No dia anterior, a tarde após ser liberada da escola, Raissa chegou em casa. Cansada, a menina tirava os sapatos de forma desengonçada, usando a parede da entrada da mansão como suporte. Logo em seguida, seguia com passos lentos como uma morta viva para o quarto de hóspedes que ficava no andar de baixo, e descontando seu cansaço na cama, pulava nela, se espalhando toda por todo espaço.
— Ah! Hoje foi realmente uma delícia! — Mesmo assim, o sorriso que a menina mostrava era mais de satisfação do que qualquer outra coisa. Seu primeiro dia na escola havia sido gratificante.
— Parece que está só o pó, hein moleca? — Uma voz doce e madura que Raissa conhece muito bem soava carinhosamente. Layla, com seu sorriso gentil, observava de braços cruzados enquanto estava com o corpo apoiado sobre a porta.
— Ah... Oi tia Layla! — Arrumando forças de onde não imaginava, Raissa agachava na cama e andando de joelhos no colchão ia até a ruiva que se aproximava para dar um beijo na testa da Buloke.
— Foi boa a escola hoje, foi? — Layla acariciava o cabelo cacheado da Buloke enquanto entrelaçava os dedos sutilmente neles.
— Foi incrível, tia... Conheci pessoas maravilhosas...
— É mesmo? — Deixando de ser um apoio para a garota que entregava sua cabeça aos carinhos recebidos, Layla sentava bem serenamente e colocando a mão na bochecha da menina, dizia com um tom bem materno:
— Então, vai. Me conta tudinho, meu bem.
Tirando seus olhos de encontro aos olhos de Layla, a morena corava um pouco antes de falar, olhando para baixo, enunciando com uma paz de espírito:
— Bom... primeiro, eu dei de cara com um garoto muito legal que tinha um cabelão.
— Oh! Sério?
— É sério, ele tinha um cabelo lindíssimo e era um amorzinho, tanto que ele chegou a me apresentar onde era minha sala. O nome dele era Ivair!
— Iva...ir? Hm, que nome diferente. — A ruiva colocava as mãos no queixo enquanto olhava pro nada.
— Não é? Sabe que eu também achei esse nome bem único?
— É muito único mesmo. Mesmo eu, que tenho o costume de puxar assunto com os outros no ônibus quando volto pra casa. Nunca conheci alguém com um nome tão incomum... — Mudando o foco da conversa para não se perder, Layla buscava um tom mais atrevido em seus questionamentos. — Mas vamos para o que interessa, ele era bonitão?
— Ele era sim. Bem bonito.
— Hm... e não pensa... em flertar com ele não? — Aproximava-se para uma distância bem íntima, questionando baixinho.
— Olha, Layla. Honestamente, sequer cogitei nisso. — Raissa comentava de um jeito que transferia um espanto inicial de Layla a forma seca e indiferente que a menina respondia.
"Nem um pouquinho de vergonha, é?"
— Ah, eu também conheci uma menina muito legal na sala de aula! Ela tava toda trevosa e solitária no final da aula... Aí, eu cheguei lá pra dar aquela incomodada de leve, sabe? — Raissa aumentava o tom enquanto fazia gestos bem expressivos com a mão.
— Ah, é? E como era ela? — Questionava Layla franzindo a testa.
— Hm... ela... — A respiração aos poucos ficava mais suspirada, as bochechas coravam e dizia com uma tranquilidade característica — Ela tinha um cabelo preto muito lindo com babyliss que parecia que tinha acabado de lavar, usava uma roupa preta belíssima que deixava ela ainda mais bonita, sabe? E os olhos dela... Bom, mesmo parecendo tristonha, eles ainda tinha um brilho único quando encontraram os meus...
"Hm, agora eu entendi."
Um sorriso leve de boca fechada surgia na diarista enquanto observava a expressão bobinha de Raissa.
— E ela, você não pensa em flertar, não?
— Oi?! — Por um segundo, o coração de Raissa parecia que saiu pela boca, seus olhos saltaram e seu corpo ganhava uma posição defensiva como quisesse se defender de um golpe mortal.
— Ah... Olha, Layla... E-Eu... Meio que sou uma garota também, né? Isso não faz isso ser.... no mínimo estranho?
A ruiva adotava uma postura rígida enquanto falava mais seriamente.
— Quem disse isso, meu bem? Ora, você só irá agir conforme o que você sente, ué.
— Conforme... eu sinto?
— É, ué. Sabe, eu também sentia muito dessas coisas com diversas pessoas quando eu era mais nova. Já experimentei tantas coisas, já cometi tantas loucuras... Principalmente por um certo rapaz... — O ar nostálgico aos poucos fazia Layla ofegar enquanto falava.
— É mesmo, Tia? Cê' nunca se aprofundou sobre seus lances na adolescência... como é que ele era?
— Ele era um garoto bem típico, sabe? Meio que ele era aquele tipo mais estudioso que vivia grande parte do tempo lendo livros históricos e cada vez mais era movido pela curiosidade daquilo que todos consideram oculto.
"Uau! É exatamente como a menina que conheci hoje."
— Só que ele tinha algo diferente no oculto, que descobri só depois que a gente tava ficando... — Layla colocava a mão no peito, e mesmo se segurando, não conseguia conter a euforia ao relembrar dos detalhes do homem. — Ele era um tremendo de um gostoso, sabe? Não sei se ele malhava ou algo do tipo, só que quando ele tirou a camisa pra mim e vi aquele peitoral pela primeira vez, eu surtei.
— Nossa! Do jeito que você está falando ele realmente te marcou, hein?
— Sim. Mas não é só pela beleza também! — Abaixava a cabeça após dar uns tapinhas no próprio rosto para tentar se conter. — Tudo bem, eu amo peitorais e homens sarados. Mas tipo...
— Ele me ensinou bastante coisa sobre a vida e o mundo que vivemos. Agradeço muito a ele. — Levantando a cabeça, um ar mais maduro e agradecido surgia. — Ele tinha um sonho... entender a sociedade e explicar para as gerações futuras sobre coisas que eles não entendem. Para isso, ele estudou muito. Só que depois que ele conseguiu uma bolsa pra estudar Sociologia numa faculdade da outra costa do país... a gente nunca mais se viu.
— Pera ai, ele estudava Sociologia?
— Ah... sim. Porque pergunta?
"Não pode ser, será que o Hugo é o antigo lance dela? Ah, que seja! Não vou tocar nesse assunto!"
— Por nada não, é que tive aula de Sociologia hoje, só que isso é impossível!
— Hm...
Layla se perdia em questionamentos e cogitava hipóteses daquela brecha de Raissa, mas pensando não ser nada demais, tentava finalizar o assunto da maneira mais breve possível percebendo que a conversa estava tomando muito tempo do expediente dela.
— Mas bom, o que eu estou querendo dizer com isso, é que você não precisa se prender tanto de viver sua juventude! Você é bem nova ainda, vai em frente! Dê uma chance a seguir seus instintos! — Após o discurso encorajador de uma pessoa que conhecia Raissa como ninguém, Layla colocava a mão sobre a da Buloke. — Até agora, você sempre foi muito presa em casa, sabe meu bem? Aproveita e faz seu ensino médio ser inesquecível! Certeza que não irá se arrepender!
Naquele instante, além de sentir um grande acolhimento pelas palavras de Layla que faziam as neblinas intensas que envolvia seus sentimentos serem desfeitas, uma possibilidade brotou na cabeça de Raissa, a partir dali, consolidava uma decisão pra si mesma.
"Eu quero ficar com ela alguma vez! Quero saber a sensação de... ficar com alguém que eu goste."
Diferente de todas as vezes que jogou no seguro fugindo de tentar seguir o impulso dos seus hormônios, a garota agora tentaria arriscar em algo que nunca antes experimentou, se relacionar com alguém.
— Beleza, Tia. Eu vou tentar!
O único gesto que a ruiva pensava para a situação, era colocar a mão na cabeça de Raissa e sutilmente fazer carinho enquanto dava um sorriso de orgulho pela menina ter se aberto com ela de alguma forma. Porém, subitamente lembrou o motivo pelo qual estava naquele quarto.
— Ih, é verdade! Esqueci de falar sobre uma coisa contigo. — Tirava a mão do cabelo da Buloke dando leves tapinhas nas coxas enquanto falava.
— Falar comigo? Hm... eu não faço ideia do que seria. Eu sou meio esquecidinha então, algumas certas informações só somem da minha mente.
— Ah, não, de boa! — Consolava Layla fazendo um símbolo de negação com os braços. — Mas, sobre ontem... o que realmente aconteceu? Conta para mim.
Naquele momento ao recordar vividamente dos sentimentos negativos que teve ao ouvir as palavras de Gabriel, os olhos de Raissa cresceram por um momento, até que retomando a postura, Raissa abria uma outra longa discussão sobre seus sentimentos.
— Tudo bem, eu vou contar.
***
— Ah, valeu! Eu tava mesmo precisando de algo pra adoçar a boca. — Pegava o beijinho, demonstrando uma animação para disfarçar o envergonhamento que sentira.
Aiyra retrucava com um sorriso gentil que fechava um pouco os olhos.
"Espero que ela goste. É meu favorito!"
— Hmmm... Está muito gostoso! — A boca cheia atrapalhava um pouco o entendimento da frase, só que com esforço, Aiyra entendeu causando uma animação ainda maior pra garota que já estava de bom humor.
— Ah, que bom que 'cê gostou! Vou trazer mais vezes só pra você!
As bochechas da Buloke coravam e desviando o olhar tentava manter uma certa etiqueta para não sair como mal educada.
— Q-Que isso, menina! Precisa não, relaxa!
— Eu vou trazer! Relaxa que não dá nada, não! Faço com maior carinho. Além do mais, é mó terapêutico, sabe? — O brilho dos olhos de Aiyra saltavam, fazendo Raissa abaixar a guarda.
— Hmmm... Com você falando assim, fica impossível de recusar...
— Eba!
"Ela está totalmente diferente, mano. Só que... ela fica ainda mais linda assim."
Um sorriso de satisfação surgia em Raissa.
— Fala, Raissa!
— Ah! — Tomava um susto por conta daquela voz que emergia do nada, se desequilibrando e caindo no chão.
— ...Beleza?
— Ivair! Você me deu um mega susto, de novo!
— Desculpa. Só vim dizer um "oi", calma.
— Grrrr... — No chão, Raissa ficava com a cara emburrecida fechando as mãos.
— Quem é essa aqui, Raissa? — Olhava Aiyra de cima abaixo com as mãos na cintura.
— Ah! Essa é a Aiyra. — Raissa levantava enquanto dava tapinhas na calça para limpar a poeira e apresentava a amiga, estendendo os braços — Aiyra, esse aqui é o Ivair, foi ele que me guiou pela escola ontem.
— Olá, Ivair. Prazer, cara.
— O prazer é todo meu... Pera ai, seu nome é qual mesmo?
— É Aiyra.
— Como se soletra?
— A - I - Y - R - A.
— Hm...
"Tenho a impressão de ter ouvido esse nome antes em algum lugar."
— Enfim, Ivair. Estava te procurando ontem depois da última aula, onde 'cê foi? — O garoto levantava a sobrancelha de surpresa após a pergunta curiosa da Buloke.
— Bom, eu fui... pro... ensaio da minha banda! Isso! Tinha que ir pro ensaio ontem organizar tudo certinho, como sou vocalista, não posso faltar.
— 'Cê tem uma banda?! — As duas garotas questionavam espantadas em uníssono.
— Tenho, sim. A gente está preparando um concerto pro Festival de Katharos que vai acontecer daqui a um mês!
— Uau! Que daora! — Raissa admirava o garoto com os olhos brilhando como estrelas.
— Que vocês duas acham de ir em um desses ensaios?
Naquele instante, Raissa e Aiyra trocaram olhares de euforia enquanto gritaram em uníssono com uma empolgação perceptível.
— Vamos!
Um sorriso de conforto imperava naquele rosto do jovem misterioso que amava mais do que tudo cantar e falar sobre sua banda, nada poderia atrapalhar aquele momento, até que...
— Ei, garoto! — Uma voz grave de um senhor de idade chamava a atenção de Ivair, que ao virar o corpo percebeu quem era... Ali estava, o conhecido diretor da escola, Samuel Fonesca. Numa feição séria e intimidadora mexendo nos seus óculos.
— Venha comigo até a diretoria agora.
"Como assim?"
— Sim, senhor. — Uma indiferença reinava nas feições do jovem que seguia como tivesse ciência que seria chamado.
— Ei! — Raissa interrompia a caminhada do jovem segurando no ombro dele. — O que aconteceu?
— Nada, fica tranquila. É rapidinho. — Continuava a caminhar deixando uma face preocupada na Buloke que percebia que o diretor não estava sozinho, alguém o acompanhava... Aquele rosto, aquela roupa... tinha a certeza que já viu mais cedo, aquele era...
"Raimundo! O que você e o diretor querem com o Ivair?"
***
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