Desde que fomos jogadas neste lugar o odor de problema era intenso, afinal, estávamos cercadas por uma infestação de humanos. Por alguns momentos acredito que passamos despercebidas, afinal, apesar de sermos superiores a essas baratas, nossas aparências e vestes são similares. O que me incomodava era a quantidade de humanos aqui, apesar de estarmos em um estranho reino humano com colossais construções e carroças de aço, eu jamais imaginaria encontrar tantos deles em um só lugar.
Caminhávamos pelas estradas de rocha sólida e por vezes ouvíamos o grito de suas carroças brilhantes e coloridas, os brados de ódio destas criaturas sórdidas me fazia questionar se já haviam nos descoberto. Não, é provável que não ou já teríamos entrado em um intenso combate.
Meu irmão e as outras caminhavam ao meu lado, como líder do grupo eu guiava para onde iríamos apesar de estar tão perdida quanto elas — mas não posso demonstrar isso, é claro.
— A gente deveria estourar esses montes de carne inúteis.
— Liz! Fale mais baixo ou vão escutar — a repreendi.
— Quê? Não ligo se escutarem ou não, estou entediada, e estar no meio dessas pestes não ajuda muito.
— Estamos em menor número, Liz, seria estupidez — posso sempre contar com a sensatez de Ami.
— …
Os humanos estavam se agrupando como ratos em uma grande praça, eles pulavam e faziam uma alarmante algazarra. Suas roupas indicavam que poderia ser algum tipo de festividade ou culto, mas não era capaz de afirmar ainda.
— Onde diabos é este lugar? — Mario questionou — Não me lembro de ter visto algum reino assim durante as práticas de voo.
— Você quer dizer durante as práticas que você teve que ser salvo de uma queda mortal ou das que você esfregou a cara no chão?
— Eeeh?
Apenas eu não ri dessa provocação infantil.
— Eu já voei algumas vezes!
— Cair não é considerado voar, Maria — Alice se juntou às provocações.
— Pessoal, por favor, foco — disse — talvez esses humanos usem alguma de suas máquinas doidas para se ocultar. É impossível que construções dessa magnitude nunca tenham sido avistadas.
— E se as superiores souberem, mas mantiveram segredo? Não seria a primeira vez.
— É, mas isso não explica como chegamos até aqui… — Mário adicionou a conversa.
Sons de explosão ecoaram no céu noturno, clarões coloridos nos colocaram alertas e nos posicionamos prontas para entrar em combate, porém as explosões eram distantes, diferentes e passamos de assustadas a curiosas. Nós cinco olhamos para o céu, estouros e mais estouros surgiam do nada após um longo assobio, por um momento consideramos que fossem outras bruxas vindo a nosso resgate, mas se fosse alguma magia reconheceríamos. Essas explosões definitivamente eram obra dos humanos, Essas… Era…
— É lindo!.. — Ami exclamou.
— Sem dúvidas… — Mário adicionou.
— Como enormes flores de fogo — Alice expressou hipnotizada.
Era lindo e inofensivo no fim das contas, explosões de partículas coloridas que tremulavam no céu criando um clarão tão mágico quanto as magias usadas em nossas festividades. Tentarem copiar isso assim deveria ser ofensivo, mas eu não conseguia me irritar com isso pelo menos.
As luzes pararam e as garotas voltaram a me olhar esperando uma direção a seguir, mas a verdade era óbvia, não tínhamos para onde ir.
— Acho que… Precisamos achar algo para comer e beber, nossas últimas refeições foram pela manhã — olhei para Liz — pode cuidar disso?
— Porque eu?!
A encarei e logo se rendeu, batendo os pés saiu em busca de algo para comermos. A verdade era que só poderia dar a ela algo simples para fazer, apesar de estar na equipe, só poderia confiar nas suas habilidades em batalha.
— Ami, tente identificar nossa localização atual, certo?
— Sim, senhora!
— Maria, Alice, tratem de encontrar um lugar para passarmos a noite, não estamos seguras em meio a essas pestes.
Ambas saíram para procurar.
Não tardou para que Liz retornasse com um amontoado de comidas estranhas, a alimentação dos humanos era realmente curiosa. Maria e Alice retornaram pouco depois. Antes de repassarmos as informações que obtiveram nos afastamos da multidão ainda festejando para podermos comer.
Uma carne incomum envolta em um pão macio, alface e alguns molhos, o sabor derretia na boca e a bebida escura formigava em minha língua, sensações completamente novas e definitivamente apaziguaram minha alma no momento. Cada mordida foi especial, bem, enquanto durou.
— Ela, senhor! Me pôs de refém e roubou os lanches dos clientes!
Assustada olhei para a direção da voz, um homem alto e parrudo, sua barriga avantajada balançava sob o avental negro manchado. A barba em seu queixo tentava tirar a atenção da sua cabeça completamente lisa. Apontava para Liz e bradava para os homens uniformizados ao seu lado, um deles estava de braços cruzados e o outro apoiava a mão numa pequena — aljava? — em seu cinto.
Rapidamente nos levantamos e olhei áspera para Liz, essa cabeça de vento sempre era tomada por sua própria ignorância e nos metia em problemas, não conseguia passar uma missão sequer sem fazer bobagens.
— Liz…
— Uma garota te fez de refém? — O homem de uniforme parecia zombar.
— Elas não são normais, chefe, acredite em mim!
— Certo… Garotas, mãos onde eu possa ver — Ordenou.
— Quem você acha que é para falar assim conosco?! — Liz bradou.
— Quieta! Mãos na cabeça, agora!
— Liz, se acalme! Deixe de ser idiota e pare de tentar piorar as coisas, você já fez demais!
Liz outra vez tomada por sua raiva, puxou seu martelo da cintura, ele cresceu em suas mãos até tomar metade de seu tamanho. Os homens se assustaram e recuaram por um momento, em seguida os uniformizados puxaram pedaços de aço e apontaram para nós, instintivamente supus que fossem armas e sinalizei para as outras garotas se prepararem.
— Puta que pariu, Liz… — Alice exclamou preparando seu arco.
— Talvez seja inteligente fugirmos, irmã, podemos entrar numa luta sem fim com tantos humanos por perto.
— Se preparem para se defenderem — falei brevemente — Liz, recuar, agora!
No entanto ela não me dava ouvidos, a puxei pelos cabelos quebrando seu foco e a joguei para trás puxando pelo braço. Um estouro soou e pude ver fumaça escapar do pequeno orifício naquela arma, seja lá o que for que saiu da arma, foi capaz de danificar aquele solo feito de rocha sólida, sendo assim poderia facilmente penetrar o corpo de qualquer uma de nós!
— Recuar, anda! Vamos! — Comecei a forçar Liz a correr — Ami, distração!
O cajado de Ami se iluminou e ela desenhou um rastro de chamas azuis nos separando dos uniformizados, mais estouros soaram enquanto corríamos dali.
O nosso confronto não tardou escalar, poucos minutos depois carroças de metal e cavalos de metal nos perseguiam pelas ruas, estouros e mais estouros soavam as nossas costas enquanto os homens bradavam em vozes ensurdecedoras para que nos rendessemos. Podiamos nos manter distantes deles graças a nossa magia e habilidades atravessando os prédios para atrasá-los, mas nossa energia logo mais se extinguiria e seríamos certamente mortas por esses ratos. Rabisquei um boi torneronte no meu livro e rasguei a página jogando-a no chão, ela imediatamente começou a emitir uma luz azul e jorrou tinta negra no ar, a tinta começou a tomar uma forma volumosa e um corpo quadrúpede se fez visível, um majestoso boi torneronte surgia, enorme e robusto, feito de tinta que escorria pelo seu corpo, seus grossos e poderosos chifres posicionaram-se e ele avançou contra uma das carroças de metal, o impacto foi poderoso e o veículo se levantou, tombando para a esquerda deslizou espalhando faíscas. O imponente torneronte explodiu em uma poça de tinta, uma magia poderosa, mas durava apenas alguns segundos.
As outras carroças de metal não se deixaram interromper pela que foi destruída, desviaram com facilidade e continuaram a perseguição, enquanto avançávamos não pude deixar de notar que as garotas começavam a respirar pesadamente, o cansaço já as dominava. Ami soltou uma bola de fogo azul de seu cajado acertando um dos cavalos de metal, o uniformizado saltou e o veículo balançou e balançou até capotar entre faíscas.
Apesar de nossos esforços, novos veículos começaram a aparecer. Como Mário previu, nos envolvemos em um combate sem fim e seríamos facilmente derrotadas pelo cansaço, não dava para continuar assim, precisamos escapar, mas não importa o que façamos eles continuam e continuam.
— Lira! — Mario gritou por mim — leve as outras com você! Eu posso segurá-los por tempo suficiente para que escapem!
— Não posso te deixar para trás, irmã! Não vou te deixar!
— Por acaso tem um plano melhor?! Vá imediatamente, idiota! Você é a líder, mas sou sua irmã mais velha e você tem que me obedecer! Fujam e eu resolvo isso!
— Irmã!
— Vai logo!
Mario saltou em direção a eles e seus punhos brilharam como uma estrela poderosa, seus punhos atingiram o chão com o impacto de dezenas de tornerontes e estremeceu tudo ao redor, rapidamente todo o solo estava destruído, placas de pedra se levantaram parando as carroças e derrubando os cavalos de metal. Mario não parou por aí e começou a jogar as pedras contra os veículos que estavam mais distantes os forçando a desviar e trombar uns com os outros. Foi tudo o que pude ver antes de escaparmos sob o brilho suave da mãe lua.
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