Meus ouvidos estavam os mais baixos possíveis juntamente com meu corpo congelado que não se movia. Eu sei que ele me salvou, mas estou assustado em saber quem ele é e se realmente veio do vaso de porcelana, logo o vaso que meu avô me deu. Me mexi devagar da cama e queria ter um tiquinho de paz ou acordar para ver se foi tudo um sonho. O gênio continuava olhando para mim e examinando o quarto como se fosse novo para ele. O lugar era muito estranho ao seu ver.
– Não lembra nada uma casa de madeira. Onde estamos, Mestre?
Desço da cama enquanto ele batia na parede para saber o material. Eu tentei respirar, manter calmo e ser capaz de responder, o que parecia impossível com um louco desse na minha frente.
Que meus ancestrais me ajudem nessa hora, isso se esse guaxinim gordo for meu ancestral. Aí estou perdido.
– Quem é você? Não o conheço da família, apareceu, me salvou e me chamou de...
Nem quis dizer a palavra mágica. Precisava de respostas com minhas pernas tremendo. Os ouvidos atentos do gênio apontaram para o vaso que eu ainda segurava sem perceber. Eu não tive tempo de responder e ele estava vindo em minha direção, segurando minha mão calmamente, mas rápido, e curvando-se para me cumprimentar.
– Eu sou Ken Yoshihiro, o Guardião do Vento.
– Guardião?
– Mas pode me chamar de Tanuki. Todos me chamam assim.
Todos quem? Estou cheio de perguntas perante um guardião sorridente e educado ao certo ponto. Ao menos, fui capaz de sorrir de volta ainda segurando a mão dele. Por que não sei. Se meus ancestrais o enviaram para me salvar, ele é nada comum da onde eu morei. Seu rosto é calmo, rechonchudo, olhos verdes bem destacados e puxados como um oriental e essa folha na testa como uma marca que é um tanto chamativo.
Jovem e Guardião do Vento. Se ele é um guardião, quantos anos tem?
– Ken... Tanuki – repeti seu nome para aprender. Pelo nome, deve ser japonês.
– Sim. E você?
– Eu me chamo Vanderlei, mas todos me chamam de Vanz. Espero ser um prazer... recebê-lo em minha... – Antes que eu pudesse terminar, ele me abraçou tão forte que sentia meus ossos estalarem que chegava a arrepiar a espinha dorsal. Sou mais alto que ele, mas ele era forte como um urso.
– É meu prazer em te servir, Mestre.
Essa palavra está me matando. Ele me botou no chão depois do forte abraço e respiro novamente.
– Tanuki, não é? – pergunto olhando aos seus olhos. – Então é membro da minha família?
– Puramente – ele sorri inocentemente.
– Isso é estranho – olhei para baixo em dúvidas enquanto as orelhas, ambas as nossas, levantavam. – Minha família é chinesa. Não temos um japonês entre nós.
– Isso é estranho – ele repetiu minha frase coçando o saco dele. Mania feia. – Tenho certeza de que há alguém da família que tenha sangue de japonês. Senão, não estaria aqui.
Ele dizia com tanta certeza que me bateu umas dúvidas estranhas. Conheço minha família muito bem que são de linhagem vulpina e das puras – sem mistura de raça e nem de espécie. Meu pai, avô, tios, primos disseram isso e com orgulho de serem raposas vindo de uma família religiosa e inteligente.
Taoismo é o que acreditamos. Antigo e tradicional antes do budismo vir e transformar boa parte das crenças o que é atualmente com exceção do xintoísmo – eu acho.
– Esquece isso! – repito cortando o assunto no meio. – Olha. Eu agradeço por ter me salvado, mas preciso dormir. Não tenho um lugar onde você pode se deitar.
– Está tudo bem, Mestre – Ele sorria como uma alma pura. – Meu vaso é espaçoso.
– Sério? – um vaso daquele ser espaçoso? Eu até olhava para dentro para certificar.
– Estou morando nele há dois mil anos e limpo no...
– Mais de dois mil anos?
Ele balançou afirmativo com a cabeça. Mais de dois mil anos rolou muita coisa. Ele é mesmo jovem? Ou velho? Um Benjamin Button? Como que durante todos esses anos ninguém me contou de haver alguém morando no vaso? Fora as histórias que ele deve ter visto e ouvido do local e do mundo, o que é extraordinário – não sei se no bom sentido.
– Deus! São muitos anos! – gaguejo surpreso, mas mantenha a calma, Vanz. – Bom, se você gostaria de dormir no seu vaso...
– A menos que você tenha um lugar melhor e eu sei onde.
– Sério? – Olho curioso por puro medo.
– É um tipo de proteção, Mestre.
Proteção é o que queria agora longe dele. Concordo deixar ele mostrar outro lugar para seu descanso. Não tenho opção. Ele deu uns passos para trás e fez um sinal com suas mãos que o enorme colar começou a brilhar num forte tom de verde que parecia da cor da marca e um forte vento surgiu – onde tive que cobrir os olhos –; seu corpo começou a encolher de repente. Quando terminou e fiquei prestando atenção nele agora pequeno, limpei meus olhos para ver se estava enxergando mesmo.
Realmente. Encolhido, Como ele é capaz de fazer isso?
– Meu Deus! – agachei para o ver melhor. – Como fez isso?
– Truques e segredos, Mestre – ele ri.
– Eu... eu gostei – tirando a parte do “mestre”, claro. Estranhamente ver uma pessoa encolhida é impressionante. – E agora?
– Agora é só me colocar na sua boca e engolir.
Como num susto de um objeto caindo e fazendo um barulho alto, foi quase assim porque soltei um alto “o que?” quando ouvi isso, esquecendo se tem vizinhos dormindo – que era o que eu mais queria: dormir. Cobri minha boca rápido para evitar que uma maldição dessa aconteça.
– Está falando sério? – terminado de perguntar com as mãos na boca, rapidamente ele cresceu sobrevoando as folhas pelo vento e ficou no meu lado, contornando os braços como que com um laço e sorrindo.
– Imensamente sério, Mestre. Não tem com que se preocupar. Sou imortal. Nada de horrível pode acontecer.
Estou ficando com mais medo dele do que do ladrão. O cara que salvou minha vida quer ser recompensado sendo comido vivo. Com essa resposta, ele olhou para mim com uma cara de preocupado.
Claro que estou preocupado! Canibalismo do mais bizarro e nojento possível. É a primeira pessoa que vejo que gosta de ser vítima desse troço bizarro.
Como explicar? Pense um pouco, Vanz...
– Olha... estou muito cansado para fazer esse tipo de conforto – “conforto” – e meu corpo não funcionará bem. Como você me salvou, creio que há nada que devo temer.
Ele me olhou tão estranho que pensei que eu disse algo que o magoou. Seu poder, expressão, sua aura, minha aura...
– Excelente, Mestre – ele bateu nas minhas costas com um sorriso. – Posso descansar no meu vaso como de costume. Mesmo não dentro de você, ainda posso te proteger de qualquer perigo – agora me pergunto como ele iria me proteger dentro do meu estômago. Só tentava esboçar um sorriso para disfarçar.
– É? – ele concordou. Suspiro tentando levantar meu humor. – Bom, agradeço por se oferecer a uma tarefa tão séria. Obrigado por ter me...
– Sou eu quem devo agradecer, Mestre – cortando meu papo, ele me abraçou. Era forte e quente. Esse abraço me deixou um tiquinho confortável e confiante com ele, mesmo me assustando com essas histórias. – Boa noite, Mestre.
Ele deixa o abraço e pega o vaso cuidadosamente das minhas mãos. Nem tinha me tocado que segurava aquilo desde que o ladrão tentou me enforcar. Fiquei tão focado nesse guaxinim doido que até o sono perdeu interesse. Ele colocou o vaso direitinho no criado mudo e rapidamente pulou para dentro, se encolhendo com uma velocidade que outro vento se fez presente. Era muito difícil de ver seus pequenos movimentos. Eu ia só por curiosidade olhar por dentro: só porcelana. Nenhum sinal da bola caramelo.
Nem ouso tocar! Só agradeço em silêncio e pronto.
Acredito que tudo está bem. Coração batendo ainda rápido, corpo suando de medo, vou para a came e me deito olhando para o teto e imaginando tudo que aconteceu só essa noite. Não imaginava que minha vida viraria uma bagunça desconhecida depois de tudo isso. Universidade, privacidade, estudos, meditação...
Dou uma olhada ao vaso à esquerda. Tanuki, não é? É um nome muito estranho. O que vai ser da minha vida?
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