Com os cotovelos apoiados sobre os papéis que estavam no meio dos diversos documentos, no qual, relatavam acerca da matrícula do garoto misterioso sem sobrenome, estava o diretor olhando fixamente para Ivair que aguardava curioso o que ouviria ali. Impaciente com a chamada que atrapalharia sua próxima aula depois do intervalo, uma pergunta desconfortável escapava:
— Tá bom, diretor. O que o senhor quer comigo assim do nada? — Mexendo-se um pouco para o lado com a cadeira executiva puxando uma foto da gaveta, o diretor respondia jogando ela na mesa.
— Eu quero que você me explique isso aqui!
Na fotografia que parecia ser de uma câmera de segurança do pátio a noite, tinha um encapuzado com brilhos nos dois olhos que ofuscavam sua identidade pra câmera. Porém, havia um círculo vermelho de uma caneta esferográfica que destacava um sutil detalhe... a pulseira que ele estava utilizando era a mesma do que de Ivair. Além do tom de pele dos dois serem o mesmo, aquela acusação era certeira, para o diretor não tinha como ser outra pessoa, isso fez ele adotar por hipótese um tom ameaçador para fazer o garoto se confessar logo.
— Olha só, vou ser bem franco contigo, moleque. Porque você atacou o Raimundo ontem? — A seriedade por trás do oculto por trás daqueles óculos era assustador, o Senhor Fonesca já carregava consigo o estresse dos gastos e prejuízo que teve com aquela parte importantíssima da escola, que ficou interditada pelos vestígios da árdua batalha que envolveu aquele campus, além disso, receber a descrição de Raimundo depois do estresse que teve com o responsável do Ivair e notar as semelhanças só concluía num sentimento de ferocidade nas duras palavras.
Escutando às escondidas por trás da porta do diretor, agachadas, Raissa e Aiyra arregalavam os olhos de surpresa quando ouviram o nome do garoto Buloke entendendo finalmente o porquê Raimundo estava junto do diretor antes deles seguirem caminhos diferentes.
— Como assim o Ivair envolvido no ataque ao meu irmão? Isso nem faz sentido! — Cochichava enrugando a testa, confusa.
— Pera, Raissa. Parece que ele vai falar alguma coisa. — Aiyra respondia dando um tapa no vento pra interromper, fazendo um círculo com as mãos para ouvir melhor a conversa entre os dois lá dentro.
— Eu ataquei porque é o que gente da laia dele merece.
A frieza na dura afirmação de Ivair espantava tanto o diretor quanto as duas garotas que incrédulas colocam a mão na boca de surpresa.
— Não esperava que vocês fossem tão sujos assim... Assim, vocês não ajudam a gente olhar pra vocês de forma diferente de como olhamos. — A decepção emergia daquele semblante que se mantia firme perante aquele jovem que se revelava repugnante.
— Eu duvido muito que mudaria, diretor... — Ivair levantava seu braço direito, apontando para a pulseira de fio de algodão que tinha uma espécime de coroa prata característica na ponta. — Porque muitos alunos daqui já me olharam torto só por causa disso aqui.
Ivair levanta, apoiando firmemente os braços na mesa enquanto olhava nos olhos do diretor com um olhar sangrento, completava: — ...Mesmo sem eu ainda não ter feito... nada!
— Isso ainda não justifica nada pra mim. — Respondia seriamente enquanto cruzava os braços para aquilo que considerava um "showzinho" daquele delinquente.
— É claro que não, diretor. Para vocês tudo é mil maravilhas, até porque o Deusinho de vocês é o amor, a misericórdia, o poder absoluto. — Num tom de cinismo retornava ao seu assento com os olhos fechados, até que os abria e sussurrava: — Mas não contam o que fazem as escondidas torturando e matando gente que não pensa igual....
— Já chega! — O grito era puramente de incômodo por Ivair ter cutucado numa ferida constante nos fiéis a Sândalo, até porque mesmo com discurso pacifista e acolhedor, esse povo já matou e ainda mata muito em nome de Deus. Após uma longa respirada para acalmar os nervos, estava claro para o diretor qual seria o próximo passo a fazer com aquele garoto, com isso, preparava para dizer sua decisão.
— Enfim, depois de você confessar seu crime... não tenho outra escolha...
***
Gritos de agitação seguiam ecoando por todos os cantos daquela quadra de futsal que foi o único ponto que não foi afetado pelo ataque de Paulo que ocorreu no dia anterior. Como não havia opção para outros tipos de atividade física na outra parte da escola que estava interditada devido aos danos, os alunos do terceiro ano estavam tendo aula livre de Educação Física na quadra, onde escolheram jogar "Queimada Fervente", uma nova modalidade de queimada onde os participantes poderiam canalizar os poderes das marcas da vontade para atacar os oponentes, algo restritamente permitido apenas para pessoas que tinham seus poderes despertados. A frente do grupo visivelmente dominante do lado esquerdo em contrapartida a única pessoa restante do lado direito da quadra, se preparava uma garota de pele bronzeada com os cabelos castanhos claro lisos trançados com dois fios soltos a frente, utilizava uma camisa e uma short de treino curto branco com uma listra azul, seus ombros e quadris eram mais largos do que a das outras meninas e como estava levemente agachada, sua pançinha ficava mais evidente, segurando a bola de vôlei na altura do peito com um olhar sedento por sangue com um sorriso de pura animação. Decidida, a garota joga a bola aos céus.
— Vai, Clarisse! Vai, Clarisse! Vai, Clarisse!
Os companheiros e companheiras de partida gritavam em uníssono expedindo energias positivas para aquele ataque ser bem sucedido. A garota então, colocava toda suas forças nas suas pernas gordinhas, porém, grossas já que treinava frequentemente e mantia uma rotina saudável por ser uma atleta. Decidida, a garota joga a bola aos céus, observando-a por um segundo com foco predominante em seus olhos âmbar brilhantes.
Dando um forte impulso enquanto carregava energia celeste em seu punho direito que era o predominante para acertar a bola em cheio, aquela era a sua habilidade, uma força de impacto capaz de deformar a realidade, os famosos "Mãos Flamejantes". Ao atingir certeiramente a esfera, em um tempo não perceptível a olho nu, a bola voava na velocidade da luz na barriga do garoto que só parava batendo as costas contra a parede, cuspindo enquanto caia no chão derrotado.
— Queimado. Tá fora. — Afirmava a garota saindo da posição de ataque para dar um soco na outra mão aberta dela, colocando a língua no canto da boca com uma postura clássica dela ao nocautear os inimigos nas suas disputas de boxe.
— Vencemos! — Puxado por aquele grito, milhares de outros sucediam junto de pulos e abraços pelo grupo do lado esquerdo ter vencido aquele embate.
Do lado de fora da quadra, observando pela grade junto com João, Raimundo olhava admirado com um brilho único que representava bem a aceleração de seus batimentos cardíacos e calor que o preenchia ao admirar aquela figura que nutria sentimentos internos.
— Ela é realmente incrível...
— E esquentadinha também. Não esqueça disso. — João puxava um deboche fazendo biquinho.
— É. Mas ela continua sendo incrível.
"Ele nem consegue disfarçar o quanto é caidinho pela Clarisse, será que ele ainda não percebeu que está deixando óbvio?"
— Mas voltando ao assunto, você não acha que o diretor foi meio imprudente, levando o moleque pra diretoria por conta de uma suspeita?
— Honestamente, eu não sei. Também não concordo muito com a forma dele de agir, mas minha parte eu fiz, dei a descrição do cara que me atacou ontem. O resto... não tem nada a ver comigo.
Um barulho de passos e uma agitação estranha chamou a atenção dos dois terceiranistas que logo viraram seus olhos para onde a mesma vinha. Quem causava aquele tumulto eram a irmã de Raimundo, Raissa, que pingava de suor com um semblante desesperado e atrás dela, estava uma desconhecida garota que Raimundo não conhecia, Aiyra.
— Irmã, está tudo bem com você?
— Raimundo, porque? Porque você acusou o Ivair?!
— Olha, Raissa. Eu só dei as informações pro diretor... Vai ficar tudo bem, relaxa.
— Raimundo! Ele acabou de ser expulso da escola!
"Como assim, expulso?"
Naquele momento, um turbilhão de possibilidades cercaram a mente de Raimundo, não cogitava o fato de que as coisas seriam resolvidas tão obviamente e aquele garoto era o mesmo cara que o atacou, isso era óbvio demais... Porém, se o diretor realmente estava certo, ele tinha apenas descoberto a verdade, então porque o desespero de Raissa?
Só tinha razão de uma coisa, ser salvo pelo pai e o Arthur no dia anterior não foi a total solução das dores de cabeça. Seus próximos dias seriam de suspeitas e questionamentos que obrigariam ele a tentar lidar melhor com a realidade, que não era tão simples quanto imaginava.
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