Mas, infelizmente, já estava mais tarde do que Elliot planejava ficar na Floresta. O céu estava começando a tomar um tom roxo clarinho e, logo, logo, sues colegas começariam a acordar. E ele deveria estar lá antes que isso acontecesse. Com um sorriso triste, deu o último abraço forte em Lino para se despedir.
— Prometo voltar aqui de tarde! — disse para o pequeno. E, virando-se para o vampiro, perguntou: — Posso trazer um amigo comigo?
O sorriso de Gael imediatamente se desfez, dando lugar a uma expressão séria, quase ameaçadora. E isso foi o suficiente para que Elliot entendesse que a resposta era não.
— Ok. Vou ter que achar um jeito de dar um perdido no Peter — ele suspirou meio contrariado e se levantou, arrumando a postura e limpando a terra da roupa — Isso não é um adeus, é um até logo!
Gael apenas deu um leve aceno de cabeça como forma de despedida. Elliot então sorriu, se virando para voltar ao acampamento antes que fosse tarde demais.
Quando entrou na barraca, acabou por acidentalmente acordar Peter.
— Moleque, onde você tava? — a voz sonolenta perguntou de forma arrastada.
— Não tava conseguindo dormir, então só saí pra tomar um ar.
— Hum, ok — e voltou a dormir como se não tivesse acordado em momento algum. Elliot riu baixinho da sonolência do amigo, agradecendo internamente por esse fator não o ter permitido desconfiar de sua fala.
Olhando o relógio do dispositivo ainda dentro da mochila aberta, chegou à conclusão de que ainda tinha poucas, mas algumas horas de sono pela frente antes de o professor começar a acordar a turma. Aliviado por ter um tempinho para dormir, deitou-se ao lado de Peter e puxou o cobertor, adormecendo num instante. Sua mente estava ativa, mas seu corpo estava exausto.
Elliot se viu na Floresta, cercado por aquela beleza extraordinária: estava na área do Fio Vermelho. Ele brincava com Lino, ambos rindo e correndo pela grama brilhante enquanto Gael observava escorado em uma árvore ali perto. Sua expressão não era muito boa… Ele parecia incomodado. E isso deixou Elliot incomodado também. Quando parou para encará-lo, viu todo o cenário de dissolver em fumaça, sendo substituído por um quarto branco. Olhando em volta, o garoto sentiu um aperto no peito: conhecia aquele lugar muito bem. Uma lágrima escorreu de seu rosto ao observar a mãe deitada na cama do hospital, inconsciente. Mas quando escutou o barulho já conhecido dos aparelhos se intensificar, seu choro aumentou, tornando-se agora de desespero. Viu enfermeiros entrarem correndo no quarto, atravessando seu corpo como se fosse um fantasma em direção à maca. Eles tocavam sua mãe, pegavam aparelhos, faziam coisas estranhas para tentar fazer o barulho estridente que indicava seus batimentos cardíacos voltar à normalidade. Quando finalmente pararam, Elliot foi capaz de enxergá-la novamente. Chegando mais perto, seu coração se apertou como nunca antes e ele já não se importava mais em tentar controlar o choro incessante. O som da máquina agora era contínuo, não haviam mais batimentos.
Foi preciso chamar Elliot três vezes para que ele acordasse. Cansado como estava de madrugada, Peter nem se lembrava de ter acordado com o amigo entrando na barraca, então não desconfiava de nada e, por sorte, estava acostumado com o fato de que Elliot sempre era um dos últimos a levantar pela manhã. E ele não permitiu que Peter percebesse o quão abalado estava com o sonho que teve. Virou-se para o lado para disfarçar a lágrima quente que escorreu por sua bochecha antes de colocar o típico sorriso no rosto e se levantar.
Depois de lancharem, as primeiras coisas que Elliot fez foram roubar um abraço de Peter e logo correr ao encontro de Samantha:
— Lembra daquela vez em que você me viu chorando na sala e a gente fez um joguinho em que eu te pedia um favor e você cumpria sem fazer sequer uma pergunta? — a garota fez que sim com a cabeça, devagar — Então. Vamos fazer esse jogo de novo. Preciso que você faça dupla com o Peter hoje e o distraia pra mim, pode ser?
Ela abriu a boca para perguntar o motivo daquilo, mas imediatamente a fechou. Então, apenas assentiu novamente, coçando a nuca em confusão e curiosidade. Mais atrás, Peter observava a cena, sem entender o que acontecia.
— Prometo dar um jeito de te recompensar depois. Obrigado, amiga, você é incrível! — e então ele saiu em direção à Floresta.
Com a câmera no pescoço e o dispositivo redondo no bolso de trás da calça, caminhou a passos largos até o Fio Vermelho, parando para recuperar o fôlego quando o encontrou novamente. Dessa vez foi mais rápido: ele apenas suspirou, sacudiu as mãos para liberar a ansiedade de seu corpo e passou por debaixo. Em um piscar de olhos toda a beleza daquele lugar invadiu sua visão, o fazendo abrir o mesmo sorriso maravilhado das últimas vezes. Mas esse sorriso se desfez com o susto de ter sua mão segurada e puxada com força, o obrigando a correr atrás de quem quer que solicitasse sua presença com tanta pressa. Apenas após algum tempo foi que Elliot conseguiu que sua visão acompanhasse sua velocidade e, então, reconheceu o borrão azul como o Lino.
— Garoto, que susto! Pra onde tá me levando? — perguntou com a voz trêmula por estar correndo.
O pequeno riu e parou de correr um pouco para poder encarar o maior.
— Estamos indo pra minha casa! — Elliot não pôde deixar de se interessar.
Quando Lino foi voltar a correr, Elliot puxou sua mão para pará-lo.
— Espera um pouquinho, pitico, você é rápido demais! — disse em meio à respiração ofegante. Foram precisos alguns longos segundos para que ele se recompusesse e os dois voltassem a correr.
— Por que mesmo a gente tá correndo e não andando até sua casa? — Elliot perguntou novamente, sem parar de seguir Lino.
— Porque eu tô animado demais e tem alguém esperando a gente! — o lusante¹ respondeu sorrindo.
— Ah, é? E quem tá esperando a gente por acaso é o Gael? — Elliot estava cansado, mas curioso.
— Não! — ele respondeu animado, mas logo se corrigiu — Bem… Sim, mas não é dele que eu tô falando.
— Então… Tem mais alguém além dele? — ele soava animado, curioso para conhecer mais alguém da Floresta.
— Sim! — era perceptível o encanto na voz de Lino.
Após mais alguns minutos correndo e parando para recuperar o fôlego, os dois pararam em frente a um grande cogumelo de pé branco e chapéu azul com tracinhos cinza (grande para um cogumelo normal, não para uma casa: tinha a altura Elliot e a largura de um guarda-roupas grande.
— Chegamos! — Lino informou dando pulinhos animados.
— Chegamos?
— Sim, chegamos!
— É aqui que você mora? — Elliot não poderia estar mais confuso. Era pequeno demais.
— Sim!
O garoto então apenas aceitou a informação sem questionar mais.
— Pode entrar! — o lusante convidou, abrindo a porta que era do seu tamanho.
— Eu… Será que eu caibo aí?
— Se o Gael cabe, você também — o pequeno ria da confusão do humano.
— Você acabou de me chamar de pequeno? — questionou num tom irritadiço, mas sem realmente estar ofendido.
— Não, acabei de chamar o Gael de enorme — ele abriu um sorriso ladino.
— Justo. Vou entrar então.
Elliot precisou se agachar para entrar no cogumelo, imaginando que seria apenas um quartinho por causa do tamanho. Surpreendeu-se ao olhar em volta, parando ainda agachado para apreciar a casa realmente grande em que acabara de entrar: o cogumelo era muito maior por dentro do que aparentava ser por fora, assim como a própria área do Fio Vermelho.
— Elliot? Preciso que você dê licença da porta pra eu entrar…
— Desculpa, eu… Uau… — Lino não precisou olhar o rosto de Elliot para perceber sua expressão assustada quando o humano terminou de entrar na casa.
— O que foi? Não imaginava que seria assim? Tá bagunçada demais? — o tom era brincalhão, mas a preocupação era real.
— Não! Tá ótimo, é só que… É meio grande aqui dentro — ele estava um pouco confuso.
— Ah, sim! É, bem maior por dentro, não é? — o garoto assentiu freneticamente.
Assim que Lino entrou na casa, rindo, Gael apareceu na sala onde estavam, saindo do cômodo ao lado. Atrás dele, andando da mesma forma que um pinguim, uma criatura com mais ou menos metade do tamanho de Lino, sua pelagem preta e asas grandes de morcego com pequenas mãozinhas nas extremidades. Ele parecia um grande pássaro por causa do formato dos pés e da ausência de orelhas, embora não tivesse um bico. Mas o que mais chamou a atenção de Elliot foram seus olhos, extremamente e maravilhosamente coloridos. Milhares de cores, conhecidas e desconhecidas pelos humanos, brilhavam de forma harmoniosa nas íris do pequeno animal. Quando estas pousaram no novato, as manchas coloridas se movimentaram rapidamente, como se corressem assustadas, e foram substituídas por uma tonalidade forte de vermelho na parte superior e uma amarronzada na inferior. As duas cores se misturavam em forma de bolhas, como água e óleo colocados no mesmo recipiente.
— Esse é o Rey — Lino informou, apontando para a criatura — Ele é um stonit — o pequeno alternava o olhar entre Lino e Elliot, confuso e desconfiado. — Rey, esse é o Elliot. Como você pode ver, ele é um humano.
— Você trouxe um humano pra casa, Lino? Tá de brincadeira comigo? — sua voz soava irritadiça em seu tom naturalmente rouco e um pouco agudo enquanto o vermelho de seus olhos se intensificava.
— Ele é amigo! — o azulado defendeu.
— Ah, claro. Amigo. — ele estava claramente contrariado. Elliot começou a se sentir desconfortável por estar ali e ser motivo daquela discussão.
— Não se preocupe, Rey. Eu o conheço — dessa vez foi a voz de Gael que ecoou na sala de estar.
— Conhece, né… — o stonit ergueu as sobrancelhas e revirou os olhos que, lentamente, tomaram um tom azul escuro. Lino riu, acostumado com o sarcasmo e a desconfiança do amigo.
— Seja bem vindo, Elliot, essa é a minha casa!
— Combina com você, gostei — o garoto disse com um sorriso fraco. Não entendia o motivo de tamanho desdém vindo do outro.
Quando se sentaram na mesa, convidados pelo anfitrião que logo desapareceu em direção, provavelmente, à cozinha, Gael e Rey lançaram o mesmo olhar sério sobre Elliot, que se assustou imediatamente. Aproveitando que Lino não estava ali, resolveram ter uma conversa séria com o convidado de honra do local (como se as enormes orelhas do lusante não o permitissem escutar tudo o que conversavam de qualquer outro cômodo da casa).
— Quero que saiba que nem por cima do meu cadáver, e eu digo isso sendo um vampiro, você estaria nessa casa se o Lino não tivesse me insistido tanto com aqueles olhinhos fofos — a voz de Gael soava ameaçadora.
— Olha só quem tá falando. Você não costuma mentir pra mim, Gael — Rey disse ríspido, sem encarar o maior.
— E quando foi que o fiz?
— Você não o conhece — nesse momento os dois já se olhavam nos olhos.
— Sei que ele não é uma pessoa má e isso é o que importa — eles conversavam como se Elliot já não estivesse mais ali, como se tivessem esquecido da sua presença.
— Ah, me poupe. Nem mesmo ele sabe se é uma pessoa má — Elliot se assustou com essa fala. Como Rey poderia saber disso?
— Não acredito que estou levando bronca de uma criança de quinze anos metida a Sabe-Tudo — Gael parou de encará-lo, passando a observar as paredes porosas da casa em vez disso.
— Você sabe muito bem que tá colocando todo mundo aqui em risco, Gael — os olhos de Rey estavam voltando a se colorirem vermelhos. Tão vermelhos quanto os do vampiro.
Quando Gael se virou para dizer mais alguma coisa, Lino finalmente voltou ao cômodo com uma bandeja em mãos, dissipando o clima quase palpável enquanto fingia não ter escutado uma única palavra da discussão.
— Trouxe lanchinhos! — anunciou com sua voz infantil e olhos que Elliot reparou serem realmente fofos.
Do outro lado da mesa que estava sendo posta pelo anfitrião, Rey encarava o humano como se lesse todo o seu passado. Elliot sabia que eles teriam uma conversa séria depois daquele lanche.
1: Lusant é o nome da espécie do Lino.
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