No terceiro mês, Ishida tornou-se forte o bastante para mover até mesmo as maiores pedras dali. Nesse tempo ele também escalou montanhas, às vezes com apenas uma mão, além de ser introduzido aos custosos treinos de soco e chute. Ele deveria aplicar golpes em cerca de cem folhas agrupadas com seus punhos até elas rasgarem. Suas mãos chegavam a pulsar e sangrar de tanto que ele golpeava. Quando tornou-se capaz de rasgar as folhas em tempo hábil, passou a socar troncos de árvores com cordas amarradas. Após demonstrar que aguentava a dor, passou a golpear a madeira nua. O mesmo valeu para os treinos de perna.
“Não aguento mais, meus punhos estão doendo. Estão todos calejados.”
Ishida passava por dias difíceis. Ele não tinha tempo para comer a não ser de noite. Akane não deixava ele descansar um minuto sequer. Era um treino constante, mas que valeu a pena, pois o próprio garoto estava percebendo as mudanças em seu corpo. Estava ganhando músculos e ficando cada vez mais forte, porém, ainda não o suficiente para trivializar o arrasto das pedras. O garoto se valeu das cordas para arrastar as maiores, até que sobrou apenas uma. A gigantesca pedra central.
“Agora só falta essa maldita”, pensava ele, olhando para aquele monstro acinzentado depois que terminou de retirar todas as outras.
— Vamos embora, garoto. Amanhã tenta tirar ela.
— Certo — respondeu Ishida, cansado, suado e com as pernas e braços dormentes.
Eles seguiram até a casa de Kenjiro e no caminho um pouco de neve caiu sobre eles.
“Merda, estamos entrando no inverno. Os samurais virão a qualquer hora.”
— Não se preocupe, guri. Kenjiro dará um jeito.
“Eu espero.”
— Foi ele que te treinou? — perguntou o garoto, olhando para a palma de sua mão e vendo que ela já não era mais a mesma. Estava calejada. Parecia ser feita de rochas, tão duras que eram.
— Sim, e ele passou pelo mesmo treino. Um tal de Daruma uma vez passou por esse reino e o antigo rei o pediu para treinar seus homens.
— Espera, Kenjiro já serviu o reino?
— Ele já foi um guardião, garoto.
— Guardião? Aqueles que foram banidos do reino? Os protetores de Ezo?
— Sim, isso mesmo. E você está recebendo o mesmo treinamento deles.
“Caramba.”
— E quem é Daruma?
— Ninguém sabe, nem mesmo o rei sabia. Mas todos admiravam sua força e intelecto.
— Entendo.
“Daruma, esse parece ser uma pessoa muito interessante.”
Quando chegaram na casa, Kenjiro estava lá. Ele perguntou para o garoto:
— Você tá uma bosta hein.
— Peguei pesado com ele — disse Akane, rindo bem alto.
— Coitado dele. — falou Harumi, com uma expressão de dó. — Você quer comer alguma coisa?
— Sim, por favor.
Ishida jantou aquela noite na casa de Kenjiro e logo quando terminou avisou o pessoal que iria dar uma olhada em seu avô.
— É melhor estar aqui em dois dias — ordenou Akane.
Ao chegar em sua casa, o garoto entrou em silêncio e viu Kenshin ainda dormindo. Ele segurava em uma das mãos uma pequena cruz de madeira.
Quando Ishida se aproximou para ver melhor seu rosto, o velho sussurrou, ainda dormindo:
— Eu sei, Yuki, eu sei. Tenho que proteger ele.
“Yuki? Quem é ela?”
Ishida deitou em sua esteira e ficou pensativo antes de adormecer.
“Ele estava falando de mim?”, pensou, fechando os olhos e dormindo.
No outro dia, quando acordou, viu seu avô preparando comida na fogueira no centro da casa.
— Bom dia — disse Kenshin, mexendo na panela em cima do fogo.
Ishida se espreguiçou e disse:
— Bom dia.
— Fiquei feliz que tenha vindo me ver.
— Você está bem?
— Sim e você?
— Estou.
— Vejo que seu corpo mudou bastante. — Colocou sopa em uma tigela. — Está mais forte.
— Sim, os métodos do Kenjiro são bons. São pesados, mas bastante efetivos.
— Entendo. — Estendeu o braço, entregando a tigela. — Tome.
— Obrigado.
— Senti sua falta por aqui, mesmo você sendo tão quieto. — Riu levemente, enquanto preparava seu prato.
Ishida sorriu.
— Também senti a sua. — Deu um gole na sopa.
— Já conversou com seus amigos? — Sentou-se e começou a comer.
— Ainda não, pretendo fazer isso hoje.
— Entendi.
— Está muito boa a comida.
— Obrigado.
— E a plantação?
— Já terminamos de colher. Aquela chuva ajudou bastante.
— O que pretende fazer sobre o arroz? — Virou a tigela, bebendo toda a sopa. — Já tem um plano?
— Não, não consigo pensar em nada que resolva isso.
Quando Ishida iria retrucar seu avô, três toques foram dados na porta e uma voz desconhecida gritou:
— Kenshin! Os samurais chegaram!
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