— Certo, temos bolinhos de eicina¹, cookies de crotus² e chá de polla³. Podem se servir! — Elliot se controlou para não fazer uma careta com as opções do cardápio, achando um tanto estranho: confessava não ser muito fã da culinária tradicional e não esperava encontrar aquelas comidas ali, no meio da Floresta.
Rey foi o primeiro a se servir, logo seguido por Gael, ambos sem soltar um único som. Elliot foi o próximo, dando uma chance para os doces feitos pelo novo amigo e pegando um de cada coisa, sem nem passar na sua cabeça a possibilidade de ser envenenado com os alimentos oferecidos por alguém que acabou de conhecer.
Quando provou a primeira sobremesa, depois de observar Lino se servir, sua expressão se tornou um pouco engraçada: estava surpreso, não esperava que fosse tão bom. Lino realmente era um bom cozinheiro. O bolinho de flor estava no ponto certo, não tão doce a ponto de ficar enjoativo nem pouco a ponto de ser sem graça. Já nos cookies, o sabor característico dos cogumelos não estava forte demais, mas sim delicioso. Assim como o chá, onde o adocicado e a ardência na língua causados pela erva estavam perfeitamente harmoniosos. Elliot quis agradecer pela comida e elogiar quem a fez, mas não conseguia parar de saboreá-la.
— Gostou, Elliot? — Lino perguntou, rindo de sua expressão antes de ele mesmo provar a comida. Elliot fez que sim com a cabeça freneticamente, fazendo-o rir mais ainda — Que bom! Fiz com muito carinho.
— Lino, você é um cozinheiro incrível, espero que você saiba disso — o mais humano declarou depois de engolir o resto do cookie.
— Obrigado! Esses dois aqui me dizem isso frequentemente — ele apontou para os outros dois convidados e sorriu de forma fofa, fazendo seus olhinhos se tornarem dois tracinhos. Elliot sorriu também, o achando adorável.
Alguns minutos de silêncio depois, quando terminaram de comer, Rey se levantou ainda sem dizer uma única palavra e, com o olhar, chamou Elliot para fora da casa. O garoto alternou o olhar entre os três presentes, claramente confuso. Gael e Lino deram de ombros ao mesmo tempo, o pequeno preocupado e o maior desinteressado. O humano então suspirou, derrotado, e foi, seguindo de longe a pequena criatura que andava batendo os pés de forma ríspida.
Elliot foi até a parte de trás da casa (se é que aquela se podia dizer ser uma parte de trás) e se assustou quando encontrou um garoto de pele negra e grandes asas parecidas com as de um morcego sentado no chão.
— Rey…? É você?
— Sim, Elliot, sou eu — ele respondeu sério — Senta aqui, precisamos conversar.
O humano se sentou ao lado de Rey, hesitante e preocupado. Tinha medo de sua seriedade.
— Eu sei o que você sente, Elliot — os olhos do garoto apresentavam um misto de roxo e marrom.
— Eu… Não tô entendendo.
— Você tá com medo.
— É claro que eu tô com medo, Rey, você demonstrou me odiar mortalmente desde a primeira vez em que me viu e agora me chama aqui pra fora!
O menor soltou uma risada fraca.
— Não é disso que eu tô falando.
— Então do que é que você tá falando?
— Sua mãe.
Um silêncio ensurdecedor rodeou os dois.
— Como… Como você sabe sobre a minha mãe? — Elliot estava assustado.
As cores dos olhos de Rey se mexeram um pouco, mas não mudaram.
— Isso não vem ao caso agora.
— O que você sabe sobre ela?
— Sei que ela não está bem, Elliot. Sei que está no hospital — ele fez uma pequena pausa — Sei que você tem medo de perdê-la.
Uma fina lágrima escorreu pela bochecha de Elliot, que ficou em completo silêncio.
— Também sei que tem medo de se abrir com seus amigos, por isso nenhum deles sabe sobre ela — o humano o encarou, tentando conter o choro — E sei de mais uma coisa. Sei que isso não te faz nem um pouco bem.
Agora Elliot não conseguia mais controlar as lágrimas que rolavam de seus olhos, se permitindo chorar baixinho.
— Sei que pensa o contrário, mas fingir que está bem não te fará ficar bem. Esconder a tristeza com falsos pensamentos positivos só vai te encher de sensações ruins e se você não colocar isso pra fora, em algum momento você vai explodir, Elliot. E quando isso acontecer, você não será o único machucado.
— Por que… Por que você tá me falando essas coisas? Você acabou de me conhecer — ele dizia entre soluços — E não venha me dizer que quer me ajudar, você me odeia.
— Eu não te odeio, só não tenho nada ao seu favor. Mas Lino tem. Ele gosta muito de você e eu o amo. E é justamente por amá-lo que quero que você se entenda e procure ficar bem de verdade. Não quero que mais ninguém machuque o meu menino, mesmo que sem intenção — Rey parecia indiferente, ainda sem olhá-lo nos olhos, mas pela sua voz era possível perceber a sinceridade.
Elliot virou a cabeça para o lado oposto, passando a encarar o brilho da grama ao seu redor. Não queria conversar sobre aquilo, não queria que ninguém soubesse sobre o que estava passando. E não queria que soubessem que era tão fraco.
— Chorar não te faz fraco — a voz de Rey soou repentinamente, cortando o silêncio e assustando o garoto, acordando-o de seu devaneio — Na verdade você é muito forte, sabia?
O humano voltou a encará-lo, magoado, mas curioso.
— Você perdeu uma mãe e precisa cuidar da outra em estado grave no hospital e ainda não desmoronou… Não gosto de você, mas você é uma das pessoas mais fortes que já conheci.
Elliot não sabia se agradecia ou se sentia ofendido. Rey claramente não tinha medo de tocar em feridas abertas.
— Enfim. Eu só quero que você saiba que, se eles forem seus amigos de verdade, não vão te abandonar nem nos seus piores momentos — ele disse, se levantando e parou, olhando para o garoto pela primeira vez — E que você não está nem ficará sozinho, ao contrário do que pensa — e voltou em direção à casa.
Elliot ficou lá, sentado, tentando digerir tudo o que o pequeno lhe tinha dito e falhando em controlar o choro. Ao ouvir o barulho da porta se fechando, soltou tudo o que guardava dentro de si há meses, chorando alto sem nem se lembrar da possibilidade de alguém escutá-lo.
- 1: Eicina é uma flor roxa comestível com sabor adocicado.
- 2: Crotus é um cogumelo alaranjado muito usado para fazer doces da culinária tradicional Emica.
- 3: Polla é uma erva com sabor um pouco ardido e doce, muito usado como tempero para sobremesas tradicionais e para fazer chás energizantes.
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