Quando Ishida olhou para Kotaro, ele havia sucumbido ao medo e dizia lentamente:
— Pai, não, não. Eu disse pra você não aceitar aquilo.
— Kotaro, o que está dizendo? O que seu pai fez?
— Estamos ferrados, Ishida, todos nós vamos morrer.
Ishida olhou para Yumi, a qual observava Kenshin com um olhar fixo e aterrorizante.
— Yumi?
— Por que estão tão tensos? — Perguntou o líder dos samurais, rindo. — Estou começando a sentir que vou precisar matar vocês.
Ishida enfiou sua mão entre o quimono e segurou sua faca improvisada, olhando o homem com ódio. Ele estava prestes a cometer a maior bobeira de sua vida.
“Eu não tenho escolha. Ainda não tenho forças para derrotar eles, mas não posso ficar parado. Definitivamente não posso!”
Ao atravessar as pessoas e dar um passo à frente de Kenshin, seu avô o segurou pelo braço e olhou-o seriamente, dizendo:
— Não faça nada.
Ishida nunca havia visto aquele olhar. Ele recobrou a postura e se manteve quieto, ao lado de seu avô.
Enquanto isso, a senhora misteriosa retirou seu capuz e todos puderam ver seu rosto, que apresentava um nariz enorme e diversas rugas na pele. Seu cabelo era branco e seus olhos castanhos. Em seguida, ela bateu seu cajado contra o chão e bradou:
— Venha a este mundo, cão infernal!
De repente, um portal negro se abriu em sua frente e saiu dele um cachorro com aparência aterrorizante. Ele não tinha pelo nem pele, estava na carne viva. Seu rosto era apenas ossos e uma corrente balançava em seu pescoço.
— Veja se eles esconderam alguma parte do arroz — pediu a feiticeira.
O cão latiu e saiu farejando todas as casas do vilarejo.
— Vão atrás dele! — ordenou o samurai.
A senhora e dois ashigarus acompanharam o cachorro. Enquanto isso, todos permaneceram ali, em choque.
— Se ele encontrar um pouco de arroz que seja, muitos de vocês morrerão aqui. Sem dó ou piedade — afirmou o líder.
Kenshin interrompeu e implorou:
— Senhor, não está vendo? Você já causou muita tristeza entre nós e ainda quer continuar isso? Por favor, deixe o arroz, um pouco que seja.
— Se vocês tivessem sido comportados, eu teria feito, mas não posso tolerar animais raivosos. Preciso mostrar que o rei manda aqui e vocês devem obedecê-lo, nem que custe suas próprias vidas.
— Mas!
— Chega, apenas fique quieto ou mato outra pessoa para aprender a calar a boca.
A senhora e os outros homens retornaram e um deles relatou:
— Senhor, em uma das casas havia um buraco no chão. Eles esconderam alguns sacos de arroz nele. Nós não sabemos de quem é, mas de fato eles mentiram. O que fará?
— Quem escondeu? — perguntou o samurai para a multidão. — Se responderem, matarei menos do que farei caso se calem. É melhor abrirem a boca se não quiserem um massacre.
“Kenjiro! Onde você está?! Por que não aparece?!”, pensava Ishida.
— Senhor — falou Kenshin — Tenha calma, vamos resolver isso de uma maneira tranquila, sem mortes. Afinal, todos somos de Ezo.
— Velhote, a situação da guerra não está nada boa. Acha mesmo que vamos ligar para o povo nesse momento?
Koda, abalado, saiu da multidão e se entregou:
— Fui eu… Eu arquitetei tudo e guardei em minha casa, em segredo. Ninguém aqui tem culpa de nada. Peço que tire somente a minha vida. Se for um homem de verdade, fará o que peço.
— Corajoso em dizer tais palavras, mas gostei de sua atitude. Não matarei todos como eu disse que faria, mas só tomar sua vida não bastará.
— Senhor, mas eu disse que foi só eu. Deixe-os em paz, eu imploro.
— Não farei o que pede, pois sua morte não será o suficiente para manter esses ratos em seus devidos lugares. Eu matarei cinco de vocês — Olhou para Kenshin. — Inclusive este senhor aqui que não cala a boca.
Todos entraram em estado de desespero e um camponês que perdeu a cabeça tentou deixar o local, mas um ashigaru percebeu e atirou em seu peito com o arcabuz, espalhando um cheiro de pólvora pelo local.
— Vai fugir não, espertinho — zombou o soldado.
— Um já foi — afirmou o líder, gargalhando.
“O que eu posso fazer, meu Deus? O que eu posso fazer? Eles são demônios, demônios!”, pensava Ishida, ficando maluco.
— Me empreste uma dessas. Não quero sujar minha espada — o líder dos samurais pediu o rifle de um de seus soldados, o qual arremessou a arma em sua direção.
Ao pegar o arcabuz, o tirano o observou para ver como funcionava e depois apontou para a cabeça de Koda.
Kotaro atravessou a multidão ao ver a cena, parando ao lado de Ishida. Ele caiu de joelhos e chorou, desesperado.
— Pai, eu não acredito nisso — lamentou. — Já não basta a mãe morrer e agora você vai me deixar também?
— Diga suas últimas palavras — pediu o samurai.
Koda olhou para seu filho e decretou seu fim, derramando lágrimas:
— Me perdoe, filho… — Simultaneamente, Kotaro gritava por seu pai. — Não!
Logo que Kotaro terminou de gritar, o som da arma explodindo foi escutado por todo o vilarejo e novamente sentiram o cheiro medonho da pólvora.
O corpo de Koda caiu sobre o chão, sem vida e o buraco em sua testa derramou muito sangue.
Todos ficaram traumatizados pois Koda era uma pessoa boa. Ele pagou com a vida por guardar um pouco de comida e tentar proteger a todos.
Até mesmo Ishida entrou em choque, pois a morte de Koda foi inesperada. Ao olhar para o lado, ele viu seu amigo perdido, como se estivesse vazio, sem consciência.
— Ei, Ishida — murmurou ele, de repente. — Você disse que não deixaria mais ninguém morrer.
Kotaro olhou para seu amigo com uma expressão assustadora e prosseguiu:
— Mas olhe ao redor, você não protegeu ninguém. Você não protegeu nem o meu pai…
Ao escutar tais palavras, Ishida abaixou a cabeça, apertou seus punhos e invocou Azaziel em seus pensamentos, cheio de ódio:
— Azaziel, você pode me escutar? Diga-me, você está aí?
Após alguns segundos, o demônio respondeu:
— Por que me chamas, garoto? Pensei que não precisasse de mim.
— Me empreste sua força.
— Por que eu deveria emprestar minha força para quem um dia recusou minha ajuda?
— O que você quer? Diga e eu faço agora.
— Tens certeza disso?
— Apenas salve essas pessoas.
— Seu pedido é uma ordem.
De repente, o braço esquerdo de Ishida começou a exalar um pouco de fumaça e a marca em sua mão ganhou um novo símbolo. Era um pequeno “A” em cima do sigilo demoníaco.
Após algum tempo, Ishida falou para o líder dos samurais:
— É melhor irem embora.
Ao escutar tais palavras e ver o braço do menino exalando fumaça, o líder foi em sua direção e desembainhou a espada, colocando-a no peito do garoto e dizendo:
— O que você disse? Ei! Olhe nos meus olhos quando estou falando!
Quando Ishida levantou a cabeça, ele exibiu olhos escarlates como sangue. Sua aparência estava totalmente moldada pelo ódio e raiva que sentia.
Uma pressão imensa se espalhou por toda a região. Até mesmo Kenjiro, que estava em sua casa, percebeu a alteração, concluindo que o garoto tinha usado novamente o recurso proibido.
Ishida respondeu o tirano, lentamente:
— É melhor irem embora ou eu matarei todos vocês.
A xamã, que observava a situação, usou suas habilidades e viu que uma aura imensa e assustadora situava-se ao redor do garoto.
— Ele… ele não é normal — afirmou ela, dominada pelo medo. — Aquela aura é de um demônio!
A velha, completamente aterrorizada, correu e deixou o vilarejo aos tropeços, devido ao pavor que sentiu do garoto.
— Corram, salvem suas vidas! — gritava ela, correndo para longe.
De repente, com uma das mãos, Ishida agarrou a lâmina em seu peito, fazendo o sangue escorrer. Assim que a primeira gota caiu no chão, uma energia avermelhada se formou na mão do garoto e percorreu toda a lâmina, entrando em contato com o samurai, o qual, em um piscar de olhos, se viu em um lugar misterioso, onde nem mesmo o garoto estava.
Era um local escuro e silencioso. Havia uma fumaça negra ao redor do homem, bloqueando quase toda sua visão. O que ele podia concluir era que estava nas profundezas de algum lugar rochoso.
“Que merda de lugar é esse?”, pensava ele, completamente perdido.
Após algum tempo, a voz de Azaziel se manifestou. Ele deu as boas-vindas:
— Olá senhor samurai, ou melhor, senhor Hiroki.
A fumaça em sua frente se dissipou e revelou um homem preso a um trono de pedra por correntes ardentes. Um de seus olhos era tapado pelas correntes e o outro era vermelho e tinha o mesmo símbolo da mão de Ishida. Ele possuía um longo cabelo loiro em um tom muito claro, quase branco. Usava uma sandália preta e vestia apenas uma saia marrom, no estilo grego antigo.
Suas mãos eram presas por um prego cada uma, que causavam sangramentos incessantes. Além disso, as correntes queimavam sua pele, mas ele não demonstrava dor alguma.
— Diga-me, tu sentes medo de mim?
O samurai entrou em desespero, dominado pela aparência aterrorizante de Azaziel.
— Quem é você? — perguntou ele, assustado.
— Você quis dizer, quem nós somos?
De repente, centenas de olhos vermelhos apareceram na fumaça atrás do demônio e em todo perímetro do local. O pânico se instalou ali e o pobre homem percebeu que de fato iria conhecer o inferno.
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