Andando pelos corredores, subindo para o segundo andar onde fica situada a sala do Primeiro Ano e chegando até a mesma. Ivair e Raissa entram na sala que eles teriam aula, papeando sobre todo espaço que notaram daquela grande escola. Sentando na cadeira da fileira da frente, o garoto se estabelecia ali, dizendo:
— Bom, eu vou sentar aqui na frente para prestar mais atenção. Você vai ficar por aqui mesmo ou prefere sentar em um outro lugar?
— Hm... deixa eu ver... — Questionando com a mão no queixo enquanto olhava em panorâmica para sala que tinha algumas pessoas sentadas, outras chegando e alguns espaços ainda vazios, Raissa tentava pensar rápido para não se arrepender depois. Só que um burburinho de um grupo composto por dois garotos e três garotas que estavam amontoados atrás do lado direito de Raissa — onde ficava a janela — atrapalhou o raciocínio, desviando a atenção dela.
— Cara, cê' viu que nojentinha?
— Sim, menina. Fiquei de cara, na moral.
— Nossa, sim!
— Aquela garota só faltava virar os olhos quando a gente foi falar com ela. Que metidinha.
— Ih, amiga! Vai por mim, fizemos bem em sentar mais aqui na frente. Não conseguimos bolsa pra cá para ficar aturando metidinha não.
— Sabe o que a gente tem que fazer? Ficar na nossa e quando ela precisar da gente, a gente nem dá confiança.
"De quem eles estão falando, meu Sândalo?"
Raissa inquiriu em pensamento sobre a discussão daquele grupinho que pareciam que se conheciam de antes daquela escola. Como se fosse a resposta divina que tanto queria, a próxima fala do garoto daquele grupo que puxou a conversa revelou o que queria saber.
— Pior que pela babyliss que ela tá usando, ela realmente parece aquelas sugar baby que recebe tudo de bandeja do namorado.
Uma risada em conjunto toma conta do grupo após o comentário daquele garoto. Porém, aquela informação deu um norte para a Buloke que procurou por todos os cantos, uma garota que estivesse de babyliss. Até que encontrou na penúltima cadeira, uma garota morena com a pele clarinha, usando uma blusa preta com os ombros vazados e uma calça skinny preta, estava sentada na cadeira lendo um livro, praticamente esquecendo do mundo a fora.
— Raissa. Oh, Raissa!
— O-oi?
— Decidiu onde vai sentar? Estou te chamando a uns minutos e tu continua ai em pé com essa cara de broa.
— Ah, me desculpa. Eu já decidi sim.
Com passos longos e confiantes, a Buloke de cachos saltitantes pelos seus pulinhos de alegria para lá e pra cá seguia até a garota de babyliss. Ivair não entendeu nada do que aquela misteriosa garota estava pensando, em questionamentos internos deixava claro que aquela menina era uma caixinha de surpresas que talvez demorasse muito para entender a espontaneidade. Uma frase resumia o que ele sentira, e fugindo do seu interior, deixava escapar bem baixinho como um sussurro enquanto ria:
— Essa garota é meio dodói, só pode.
Focada na sua leitura, durante o tempo que aquele tédio de aula ainda não começava, a garota apenas seguia lendo aquele romance que raramente pegava para leitura, já que preferia livros de relatos históricos por sua criação árdua e interesse em pesquisa desde nova. Emergida naquele passatempo para desvincular o sentimento de tristeza que estava presente desde cedo no corpo, permanecia apenas com o neutralidade em seus pensamentos.
Todavia... uma voz carismática chamando-a preenche todo vazio da neutralidade atingindo a mescla da curiosidade e do enraivecimento que sentiu anteriormente pelo grupo irritante que veio conversar com ela, quando na realidade, não queria falar com ninguém naquele dia. Aquilo permanecia, só que parecia ter aumentado de intensidade por ser a segunda vez que teria que dar satisfações para alguém, por reflexo, uma reclamação brota escapando de dentro dela:
— Olha só, eu não tô afim de...
O tempo parou por um instante. Toda aquela irritação se dissipou como lençóis sendo tirados de um campo de visão que estivesse coberto. A aceleração dos batimentos cardíacos entravam num ritmo na qual, não podia ser computado pela mente da morena. Um fruto em resposta ao que ela encarava, na sua frente, em seu ponto de vista parecendo uma cena digna de filme, uma garota com seus cabelos cacheados sob a luz solar e seus olhos castanhos claros reluzindo com um brilho chamativo de alegria e motivação, inclinando levemente a parte superior do seu corpo a frente e tirando um fio de cacho da direção do olho, ali estava Raissa.
— Ei. Eu posso sentar em você?
— Oi? Calma ai moça, eu tenho namorado.
— O que tem isso?
— Olha aqui, eu acho que tu não entendeu direito não dá pra você fazer isso comigo comprometida!
Confusa com o que aquela garota tava falando, Raissa endireitava a postura e fazia uma cara de estranhamento.
— Que tipo de namoro é esse que não deixa alguém sentar atrás de você?
Paralisando totalmente como se estivesse quebrando após perceber que entendeu errado, a morena de babyliss simplesmente respondeu com uma neutralidade que representava a vergonha que a dominou tanto que ela só poderia responder daquela maneira.
— Ah, pode sim. De boa.
— Ué? Tá bom então.
"Não estou entendendo nada do que essa menina está falando."
Permanecendo num silencio interrupto para respeitar o mau humor que era perceptível na garota a frente, Raissa ficou sentada com o braço estendido na mesa e a mão no rosto esperando a aula começar.
— Bom dia a todos! — Um homem branco de óculos, barba por fazer, usando uma blusa e uma calça social cinza, típica roupa de professor universitário entrava na sala com uma pasta embaixo dos braços.
— Muito prazer em conhecê-los, sou Hugo Cruz. Serei o professor de Sociologia de vocês. — Um sorriso carismático domina a aura daquele jovem professor que aparentava ainda estar na mesma faixa de idade que Layla. — Bom, hoje é o primeiro dia de aula de vocês, né?
Todos assentem em uníssono.
— Então, devo dizer que estamos no mesmo barco, já que vocês são a primeira turma que eu dou aula. Espero que eu não tenha nenhuma dor de cabeça com vocês. — Completa com um sorriso sem graça. O questionamento de como poderia ser a primeira vez dele lidando com uma turma rodeava alguns comentários alheios de alunos pela sala. Enquanto ele continuava sua apresentação contando um pouco de como será o planejamento das aulas pelo semestre, uma voz sutil e abafada chegava até os ouvidos da morena.
— Ai, cê' gosta de Sociologia? — Virando levemente para responder o chamado, a garota de babyliss notava que era a menina de cabelos cacheados, no qual estava meio abaixada para chegar mais perto.
— Um pouco. E você?
— Sempre gostei, e esse professor tem cara de ser maneiro, então... estou animada, sabe?
Por um momento, a grande maioria do sentimento de mau humor, raiva, frustração e vergonha dispersaram dela. A única coisa que permaneceu na garota foi a curiosidade e a vontade de perguntar, ela tinha que aproveitar a deixa e com isso, o fez.
— Sei. Inclusive, esqueci de te perguntar... qual seu nome?
— Meu nome é Raissa. Raissa Buloke.
Com um sorriso radiante no rosto, porém refletindo internamente, Raissa imaginava que receberia uma reação surpresa retrucando, certo que sempre que citava seu sobrenome, as pessoas ficavam embevecidas porque as doze famílias serventes eram figuras públicas influentes em todo mundo, envolvendo-se em diversos momentos relevantes para a sociedade num todo. Então, era certo que aquela garota seria mais uma daquelas.
— Prazer, Raissa. Eu sou Aiyra. Apenas Aiyra. — Completava a garota de cabelos negros virando em direção ao quadro novamente por notar que o professor iria começar uma explicação importante. Uma gota de suor caia após a Buloke perceber que a reação da garota foi neutra. Isso gerava um alivio enorme no fundo do peito dela.
O tempo daquela aula passava voando, toda apresentação e o plano de aula de Hugo não parecia ser desgastante nem para Aiyra que não era muito fã de Sociologia. Em virtude que, ele também era historiador e aproveitaria para dar ainda mais contexto de como surgiram certas ideias e pensamentos pelo passar do tempo. Isso intrigava muito Aiyra, que nutria nela um sentimento de sempre querer saber a verdade do mundo que vivia, desde quando ela viu aquelas pessoas acolhedoras em sua infância. Findando sua vaga lembrança, depois de escrever alguns tópicos no quadro, Hugo se preparava para fazer uma pergunta desafiadora para todos ali presentes, algo que pensava que ninguém saberia solucionar por um costumeiro hábito de pouco pesquisar sobre esse povo em específico.
— Tenho um desafio para vocês, valendo... Hm... dois pontos na média para quem souber responder.
— Dois pontos?! — Todos na turma questionaram estupefatos.
— Sim. Podem ficar tranquilos porque não é um blefe. Anotarei o nome aqui e adicionarei esse ponto para ajudar na média final de quem acertar. Acho que todos vocês sabem que o primeiro ano é o mais difícil, pode apostar que isso fará uma diferença danada no final.
— Agora eu gostei. Pode jogar essa pra cá. — Dizia uma garota de cabelos com pontas verdes que fazia parte do grupo da frente.
— Logo assim de começo, professor? Mas nós nem vimos nada da matéria direito. — Raissa subia esse ponto.
— Sim. — Cruzava os braços, revelando um sorriso despreocupado. — Por isso, é um desafio.
— Tá ok então, né? Se você diz.
— Beleza. Posso soltar? Aqui vou eu.
Uma garra forte permanecia nos olhos de todos ali presentes, atentos a qual seria o desafio proposto. Após pegar o papel e respirar fundo, Hugo começava a recitar um cântico que invadia um canto muito intimo e particular para Aiyra, que enchia os olhos, ficando meio tremula.
— Dos céus, veio o poder. Em seu casco tinha força para resistir, em miados veio propagar a realidade que viria surgir. Chamas. Chamas. O Leão tirava forças para ficar, a Raposa não parava de reclamar, todas as dezesseis partes a se separar. Asas da Águia separadas pelo Invasor que as roubou para brigarem entre si.
Acompanhando a citação de Hugo, Aiyra levanta colocando um impulso firme na cadeira que faz os olhos de Raissa saltarem.
— Resistir! Ainda temos forças para resistir! — Subitamente, Hugo cessa e vê até onde a garota vai com aquilo.
— O dragão que permanecia escondido, suas cabeças se multiplicarão, tornando único nosso coração que bate incansavelmente até que reste apenas um.
O professor que mexia nos óculos com uma expressão de euforia e o garoto sentado a frente com uma tatuagem de dragão no pescoço fizeram o mesmo questionamento interno naquele momento.
"Quem é essa garota?"
— Ah, desculpa gente, acabei atrapalhando, sinto muito! — Sentava rapidamente querendo colocar um saco na cabeça para cobrir a vergonha que sentia.
— Dois pontos para você, menina.
— Queee?! — Todos da sala em uníssono.
— Pera ai, professor. Mas você nem sequer explicou o desafio para gente, como assim? — Questionava a garota de cabelo de mechas coloridas que estava ansiosa para responder.
— Não precisa. Eu perguntaria de onde é esse cântico, já que poucos tem acesso a ele. Só que ela recitou ele perfeitamente. Então não é mais necessário.
— Mas professor, de onde é esse cântico então? Já que poucos conhecem e tal. — Questionava Raissa com a mão levantada.
— Ele é um cântico ancestral dos Nadiu. — Quem a respondia não era o professor que estava em pé, sim, o colega que conhecera mais cedo, Ivair. — Uma tribo que... está extinta a 50 anos.
"Extinta?"
— Isso mesmo, rapaz. Além disso, a vila deles sofreu um súbito incêndio que apagou muitas evidências da existência deles. Esse cântico foi um dos poucos artefatos restantes, essa menina saber disso é admirável.
"Nossa, a Aiyra é incrível."
Esse pensamento acompanhava o brilho que preenchia o olhar da Buloke reparando na garota a sua frente.
— Bom, iremos estudar melhor sobre isso na Aula de "Endi Kaluanã" no dia 20, não faltem!
Após aquele desafio, a aula seguia naturalmente, até que o sinal para o intervalo tocava, o entusiasmo e o respiro vinha instantemente, o agito característico daquele ambiente escolar que Raissa tinha tanta saudade era tão transformador comparado aos dias de solidão apenas com seu irmão em casa, que nada poderia abalar sua felicidade.
Saindo para o intervalo junto de Ivair, descendo as escadas em direção ao seu armário para pegar seu biscoito costumeiro, Raissa observa Raimundo com um garoto com barba mais alto que ele indo comer, com um sorriso de admiração, Raissa pensa.
"Ele já fez amigos? Que ótimo."
***
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