Ishida direcionou a lamparina para sua direita e observou um baú misterioso, ao lado da esteira de palha.
— Estranho, nunca o vi por aqui.
“Estou entrando sem permissão e nem sei o que tem ali dentro. Devo conferir?”
— Bom, agora não é hora pra isso.
Ele se aproximou do objeto, deixando sua lamparina no chão.
Ao abrir as duas trancas e observar o interior da caixa, percebeu a lâmina de uma velha machadinha, envolvida em um pano marrom.
“Por que ela guardaria isso?”
Ishida soltou a lamparina e retirou a arma do baú, colocando-a sobre o chão. Após remover o pano, viu que o machado possuía uma gravura de dragão em seu cabo.
“O que você está escondendo?”
Ele passou o dedo na lateral do fio da lâmina polida. Se Yumi era dona do machado, então estava cuidando muito bem da arma. O jovem então pegou sua lamparina, se levantou e decidiu levar a arma consigo.
— Espero que você esteja bem, Yumi.
Ishida seguiu em direção a trilha de pedras que levava até a escadaria do templo abandonado. Enquanto corria, sentiu um cheiro estranho.
“Esse cheiro é de sangue?
Olhou para a direita.
“Ali fica a casa dos Myogas!”
Ele correu na direção para qual o cheiro levava. Depois de alguns minutos, finalmente pôde ver as paredes de bambu-preto que cercavam a residência dos Myogas, contendo um grande portão de madeira e duas lanternas de pedra cobertas de musgo em sua entrada.
“O portão está aberto”
Dentro, havia uma casa relativamente grande de um tom acastanhado. Sua estrutura era bem elaborada,feita de madeira. O mesmo valia para o telhado, o qual possuía luminárias em cada uma de suas pontas. Em sua direita havia um balanço preso a um dos galhos de uma grande árvore. No lado contrário, havia uma coruja esculpida sobre um poço.
“Faz tempo que não entro aqui.”
Todo o perímetro da casa era cheio de árvores e pedras. A residência era muito bonita, com diversas luzes e plantas ornamentais.
“As luzes estão acesas”. Normalmente seria um bom sinal, mas o silêncio mortal o deixava inquieto.
Quanto mais Ishida se aproximava, mais forte o cheiro ficava.
“O que está acontecendo?”
Ele se aproximou e logo detectou um corpo jogado em frente à porta da casa.
“Merda, é o Senji Myoga!”
Senji era marido da única filha da senhora Myoga.
“Ele acabou de ser pai, que crueldade.”
Ishida estava suando de preocupação, nunca vira uma cena igual. Ele estava em choque, seu corpo não se mexia.
“Vamos, Ishida, reaja, vamos! Reaja!”
Após alguns segundos, seu controle sobre os músculos retornou, então prosseguiu até o corpo que exalava um cheiro forte.
“Quem o matou não tinha piedade alguma.”
O corpo apresentava um grande buraco no peito, através do qual jorrou uma abundante quantidade de sangue.
“Preciso ter cuidado.”
Ishida adentrou o local. Suas mãos tremiam. A respiração ofegante e seus passos sobre o chão de madeira eram os únicos sons que ecoavam pela casa. Seus sentidos e reflexos, normalmente muito aguçados, agora estavam confusos. O choque por testemunhar a barbárie o afetou.
“Não há nenhum calçado na entrada.”
Seguindo, ele se deparou com um corredor horizontal, o qual possuía oito portas feitas de cedro e papel de arroz. Havia duas luminárias apagadas, uma em cada lado, tornando tudo muito sombrio.
“Estou sentindo a presença de alguém.”
Ele caminhou de forma extremamente silenciosa para a esquerda.
“Minha luz está ficando fraca.”
A chama de sua lamparina se apagou.
“Merda, não consigo ver nada.”
Ishida estava preso na escuridão, ouvindo apenas seus próprios passos lentos. Sua mão não parava de tremer e o medo apertava seu peito, dificultando sua respiração.
— Senhora Myoga? — sussurrou no corredor.
Não obteve nenhuma resposta.
“Me ajude senhor, me dê forças para continuar.”
Ele estava paralisado, seu corpo havia novamente sucumbido ao medo.
“Se mexa! Vamos!”
Repentinamente, ouviu um barulho em um dos quartos.
“Alguém está logo à frente, será o assassino?”
Ishida deu um passo e pisou em cima de algum tipo de líquido.
“Posso sentir o cheiro de ferro, estou pisando em sangue! Devo continuar?”
Deu mais um passo e então discerniu uma voz sussurrando no fim do corredor:
— Me ajude…
“Parece a voz da senhora Myoga!”
Ele caminhou lentamente até a voz, pois sabia que poderia ser uma armadilha.
— Senhora Myoga, é você? — sussurrou novamente.
De repente, uma pequena luz se acendeu no último quarto à direita, onde o rastro de sangue terminava.
— Quem está aí? — disse Ishida, com a voz quase falhando devido ao medo.
A mesma voz se manifestou novamente:
— Estou aqui.
“Senhora Myoga?”
Ishida correu até o quarto e pôde ver a senhora Myoga com uma de suas pernas arrancadas brutalmente. Ela estava ensanguentada, deitada com o peito sobre o tatame, enquanto segurava em uma das mãos um fósforo que acabara de acender, se valendo do resto de consciência que ainda possuía.
— Meu Deus! — exclamou com uma expressão de susto.
Ele soltou sua lamparina e se aproximou da senhora.
— O que aconteceu?!
Ela quase não conseguia se manter acordada devido ao ferimento.
— Salve minha neta — respondeu devagar, quase desmaiando.
— Mas onde ela está?
A senhora apontou para um ídolo do buda Amida que estava à sua direita.
— O templo?
A pequena luz se apagou e a senhora Myoga deu seu suspiro final.
— To… ki.
Seu corpo começou a perder o calor e seus olhos ficaram totalmente paralisados. A senhora Myoga havia morrido.
— Senhora Myoga! Senhora Myoga! — dizia Ishida, desesperado.
Empurrou diversas vezes o corpo da falecida na esperança de que ela respondesse.
— Vamos senhora Myoga, você é forte! Você tem uma netinha pequena e ela precisa de você!
“Droga, droga, droga.”
Ele parou ao perceber que não havia mais salvação. Era a primeira vez que vira uma pessoa morrer diante de seus olhos.
— Salvarei tua família, senhora Myoga!
O rosto de Ishida exibia uma expressão de ódio em meio à escuridão, enquanto suas mãos seguravam fortemente seu machado. A fúria sobrepujou o medo.
“Quem a matou, pagará!”
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