[Adira]: Li um livro ontem, que explicava o nascimento de Deus, seus sete filhos e uma pérola chamada Azafrague. Imaginei que fosse tudo ficção, menos a parte de Azafrague... Então o céu e o inferno são reais?
[Nedz]: Adira, tenho duas bolas e nenhuma é de cristal.
[Adira]: Ué, mas você começou a falar sobre coisas que eu nem vi naquele livro de forma a parecer tão real. Você conheceu Deus?
[Nedz]: Esse é o tipo de coisa que você vai tomar conhecimento conforme a necessidade, Adira. Por favor, selecione o próximo tema.
Adira fica um tanto confusa e até desconfiada de Nedz, ela não compreende por inteiro suas intenções e muito menos sua origem. No entanto, resolve ignorar isso e seleciona o próximo tema.
[Nedz]: Você selecionou Mandamento! Deseja aprender da forma resumida ou mais extensa? A forma resumida conta as propriedades dos Mandamentos, já a forma extensa explica o surgimento de seu conceito.
[Adira]: Por ora vou querer o método resumido.
[Nedz]: Ok! Existem ao todo dez Mandamentos. Eles são responsáveis por fatores capazes de controlar conceitos abstratos de poder, que variam desde controlar o seu próprio corpo e mente até controlar propriedades externas de materiais. Os Mandamentos são: Arrebatamento, União, Devolução, Amor, Decaimento, Persistência, Resiliência, Temor, Sabedoria, e Contensão. Alguma dúvida?
[Adira]: Como se adquire um poder de Mandamento? E como faz pra ativar ele?
[Nedz]: Mandamentos estão vinculados à alma de seu portador, ou seja, o Kokyu deles. Eles são concedidos em seu nascimento de forma misteriosa, não é algo tão raro, mas poucas pessoas têm a chance de desenvolvê-lo ao máximo. Decorrente desse fato, o Mandamento se aplica por toda a extensão do Kokyu de seu portador. Portanto, se o portador espalhar seu Kokyu por uma arma, ele é capaz de executar a habilidade de seu Mandamento nessa arma.
[Adira]: Ohh, entendi. Restaram só dois temas agora, acho que vou escolher Pânkara.
[Nedz]: Você selecionou Pânkara! Pânkara é uma propriedade variante do Kokyu, é a sua essência como ser vivo se unindo com o resto do Universo material. Em resumo, você é capaz de controlar ou produzir determinadas classes de materiais, e são elas: Pedra, Fogo, Ar, Madeira, Ferro, Eletricidade, Luz, Gelo e Escuridão. Alguma dúvida?
[Adira]: Na verdade, sim... Pode explicar melhor como o Pânkara funciona, por favor?
[Nedz]: Certo. Imagine que a sua alma — o Kokyu — é a fonte de seu Pânkara. O seu Pânkara sai dessa fonte e pode se manifestar de forma pura, luminosa e colorida, ou então transformar-se em determinado Elemento. Para poder controlar Elementos já existentes, você precisa infundir seu Kokyu no mesmo, isso fará com que o mesmo esteja sob seu comando. Em resumo, Pânkara é uma vertente de transformação do Kokyu que se aplica a Elementos, e é necessária a presença de seu Kokyu neles para o controle do Pânkara. Melhor?
[Adira]: Que confuso...
[Nedz]: Na prática é mais simples, relaxa!
[Adira]: Vou precisar ter um livrinho explicando tudo isso que você disse.
[Nedz]: Azar o seu, deveria ter trago um caderno.
[Adira]: Que rude.
[Nedz]: Relaxa, é brincadeira, olha na sua mão.
Adira olha para sua mão e se depara com um pequeno livro repleto de ilustrações sobre os temas.
[Adira]: Cara, tem como parar de fazer coisas surgirem do nada?
[Nedz]: Bom, o livro conta com detalhes adicionais que eu não falei na minha apresentação, tem instruções e informações muito específicas para cada um dos trinta e quatro tópicos.
[Adira]: Ok — seleciona o próximo tema.
[Nedz]: Ora, já estamos no último tema! Você selecionou Ciência. A ciência é considerada um poder de adaptação do ser vivo através do aprendizado, do entendimento e da produção de tecnologias que facilitem a sua vida. Os utilizadores da ciência são capazes de utilizar o meio físico ao seu alcance para gerenciar a estrutura da vida como um todo. Creio que já conheça este tema.
[Adira]: Já conhecia sim, mas era o último. Cara, tem um problema nesse livro de instruções.
[Nedz]: Problema? Qual problema?
[Adira]: Eu não entendo essa língua que você escreveu.
[Nedz]: Ora, é a mesma da escritura de tradução. Basta criar um "altar" e o livro irá ser traduzido.
[Adira]: Que porra é um altar?
[Nedz]: Escreva o seu alfabeto em uma superfície e coloque o livro sobre essa superfície. Pode ser até mesmo na terra sob a grama em que estamos, só precisa fazer isso uma vez.
[Adira]: Cara, tu faz a vida parecer um desenho animado... É ridículo que coisas assim funcionem — diz enquanto prepara o altar —. E aí, o que fazemos agora que eu "aprendi" sobre os nove poderes?
[Nedz]: Vou te explicar como você faz algum desses poderes emergir.
[Adira]: Prossiga.
[Nedz]: O passo primordial é aprender a como controlar o Kokyu, Adira. Isso porque ele é a base para todos os poderes que você deseja alcançar. O Kokyu pode ser encontrado no âmago de suas emoções, ou seja, você precisa domar os seus sentimentos para se tornar alguém capaz de dominar o Kokyu. Para isso, precisaremos que você escolha um sentimento que lhe dê muita energia, independente da direção dela, seja ela boa ou ruim. Alguns despertam o Kokyu através de um desejo impetuoso por se aventurar, outros retiram o sofrimento das profundezas de suas almas, enquanto algumas pessoas são capazes de controlá-lo sem pensar muito. Qual vai ser esse sentimento? Amor? Ódio? Tristeza?
[Adira]: Hmm, sendo sincera eu não sei...
[Nedz]: Vamos lá, você tem que ter algum sentimento exacerbadamente. Notei que você tem muito amor à vida, que é uma pessoa bem prospectiva e que, muito provavelmente, quer lutar pelo bem dos outros!
[Adira]: Altruísmo é um sentimento?
[Nedz]: Siiim! — Comemora — Podemos desfrutar muito deste sentimento, Adira. O amor desinteressado que você tem pelo bem dos outros ainda é uma forma exímia de amor. Faremos esse sentimento florescer por todo lugar que você pisar os pés daqui em diante! — Diz extasiado.
[Adira]: Sério? — Diz empolgando-se — Mas como nós faremos isso?
[Nedz]: Adira, eu não sou nada como um mestre de luta, tenha sempre isso em mente, é o fator principal que precisa saber sobre mim. Eu sou, na verdade, um filósofo! Eu irei fazer com que você consiga expandir a sua mente ao máximo, através de reflexões e viagens psicológicas. Na verdade, irei te guiar, isso porque o único que pode te fazer se desenvolver é você mesma.
[Adira]: Então nós vamos meditar ou algo do tipo? Não entendi direito — diz com cara de confusa —. Não sou nada boa em esvaziar a minha mente, só para constar?
[Nedz]: Hã? Acho que o seu conceito de "meditar" está um pouco equivocado, Adira. Meditar não se trata de limpar a sua mente, mas sim o contrário, trata-se de permitir que a sua mente viaje pelas marés do conhecimento. E sim, vamos meditar, MUITO.
[Adira]: Mas sobre o que nós vamos meditar?
[Nedz]: Vamos refletir sobre as suas vontades. Agora.
[Adira]: E eu preciso cruzar as pernas e conectar as pontas dos dedos? Fechar os olhos? Como fazemos isso?
[Nedz]: Não faço a menor ideia. Este sentimento de fluidez e conexão com a natureza e o conhecimento é construído por você, da forma que achar melhor, então não posso dar pitaco e falar "você está meditando errado, refaça".
[Adira]: Entendo. Então eu tenho que me sentir livre com a vida ou algo assim, né? — Adira cuidadosamente se deita no chão coberto pelas folhas verdes, olha pro céu e começa a se perguntar — Estou fazendo certo?... É impressionante que o céu seja tão detalhado considerando que é um mundo dentro da minha mente, ou algo assim.
Nedz por sua vez senta-se abraçado aos seus joelhos, encostado na arvore ao lado de Adira.
[Nedz]: Adira, quais são os seus objetivos? O que você deseja fazer nos próximos anos?
[Adira]: Eu não consigo pensar em daqui anos, mal consigo me imaginar amanhã, pra falar a verdade.
[Nedz]: Então qual o seu desejo pra antes de morrer?
[Adira]: Antes de eu morrer? — pensa — Eu quero libertar pessoas cujo as vidas se tornaram complicadas demais por conta da ganância dos outros, quero estabelecer tudo que há de bom e sustentável pra todos — ergue o braço aos céus tampando o sol e diz num tom lento.
[Nedz]: Adira, o seu desejo é muito lindo, de verdade. Queria que as minhas lágrimas não vaporizassem ao atingir meus cabelos. Mas falando sério, você imagina criar uma instituição ou algo do gênero? É porque me lembro de você mencionando que queria seus amigos perto de você ao longo da sua aventura.
[Adira]: Tudo isso parece tão nebuloso... Sou incapaz de enxergar sequer alguns dias no futuro, quem dirá anos. Imagino que eu deva me estabelecer com mais firmeza, e também esclarecer melhor os meus objetivos. É provável que eu crie uma instituição, sim. Imagino que eu deveria fazer regras para mim e para aqueles ao meu lado.
[Nedz]: E criando uma instituição, você deseja se ater somente às pessoas que conhece hoje? Ou será que você estará de portas abertas?
[Adira]: Pessoas serão sempre bem vindas em meu coração, desde que elas sigam as regras que eu prescrevo. Não é como se eu fosse ser uma ditadora ou algo do gênero, só quero deixar bem clara o meu senso crítico e ética.
[Nedz]: Entendo plenamente. Eu jamais teria perto de mim pessoas das quais discordo de forma tão conflitante, e vice-versa. Qual a sua religião, Adira? Existem religiões aqui onde mora?
[Adira]: Certamente. Onde há amor há esperança, esperança por algo que dê sentido à nossa vida e existência. No entanto, eu não acredito que exista um sentido ou mesmo objetivos pré definidos para nós como seres vivos, acho que o valor existe naquilo que nos é especial. Se fosse me considerar algo, acho que eu seria agnóstica.
[Nedz]: Então você não acredita em Deus?
[Adira]: Você me disse que ele existe mais cedo, mas eu não tenho muita confiança em uma fala tão absurda como essa. Mas, mesmo se ele existir, duvido que ele seja como vejo as pessoas o descrevendo, porque se ele for daquele jeito, o único sentimento que tenho por ele é revolta. Como pode permitir que tantas pessoas sofram se é onipotente?
[Nedz]: Adira, acredite em mim quando digo que ele está tão perdido quanto eu, você, e todos que você conhece. Os deuses são incapazes de entender a dor, isso porque eles nunca a sentiram, então não há necessidade alguma de florescer uma empatia ou mesmo interesse naqueles que considera inferiores.
[Adira]: Então você tá dizendo que todos estamos no mesmo nível?
[Nedz]: Essa frase é confusa. A quem você se refere quando diz "todos", e o que seria esse tal "nível"?
[Adira]: Ah, é que tipo, independentemente de que tipo de ser nós sejamos, a nossa capacidade de entender a nossa origem e razão de existirmos está muito próxima se formos seguir o que você diz, não?
[Nedz]: Não importa se você é de raça, planeta ou marco A, B ou Y, todos temos a mesma capacidade cognitiva quando dizemos "por que existimos?". A nossa essência é sempre a mesma, digo, a alma e a mente vêm do mesmo lugar, independente de qual a sua espécie.
Um breve silêncio toma conta.
[Adira]: Mas e você, Nedz?
[Nedz]: Hm?
[Adira]: Qual o seu desejo? Como você se vê daqui a alguns anos?
[Nedz]: Cara, eu realmente espero que, não importa quanto tempo se passe, eu possa estar ao seu lado. O meu sonho também é ver o universo virando um lugar melhor, e se você é capaz de fazer isso, creio que você seja o amor da minha vida.
[Adira]: Você me ama? Você nem é humano.
[Nedz]: Primeiramente, isso foi extremamente racista — diz e ri —, e segundo que se você carrega consigo o desejo imutável pela justiça, você é uma figura imponente pra mim — reflete.
[Adira]: O que será que é o amor?
[Nedz]: Eu penso que seja um fator que sirva para aprisionar dois seres até que eles possam se reproduzir, por isso ele geralmente só dura por um certo período, que, coincidentemente, é o mesmo período dos anos iniciais de vida de um filhote. Portanto, o amor é um fator de sobrevivência, por isso se aplica a conceitos que lhe garantem a permanência no mundo físico, como reprodução, amor à própria vida, amor por algum hobbie que você tenha...
[Adira]: Você com certeza é ateu, cara. Como pode alguém tratar o amor de forma tão fria?
[Nedz]: Você mesma não disse que eu não sou humano? Acho que o jeito que você anula minha "humanidade", mas logo em seguida espera que eu seja capaz de amar como vocês, evidencia o quanto você tem de esperança em que os outros sejam coisas que você considera boas.
Adira respira fundo, olha pro céu e um breve silêncio se instaura enquanto ela reflete sobre a fala de Nedz.
[Adira]: Fico feliz de ter ganhado um psicólogo de graça — diz e sorri de forma sarcástica.
[Nedz]: Kakakakaka! De tantas coisas para se pensar, por que dinheiro!? — Pergunta em um tom risonho.
[Adira]: Sei lá, cara, dinheiro é sempre um fator bem importante.
[Nedz]: Dinheiro é um problema pra você? Você tem má qualidade de vida?
[Adira]: Nah, temos dinheiro para o que é necessário. Não é como se passássemos fome, por exemplo. Mas é muito estranho que os nossos recursos sejam tão limitados assim, sei lá.
[Nedz]: Isso tem cara de pensamento anarcocapitalista, hein.
[Adira]: Ah, cala a boca. Kikiki — ri.
[Nedz]: Olha, acho que já deu por hoje, é hora de você ir pra casa.
[Adira]: Mas já? Achei que iriamos treinar a tarde toda.
[Nedz]: Nop, hoje foi só uma introdução. Amanhã também vai ser. — Nedz bate palmas e o horizonte se desfaz, apagando aquele plano e os levando de volta para o plano material.
[Adira]: Nós nem saímos daquele canto entre os arbustos no parque?
[Nedz]: O que você acha que é a realidade? Aquilo que você sente? Que pode cheirar, tocar, degustar, ver?... Não sei te dizer o que pode ser definido como "realidade", mas a verdade é que nunca saímos deste ponto do universo material, tudo foi apenas uma pequena simulação gerada em sua cabeça. Mas, enquanto estávamos lá, tudo que as pessoas de fora poderiam ver seria uma barreira invisível simulando o que havia dentro dela antes de entrarmos.
[Adira]: Whoah! Você pode manipular a mente dos outros à vontade? — Pergunta entusiasmada.
[Nedz]: Eu disse que já deu hora, chega de perguntas. Xô, xô! — Diz empurrando Adira pelas costas.
[Adira]: Ah, qual foi cara. Não pode me de— Adira se vira para trás e vê que, mais uma vez, Nedz sumiu, explodindo e se tornando uma fumaça espessa e vermelha —. Isso é um saco, ele não se dá nem ao trabalho de dar tchau. Já são 13h40, vou pra padaria, já aproveito e passo na biblioteca.
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