Ainda dezoito e doze. Fui ao mercadinho ao lado e chequei cada prateleira que se encontrava. Parece entediante ser uma criança que assiste tudo dentro e nada leva, mas sendo a primeira vez na nova cidade dá para justificar.
Há ainda uma pequena padaria dentro com uma boa variedade de pães e doces que é difícil saber o que levar de início. Como ainda é sábado, não tenho ideia se o mercado funciona nos domingos já que algumas cidades levam como dia de “descanso”. Prefiro batizar de dia de tédio, isso que tem uns que saem para beber. Não bebo e nem fumo. Eu sei muito bem o que estou perdendo.
Terminando as compras e como primeiro dia no meu novo lugar, gostaria de pensar bem o que pedir. Sushi ou yakisoba cairiam bem no meu estômago. Eu tenho uma lista telefônica que deixaram no meu apartamento e foi uma surpresa. Achava que isso nem existia mais. Quantas coisas há nessa cidade também não sei. Só sei que fiz um pedido e espero por um “jantar” abençoado.
Quanta excitação de morar sozinho no pequeno apartamento à procura do meu sonho!
Sozinho. Essa palavra não vai sair da cabeça tão cedo.
Não posso ficar desapontado a noite inteira. Precisava voltar ao meu foco. Olhando ao redor do meu apartamento ao retornar, o que eu poderia fazer o que nunca fiz? Ficar de cueca? Só faço isso para dormir e olhe lá! O calor deve estar alto. Trocar mensagens com o pai? Pelo menos avisar que cheguei bem. O que posso fazer e o que fiz na vida inteira é comer e estudar com música no fundo, geralmente instrumental. Posso deixar para meditar mais tarde; afinal, a comida deve estar chegando e nunca é bom meditar de barriga cheia, mesmo que a música tente ajudar.
Minutos depois de limpar a mesa, volto para a janela e vejo a escuridão formando e tirando a beleza que se tinha da tarde para substituir pelo silêncio e paz, fora os barulhos de poucos carros passando. O ar que vem é agradável e relaxa meu espírito. Procuro respirar os cheiros que as folhas transmitem e deixar minha mente fluir da imensa beleza que a natureza é capaz de fazer por todos, mesmo que há quem odeia folhas caírem em frente de suas casas. Eu tive muitos vizinhos assim. Devem achar que árvores, seres vivos, não podem derrubar uma minúscula folha. Têm vizinhos que têm o dom de serem insuportáveis.
Olhando para baixo e um motoqueiro chega com uma encomenda na parte de trás. Deve ser meu jantar. Desço rapidamente até a entrada e me encontro com um iguana que estava com meu pedido e o código. Ele nem imagina o quão feliz estou – e não era de fome. Paguei e subi ao canto feliz, trancando e vivendo a vida de estudante com a própria comida e dinheiro – que meu pai transferiu, claro.
Mais minutos se passam e eu estava pronto para descansar na doce cama. Só preciso escovar os dentes. O que eu acho engraçado é meu pai elogiar por ter ótimos dentes. Até meus amigos diziam isso. Lembro de alguns deles que usaram aparelho e disseram que era um incômodo. Eu tenho a benção de não passar por isso. Olhando ao espelho, vejo a perfeição e a brancura dos dentes vulpinos, mas não é nada magnífico que se possa dizer. Eu gostaria de entender por que eles me elogiam tanto por isso.
Esquece! Limpar é o que importa agora.
Agora sim. Depois de feito, direto para a cama estando de cueca no quarto e desligando a luz. Eu queria deixar a janela aberta para entrar um ar e deixar o vaso bem no canto hoje. Ele era uma boa visão para mim. Me deito e tento fechar os olhos, agradecendo mais uma vez pelo dia ser tão grandioso, uma vida a prosseguir, um sonho a conquistar.
Vinte e três e doze e tendo dificuldade para dormir. Logo hoje que tem que acontecer isso!
Me levanto da cama e vou até a cozinha beber um pouco de água. Bebo devagar enquanto meu desejo de dormir só acelera enquanto escuto sirenes no lado de fora. Parecia a polícia correndo atrás de alguém a essa hora tarde da noite. A parte da cidade pacífica pode ser descartada.
Esquece! Só quero voltar ao quarto e dormir. Hidratado, espero pegar no sono.
Quando cruzei a porta e vi a bagunça que deixei na cama –travesseiro e lenço –, olhei para janela e me assustei ao ver a imagem de alguém entrando. Pulei para trás gritando até que o sujeito levou o susto, caindo da janela todo torto e gordo, ainda por cima. Um guaxinim que parecia correr da polícia. Por isso as sirenes?
E meu medo? Meu pelo se arrepiou com as mãos começando a tremer. O que eu poderia fazer com um homem dentro do meu apartamento? Eu nem sabia como reagir a essa situação. Tentei evitar a confusão estendendo as mãos e apenas isso.
– Quem... Quem é você?
O guaxinim tentou levantar com calma, mas seu rosto não demonstrava isso. Quem deveria estar calmo sou eu.
– Psiu! Vai chamar a atenção de todos – ele sussurrou tentando abafar a fuga dele, o que chega a ser irônico.
– Quem é você? – eu insisto de medo, andando pelo lado. – Saia do meu apartamento!
– Cala a boca! Os vizinhos vão acordar.
– Só quero que saia daqui! Não sei quem é você e por que está fugindo da polícia.
O ladrão começou a ficar estressado e insistia para que eu me calasse, como se fosse fácil após receber uma visita inapropriada. A única benção é que ele não está armado. Pra que? Ele pode simplesmente me dar um murro e amarrar, mais fácil. Ele andou para o lado esquerdo do quarto tentando ir para a porta aberta.
– Se me deixar aqui, prometo roubar nada – tentava negociar impaciente.
– Nem pensar! – exclamei. Primeiro dia no apartamento e já receber uma proposta dessa tão fajuta? – O apartamento é meu! Consegui no maior sufoco e não deixarei você roubar...
Fui interrompido quando ele foi até ao vaso de porcelana que meu avô me deu carinhosamente e ele levantou, ameaçando jogar. Agora fiquei assustado e senti o coração bater rapidamente e ficar gélido.
– Não! Isso não! – implorei pelo presente precioso. – Por favor, eu... deixe isso...
– O que é? Implorando por causa do vaso? – ele retrucou com raiva, mas poderia sentir zombaria no tom.
– É precioso... Meu avô que me deu.
– Então pega!
Ele jogou o vaso na minha direção com uma força que agarrei e cai de costas no chão com um enorme medo de quebrar o presente. Deitado perto da cama e voltando a olhar assustado o guaxinim dentro do apartamento sem imaginar o que pode fazer comigo. Até matar.
Estou em choque. Ele não me olha com bons olhos. Segurou minha pata e puxou para agarrar meu pescoço. Eu poderia imaginar que ele me amarraria ou me trancasse num quarto enquanto ele aprecia tudo de novo que tenho. Eu clamava por uma divina ajuda, um milagre, uma salvação, um arrependimento bater no seu coração...
Qualquer coisa vale!
Nada tão bem! No momento que ele pegou meu pescoço e segurei forte o vaso enquanto tentava safar do estrangulamento, algo brilhava entre nós que fez tudo parar. Eu não queria ver, mas acabou virando obrigação. Sem explicação, o brilho vinha do vaso e começou a sair uma fumaça de dentro. Eu e o guaxinim ficamos olhando atônitos. De repente, uma forte tempestade pareceu ter saído do vaso e cercado o quarto inteiro, fechando a porta violentamente com um furacão que começou a se formar. Não consigo ver nada e tudo parecia marfim com tons claros de verde limão. Tudo estava confuso. Não conseguia ver o ladrão que finalmente saiu de mim, mas eu enxergava uma figura na minha frente se formando com nuvens ao redor e folhas que não tenho ideia de onde vieram todas elas. Agora eu poderia ver o corpo melhor de uma nova pessoa. Ele era gordo, mas não consigo saber da sua espécie. Eu estava quieto e congelado no chão. Se eu gritar pode ser pior.
Consigo ver seus braços se formarem e fazerem movimentos enquanto a fumaça começa se dissipar aos poucos como um vendaval e folhas de algumas árvores que não se encontra por aqui rodopiando ele como se fosse uma divindade.
– Seu transtorno é um insulto ao Mestre.
Essas foram as poucas palavras que ouvi de sua boca.
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