Com o medo dominando o samurai, Azaziel gargalhou e após alguns segundos ordenou:
— Hiroki… olhe para mim.
O homem observou o demônio, tremendo e suando frio. Apertou fortemente a empunhadura de sua espada e na tentativa de camuflar o medo, começou sua fala simulando audácia na voz:
— O que você…
— Sabe — interrompeu Azaziel — tu ages como se merecesses respeito, como se fosses um grande guerreiro. Realmente acreditas nisso?
— Eu… eu acredito! — respondeu, incerto.
— Tu te voluntariaste para coletar impostos em um vilarejo humilde. Deveria estar na guerra, covarde.
— Eu… eu não… — Foi interrompido por uma pressão esmagadora.
— Te dei permissão para falar, ser insignificante?
O samurai engoliu a saliva e suas pernas quase não se aguentavam mais em pé.
— Tu serves um rei covarde e vendido e isto faz de ti um grande verme.
“Como ele sabe da minha vida?!”
Após alguns segundos de silêncio com o homem tremendo sua espada, Azaziel respirou fundo e prosseguiu:
— Vejamos, o que devo fazer contigo?
— Eu posso fazer o que quiser se me deixar ir embora!
— Tu acreditas que tens algo a oferecer? — Sorriu. — Patético. Posso te matar agora e nada mudará, pois tua morte não é tristeza para ninguém.
O samurai embainhou sua espada, tentando demonstrar respeito.
— Eu posso sim! — afirmava, gesticulando. — Posso fazer sacrifícios ou qualquer outra coisa que te beneficie.
— Só me interessam sacrifícios valiosos. — De repente, duas correntes surgiram na fumaça atrás do homem e se enrolaram em seus pulsos. — Mesmo tua alma não supera o valor do lixo. Conheça o desespero.
— Não, espere! Eu faço o que você… — As correntes o puxaram, derrubando-o.
Enquanto era arrastado para a fumaça, Azaziel dizia:
— Confirme tuas palavras no fundo do abismo! Se tiveres algum valor, a escuridão irá revelá-lo. — Gargalhou.
O samurai foi arrastado enquanto implorava para ir embora daquele terrível lugar. Não via nada, era pura escuridão. Apenas escutava a risada de Azaziel se perdendo gradualmente e o som metálico das correntes o puxando com muita força.
Após alguns segundos sendo levado, foi colocado em uma sepultura. Através do tato, percebia-se que era feita de rochas. A tumba era espaçosa, pois os braços de Hiroki encontravam-se livres, mas a escuridão o impedia de confirmar qualquer detalhe do lugar onde o deixaram.
— Ei! Por favor! Não me deixe aqui! — implorava o homem, tentando se levantar, mas as correntes o impediam, atestando que estava preso.
Enquanto pedia desculpas pelo que fez para os moradores, escutava o som de uma tampa de pedra selando a abertura. O som causado pelo atrito era assustador. Ele sabia que estava sendo enterrado vivo, sem piedade alguma, da mesma maneira que havia tratado suas vítimas.
Quando o barulho se encerrou, restou apenas sua respiração ofegante. O vapor de sua boca era refletido pela tampa, voltando para seu rosto e criando uma sensação de calor.
O que mais assustava o homem era sentir a presença de mais pessoas, mas sem receber nenhuma resposta quando tentava perguntar por elas, o que o angustiava ainda mais.
— Isso não pode ser verdade — dizia desesperado. — Esse lugar, ele… ele não é real! Não tem como ser!
Com a falta de ar e o desespero tomando conta, o samurai perdeu a consciência. Quando finalmente acordou na esperança de ter vivenciado um sonho, percebeu que suas mãos já não estavam mais presas.
“As correntes sumiram.”
Em poucos segundos de alívio detectou um cheiro que revirou seu estômago, um cheiro extremamente forte e desagradável.
— Que merda… — Virou sua cabeça para o lado oposto, mas de nada adiantou, pois todas as direções exalavam o mesmo cheiro forte.
“Ainda estou aqui, como isso é possível? E de onde tá vindo esse cheiro de carne podre?”, pensava ele, pois abrir a boca era impossível.
Com o passar das horas ele se familiarizou com o cheiro do local e sua visão foi se acostumando com a escuridão, então ele pôde observar parcialmente o interior da sepultura.
“Tá muito apertado aqui. Preciso verificar as laterais e encontrar uma saída o mais depressa possível. Não estou aguentando minha armadura!”, pensava, sentindo muita fome, sede e calor.
Ao se arrastar para a direita com os braços abertos verificando o espaço, ele tocou algo que parecia ser um quimono.
— Ei, tem alguém aí? — Silêncio total — Você… você sabe onde estamos?
A pessoa não respondia, então ele se aproximou um pouco mais e quando se deu conta, percebeu ser um cadáver. Até mesmo sua decadente memória reconheceu a primeira vítima da vila que atacara, o senhor Gourou.
Assustado em ver aquele defunto, o samurai se arrastou para longe o mais rápido que pôde, voltando para o ponto inicial.
“O que ele tá fazendo aqui?! Que porcaria de lugar é esse?!”, se perguntava, suando e tremendo de tanto medo.
Com o passar dos dias sua fome só aumentava, junto do calor que sentia por estar utilizando uma armadura. Ele dormia e acordava repetidas vezes, pois seu corpo se encontrava no limite. A agonia era constante, principalmente por saber que sua companhia era uma de suas vítimas, cujo estado de decomposição ia avançando.
Implorou algumas vezes para que Azaziel o tirasse dali, mas não recebeu uma resposta sequer. Ele poderia verificar o outro lado da sepultura, mas o trauma que obteve na última tentativa de exploração roubou a pouca coragem que possuía. Além disso, o fedor era ainda mais forte naquela região.
— Eu preciso… — Fazia esforço para manter os olhos abertos. — Eu preciso sair daqui. Não aguento mais um minuto nesse maldito lugar.
Quando seu corpo estava no extremo, sofrendo de febre alta e calafrios intensos, ele teve pensamentos insanos onde considerou se canibalizar para matar sua fome.
— Eu preciso comer, eu preciso comer — delirava, imaginando diversos tipos de comidas. — Me dá! Isso… é uma ordem! Eu to… eu to com fome. Alguém, por favor, me dê comida… Eu não aguento mais. Eu preciso de algo para comer!
Ao olhar para sua mão esquerda, ele tentou retirar freneticamente a manopla que usava, mas era complicado sem o auxílio do outro braço.
Com muito esforço e insistência, babando de tanto desespero, ele conseguiu removê-la e rapidamente levou seu membro para a boca, mordendo-o como se fosse um animal selvagem. Enquanto a fome camuflava a dor que sentia, Hiroki comeu sua própria carne, chegando no abismo da degradação de sua frágil consciência.
“Eu ainda estou com fome! Por que ela não vai embora?! Fome, fome, ainda estou com fome!”, pensava consigo ao perceber que mesmo se alimentando, seu apetite não era saciado.
Continuou até chegar no pulso, até que seu corpo entrou em colapso devido ao exorbitante sangramento, fazendo-o desmaiar. Quando despertou, caiu em si, sentindo o impacto de suas ações bestiais anteriores. O medo novamente dominou sua psique e o samurai implorou para sair, mas novamente não foi correspondido pelo demônio.
Ele chorava como uma criança, pedindo perdão e rezando até mesmo para o deus cristão, mas nenhum sinal recebeu, afinal, ele nem sequer acreditava nele. Fazia por puro desespero de morrer ali, junto das pessoas que matara cruelmente.
— Meu Deus, meu Deus… — dizia, chorando enquanto as larvas necrófagas se aproximavam de sua ferida. — Por favor, me tire daqui! Eu, eu faço qualquer coisa!
Houve dias em que sentiu coceiras em diversas partes do corpo, as quais não podia alcançar com a mão. Surtava ao ponto de gritar e se debater. Teve momentos em que foi obrigado a utilizar até mesmo os ossos de seu membro devorado para eliminar aquela sensação infernal, causando uma dor agonizante.
— Maldição! — berrava a cada centímetro movido. — Alguém me tira daqui!
No decorrer de quase quatro semanas, o samurai já havia se alimentado de quase todo seu braço. Sua barba havia crescido e estava com uma aparência medonha devido ao sangue seco preso aos fios. Sua mente já não funcionava corretamente e a sensação de dor já se perdera no conjunto de delírios que permeavam sua consciência. Seus olhos mal abriam e suas únicas falas eram provenientes dos surtos psicóticos ou de pedidos para morrer, quando tinha consciência suficiente para se recordar de Azaziel, seu único ouvinte.
A tortura era eterna dentro da técnica que o demônio executou. Por mais que tentasse, Hiroki não conseguia morrer. Além disso, seu braço era periodicamente regenerado, para que o ato do canibalismo fosse horrivelmente revivido. “Eu só quero morrer”, pensava, desanimado e sem forças. Não tinha mais esperança de sair daquele tormento.
De repente ele ouviu um gemido, mas ignorou julgando ser apenas mais uma manifestação psicótica corriqueira. Porém, quando o mesmo som se repetiu várias vezes em sequência, Hiroki dirigiu sua atenção para a origem daquele barulho assustador.
— O quê?
Da escuridão surgiu Gourou se arrastando. Larvas percorriam o seu corpo e já haviam comido até mesmo os seus olhos. Uma de suas bochechas foi devorada e exibia sua mandíbula. Ele havia se transformado num morto-vivo.
Hiroki, vendo aquilo, foi tomado pelo desespero e se afastou rapidamente, apenas para se deparar com mais dois cadáveres animados vindo na direção contrária. Mesmo naquele no limite da demência, ele reconheceu Koda, o pai de Kotaro, acompanhado de um outro homem sem cabeça, aquele que tinha sido decapitado por sua espada.
Aterrorizado, Hiroki começou a implorar para que o tirassem dali. Pediu para Azaziel, para diversos deuses, para Hashem, mas não obteve resposta de nenhum deles. Chegou a conclusão de que sua vida não valia nada para ninguém. Ele seria devorado pelas pessoas que assassinou. Seus pecados foram cobrados por suas próprias vítimas.
“Pelo menos que agora eu realmente morra.”
Impossibilitado de sair, ele foi devorado brutalmente pelos cadáveres. Berrava e chorava de tanta dor que sentia. Não tiveram piedade alguma. Ele observou tudo até o último momento. Viu seu corpo se desfazer até o último pedaço de carne.
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