— O que aconteceu, Gabriel? Sei que você não é assim. — Questionava o pai com um olhar amedrontador pelo retrovisor ao seu filho, que respondia seguidamente sem enrolar.

— Falei demais e acabei dizendo besteiras para Raissa.

Confirmava a intuição em pensamento para si mesmo.

— Seja direto. Que besteiras foram essas que você falou?

— E-eu… disse que… ela era adotada.

— Ah, para Gabriel! — Levantava a voz aborrecido enquanto batia a mão no volante, antes de parar no semáforo que fechou no momento que ele começaria a repressão padrão que seu filho não ouvira a tempos. — Eu já te disse várias vezes para ter cuidado com o que você fala sem pensar, principalmente quando está na casa de visita. A educação que eu te dei ficou onde, jogou no lixo por acaso?! — O grito mostrava uma face nova daquele que a pouco tempo estava calmo entre amigos.

— Amor, calma! Assim você só vai piorar mais essa situação, gritar não resolve nada. — Em uma tentativa de apaziguar, Soraya confrontava a maneira agressiva que o marido agia com filho deles. Entretanto, virava seu olhar para janela do carro, enquanto completa — Não vou apenas julgá-lo também. Antes de conhecer a Sabrina, nós também não éramos acostumados dela ser…

— Chega, Soraya! Por favor! Não há justificativa nesse tipo de comentário. — A luz indicadora do semáforo mudava de vermelho para verde, abrindo o trânsito para seguirem.

— Sempre educamos você para não veicular as pessoas por isso, Gabriel. Onde quer que você tenha escutado isso, não quero saber mais de você falando esse tipo de coisa para os filhos dos nossos amigos. Sejam adotados ou não, isso não é algo que você pergunta.

Com a culpa pesando em seus ombros, diversas memórias de conversas que teve com seus outros filhos das famílias serventes voltavam em sua cabeça, em uma dessas conversas havia ouvido certo apontamento sobre Raissa Buloke de Benjamim, da família Hamamelis, aquela que era a mais distante das outras por morar no litoral na cidade mais próxima da famosa Ilha de Katharos.

— Oh! Então os rumores devem ser verdade. Isso não muda nada para mim, honestamente. Afinal, não importa de onde vieram, se forem verdadeiramente bons, considerarei como um dos nossos.”

As palavras de Benjamin brilhavam no fundo do peito de Gabriel e a vontade que o contagiava naquele momento em diante era aproximar-se daquela dita como filha adotiva dos Buloke. 

Só que naquele dia da reunião, tudo se mostrou diferente do que imaginara e agora ele tinha magoado a garota. Antes de seus pensamentos conflitantes lhe dominarem, um gatilho despertou ele para ter cabeça para o que aguardava ele mais tarde.

— Isso são águas passadas agora. Quando encontrá-la, vocês se acertam. — Arthur muda o seu olhar para o retrovisor onde observava os olhos curiosos do filho. — Hoje temos outra questão para acertar!

— Você acha mesmo que ele está pronto? Não é muito cedo? — A voz séria de Soraya lembrava Gabriel evidentemente do que eles estavam falando. Ele tinha certeza que o pai estava comentando sobre o “Ritual da posse”, acontecimento que marca a recepção da graça de um dos doze discípulos pelos futuros líderes das famílias, trazendo para eles, tanto as habilidades quanto a presença legítima do espírito dos lendários heróis. O jovem vinha treinando por um extenso tempo desde início de sua puberdade, ele sabia estar preparado, porém, adiava esse momento desde então. Entretanto, após a conversa sisuda que teve com seu pai nas últimas semanas sobre o crescimento do boato que os seguidores de Naya estavam se espalhando, ele sabia que esse momento não podia mais ser adiado e isso se confirmava com a sentença de Arthur:

— Não é questão dele estar pronto, ele tem que estar.

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