Quando sua consciência voltou para o mundo material, ele ainda segurava sua espada e Ishida ainda o encarava com seus olhos escarlates. O tempo não havia passado para as pessoas, apenas para Hiroki.
De repente, o samurai se urinou, seus olhos se desviaram e ele caiu de costas, tendo uma intensa convulsão. Babava incessantemente e contorcia seus músculos. Seu cérebro foi completamente destruído pelo terror que presenciou.
Ninguém ali presente entendeu o que aconteceu. Todos ficaram assustados, olhando uns para os outros tentando decifrar o ocorrido. Até mesmo os soldados não mexiam um dedo sequer, apenas se perguntavam o que havia acontecido com o líder.
— Ei cara… — dialogava um ashigaru, tremendo. — Vamos embora, a xamã diz a verdade. Não tem como ele ser normal.
— O que… o que ele fez com o chefe?
— Ele vai nos matar? — perguntou outro soldado.
— Eu… eu tenho uma família. Eu… eu não posso morrer aqui.
Sabendo que a presença deles resultaria em suas próprias mortes, foram se reunindo nas carroças para fugirem. O desespero foi tão grande que era cada um por si, subindo e se agarrando nos veículos do jeito que podiam.
Enquanto eles se decidiam, os moradores do vilarejo viram uma chance de se vingarem e foram correndo pegar ferramentas agrícolas para matá-los.
— Ei! Não vamos levar o chefe embora? — um dos samurais indagou.
— Se tiver coragem, vá! Eu não fico mais um minuto nesse maldito lugar! — respondeu outro subindo em um dos cavalos.
— Esquece. Que o vilarejo decida o que fazer — falou mais um, subindo na carroça e se segurando do jeito que podia.
Alguns ashigarus foram ousados e seguiram na direção de seu líder incapacitado com uma maca em mãos. Eles suavam frio e rezavam para que o garoto não atacasse. Até mesmo largaram suas armas para mostrar que não queriam batalhar.
Notando os moradores com desejos de vingança se aproximando, Kenshin entrou na frente, abrindo os braços e pedindo:
— Não! Por favor, parem! É inútil sujar suas mãos com o sangue deles! Mesmo que satisfaçam sua sede de sangue agora, haverá retaliação e seremos massacrados depois!
Elas pararam e abaixaram suas armas, pensativos, mas um deles disse revoltado:
— Você está louco? Olha o que fizeram! Nos humilharam, mataram nossos amigos e ainda levaram nossa comida! Está nos pedindo para ter piedade?!
Os soldados, observando que o velho estava ajudando, rapidamente colocaram Hiroki na maca e se organizaram para retirá-lo.
Enquanto isso, o céu estava se fechando e escurecendo, anunciando a chuva próxima. Ishida ficou parado enquanto as chamas negras surgiam em seus braços e queimavam suas bandagens. Ele sentia o poder da maldição fluindo através de seu corpo. Porém, não parecia ter autonomia sobre seus movimentos. Sua intenção era a de trucidar todos os estranhos ali mesmo, mas Azaziel parecia ter outras ideias.
“O que você fez?”, o jovem perguntou para o demônio, em sua mente. A resposta veio logo em seguida: “Apenas mostrei um pouco do que meu soberano Samyaza me ensinou… Um pouco do Naraka”.
“Não é só isso… Eu não consigo me mexer. Deixe-me eliminar todos eles”. Ishida estava com sede de sangue e ao mesmo tempo muito confuso. O que havia de tão importante naquelas vidas? A irritação do jovem divertiu o anjo caído.
“Não me interessa que você os mate agora. Só deixarei que se mova quando me convier.”
Ele gargalhou e cessou com o diálogo.
Quando estavam prontos para deixarem o local, os soldados rapidamente recuaram e gritaram para o grupo que se afastava:
— Ei! Esperem! Nós pegamos o chefe! Esperem!
A ordem foi obedecida e alguns soldados foram designados para ajudar. Hiroki foi pego e colocado em cima de uma das carroças.
Quando estavam indo embora, um deles falou:
— Mas e o resto do arroz? O que vamos fazer?
— Deixe lá. Não era muita coisa e ninguém vai ter coragem de ir, não é mesmo? — Olhou para os soldados aterrorizados pendurados na carroça. — É… ninguém vai.
O terror foi tão grande que mesmo em grande número eles fugiram. Nenhum deles teve coragem de enfrentar o garoto. Não houve um disparo sequer. Medo era o único sentimento presente entre eles.
“Soltarei sua coleira agora, cão”
Ao afirmar tais palavras, Azaziel cedeu o controle e Ishida sentiu que poderia finalmente utilizar sua fúria acumulada. Ele começou a caminhar em direção aos soldados.
— Vou matá-los mesmo assim.
— Ishida! — chamou seu avô. — Pare de usar a maldição agora! Isso vai te corromper! Esse não é você!
— Sem ela estaríamos mortos. Inclusive você, covarde. É nosso líder e não teve coragem para nada. — as palavras saíram automaticamente. Ele parecia ter esquecido que falava com a pessoa que mais amava.
Kenshin se aproximou e agarrou a mão esquerda de seu neto, levantando-a e dizendo cheio de raiva:
— Matar não resolve nada! O sangue que escorre em uma lâmina sempre será lembrado pelo homem que o fez. Nós não fomos feitos para tirar vidas.
Azaziel dizia na mente do garoto: “Mostre a ele a tua raiva, pois ele não merece teu respeito.”
Ao ser impedido de iniciar o massacre que desejava, Ishida esqueceu de seu objetivo anterior e fechou seu punho direito, ativando as chamas por completo. Imediatamente, assumiu uma postura para golpear seu avô.
— Chega de bobagens.
Ele socou Kenshin com toda a força que conseguiu reunir, a ponto de afundar o chão que o rodeava com o impacto de sua movimentação. Seu avô foi arremessado para longe com a força do ataque.
Ishida deu passos lentos até o homem caído, que se chocou com a expressão de ódio demonstrada por seu neto. Enquanto o garoto caminhava, os espectadores da cena sentiam medo e alguns até mesmo apertaram suas ferramentas temendo o descontrole do garoto.
Parando em frente ao seu avô, o jovem afirmou:
— Estou cansado de suas ações covardes. Todos nós podemos morrer por sua atitude fraca. Eu tenho vergonha de ser seu neto.
Lentamente a chuva caiu, tornando o clima ainda mais melancólico.
“Ishida…” foram as únicas palavras de Kenshin, o qual permaneceu deitado, sem forças para se levantar.
Ao verdadeiramente contemplar a cena e o que havia feito, o garoto se deu conta de que todos estavam assustados com sua presença. Ele observou seus braços flamejantes e examinou o novo símbolo em sua mão.
— Mamãe, o que ele é? — perguntou um menino assustado, tentando se esconder atrás de sua mãe.
— Pessoal! — Ishida estendeu a mão na direção deles. — Se acalmem, eu… eu não sou o que estão pensando. — sua consciência estava oscilando entre o ódio e a vergonha.
— Por favor, vá embora! Não queremos mais problemas. Olhe ao redor, já passamos por muita coisa! — pediu um homem segurando uma enxada.
“Mas eu salvei eles. Por que estão com tanto medo de mim?”
O garoto observou Kotaro indo na direção do corpo de seu pai e se ajoelhando, derramando lágrimas.
— Kotaro…
Ishida se aproximou enquanto suas chamas se dissiparam e a chuva se intensificou. Quando estava prestes a dizer algo, seu amigo falou:
— Você poderia usar esse poder a qualquer momento, não é mesmo? — perguntou Kotaro, sem ao menos olhar no rosto de seu interlocutor que não conseguia falar nada. — Há. Pensei que fossemos amigos.
— Eu…
— Não consigo nem olhar em seus olhos. Por favor, me deixe sozinho.
Com as palavras duras de Kotaro, a maldição de Ishida adormeceu por completo, fazendo seus olhos voltarem ao normal. Quando se deu conta de que não era mais bem-vindo onde morava, caminhou traumatizado até a trilha de terra. Yumi chamou por ele, mas foi ignorada.
Em um silêncio angustiante, as pessoas ajudaram a retirar os corpos e depois voltaram para suas casas. Sentiam-se tristes pelo ocorrido e, ao mesmo tempo, raiva pelo líder da vila não ter feito nada. Todas fingiram que Kenshin não estava ali. Deixaram-no na chuva como se fosse outra vítima, porém, uma que ninguém se importava. Ele não tinha força e nem vontade para se levantar. Permaneceu pensativo enquanto a chuva escondia suas lágrimas.
“Yuki… Eu devo ser o pior pai e o pior avô deste mundo. Me desculpe… eu não cumpri a promessa.”
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