Tenho cozinhado durante trinta minutos enquanto tento não lembrar que Tanuki está no meu estômago, o que era uma missão impossível. Para minha surpresa, ele estava certo com o plano; não estou sentindo fome mais. Estou cozinhando com disposição e energia. Como é possível? É realmente incrível, mas só dessa vez. Não vou inventar de o engolir vivo só para ter que cozinhar em “paz”. Vou ter que comer na universidade, se possível.
Arroz, feijão e bife com cebola que comprei ontem. Eu sou do tipo que prefere focar em uma atividade quando em execução. Fico confuso em cozinhar e fazer outras tarefas ao mesmo tempo como limpar a casa, lavar a louça, passar roupa, estudar e por aí vai.
Sim! Não posso esquecer do chá, sagrado momento. Tanuki também ama chás e de conversar. Falando nele, como vou bota-lo para fora? Já sinto a corda me puxar no pescoço com uma agonia absurda.
Tudo pronto. O cheiro estava saboroso e olhando para a comida dava água na boca. O bife com cebola é delicioso só pelo cheiro, o gosto melhor ainda. Como tudo estava feito, vou ao banheiro para me olhar no espelho e abria a boca para ver algum sinal dele.
– Tanuki? – tenho chamar ele. – Já fiz o almoço.
– Posso ficar mais um pouco?
– Nem pensar! – gritei. – O acordo foi eu cozinhar enquanto você engana o estômago.
– Está bem, está bem! Mantenha a boca aberta.
Literalmente mais estranho que nunca. Mantive a boca aberta como seria no dentista. Pensando duas vezes, acho que Tanuki amaria assistir um pouco dos dentes por uns segundos, um completo maluco. Afogado em pensamentos e teorias dessa situação que notei algo arranhar minha garganta por dentro, me deixando desconfortável. Rapidamente vejo algo sair da boca para o chão e crescendo, retornando ao seu estado natural. Dessa vez foi rápido, mas assustador. Fiquei muito surpreso que ele literalmente retornou como se nada aconteceu com ele porque o seu cheiro está horrível. Tive que tampar o nariz. Não sabia que o suco gástrico fosse tão fedorento com pelo molhado e saliva. Parecia um vira-lata merecendo um banho urgente se os perfumes puderem ajudar.
– Eu estava bem, Mestre. É um lugar confortável para ficar – um completo maluco dizendo como se fosse normal.
– Fala sério? – ainda com as mãos no nariz. – Seu cheiro está horrível. Você deve tomar banho.
Ele concordou já desamarrando a corda que segura seu short e abrindo as roupas. Acho estranho que ele não usa nada para cobrir a barriga e notei também que o seu short era um kimono amarrado nas pernas como se fosse um casaco. Ele lança o kimono e fica só de cueca. Do nariz, agora bloquear os olhos. Não estou preparado para ver um gordo pelado.
– Onde que fica o rio, Mestre?
Esquece! Ele ainda acha que mora no Japão, numa vila cheia de fazendas, casas com hortas, árvores nas trilhas, frutas e rio que abastece a cidade.
Tive que abrir os olhos, pegar pelo seu braço, puxar para dentro do box e pedir para tirar sua exótica cueca. Ele só responde balançando a cabeça, mas fez o que pediu. Liguei o chuveiro e a água veio fria assustando ele com gritos de pelo queimando. Para ele é uma descoberta que a água vem do grande objeto retangular ligado com cabos brancos. Ele tentou cobrir a cara da “cachoeira” sobre ele, mexendo agonizado seu corpo e ainda gritando. Até botei a mão na água e estava ficando quente.
Por favor! Ele estava no meu estômago. Lá é mais quente que o chuveiro.
Finalmente dei um banho nele. Só não tenho roupas que cabem nele e nem sei onde conseguiria com alguém se não na loja. Ele deve usar GG. Pego suas roupas e coloco no balde de roupa suja. É estranho dizer que suas roupas não cheiram mal ou suado; tudo parecia limpo e em perfeito estado para alguém que viveu trancado no vaso por anos. Bom, por enquanto, ele está cobrindo a parte com a toalha. Sobre as roupas, ele precisa de algo moderno se quiser sair do apartamento ao parque, mercado, caminhar, onde quer que vá.
Vamos deixar esses pensamentos para depois, Vanz. É hora de termos um almoço e o puxo para comer. Eu tinha colocado os pratos, talheres que são instrumentos bizarros para ele – garfo e faca – e a comida quente e pronta nas panelas: arroz, feijão, bife e uma boa salada – nem sei quantas vezes disse isso. Ele não parece confiante com a comida, mesmo o cheiro sendo delicioso – para mim. Sei que arroz ele come; é sagrado para eles, universal pelo mundo. O resto é só descobrindo.
– Sente-se.
Convido para sentar enquanto preparo o seu prato. O mais divertido é ver ele encarando os talheres com cara feia, confuso em como manusear e imaginando se ele vai gostar. Tento o ajudar mostrando como segura corretamente. É mais difícil ensinar e mostrar para um adulto, principalmente a um “jovem imorrível”. Quando eu me tornar pai já terei noção do difícil.
Tento guiar sua mão direita para pegar a comida e levar até a boca. Ele é destro, não é? Tremia tanto a mão que tive que segurar, mas conseguiu dar a primeira mordida começando com o clássico arroz. Olhava para a cara dele esperançoso que fosse gostar e ele mastigava com um sentimento de nojo ou “essa comida é estranha”. Pela sua cara, está difícil dizer se gostou ou não, mas não posso me culpar. Ele deve aprender a cultura do meu país e adaptar seus gostos já que não está mais na sua terra do Sol Nascente. Ele é um velho com cara de jovem e gordo; também não pode viver lembrando dos bons velhos tempos que morava na floresta com família e amigos comendo folhas, bambu, arroz, chá, o vento que sopra e por aí.
Admito que a parte do vento deve ser maravilhoso.
Ele engoliu a primeira garfada com uma cara fechada como que quem chupou limão, só que sem o azedo. Olhava para ele sem ideia do que falar. Só esperando a sua opinião, mas eu insisti.
– E então? O que achou?
Ele olhou para o prato e depois para mim, depois para o lugar, procurando palavras ou onde correr. Não tenho ideia do que ele pensa. Ele enchia a barriga de ar, me olhava e enfim responde:
– Está... um pouco... salgado – dava para ver que sua boca estava ainda mastigando e experimentando o grão de arroz de todos os ângulos. Eu esperava por outra resposta.
– Salgado? Eu devo ter colocado sal demais.
– Não! Está delicioso!
Seus olhos brilharam com um incrível brilho que fiquei assustado se iria me contaminar com fofura ou se as panelas ficariam vazias cedo. Mas minha resposta para ele foi um leve sorriso, aliviado que ele gostou e pode comer sem problemas.
– Quero mais arroz, Mestre – ele juntou suas mãos com uma palma.
– Espera aí! Você deve provar o feijão, a carne e a salada.
Ele olhou para a comida e todo o seu ânimo desapareceu rápido com o almoço a encarar; até os olhos perderam o brilho. Pelo menos, ele não reclamou. Tentou segurar o garfo como ensinei e tentou pegar o feijão com o arroz. Com dificuldade absurda, ele deu outra mordida, provando. Agora sua cara era a resposta de que não estava gostando. Eu não sei como descrever as comidas do Brasil, mas sei falar o que é salgado, amargo, doce e azedo. Às vezes pode ser o tempero que dá um gosto melhor na comida.
Paladar exótico é um saco.
– É estranho – ele respondeu engolindo.
– É normal. Com o tempo você acostuma e não tem opção. Você passou anos trancado dentro do vaso sem o que comer, beber e nem dormir confortável – afinal, é um bom ponto a pensar. – Você não sentiu fome durante esses anos?
– Não. Nem sede e nem sono.
Só sei que minha mente e sentidos pararam de responder quando disse a extraordinária frase.
– Sou imortal, mas não perco oportunidade de comer.
Eu estava com as mãos apoiadas na mesa, buscando respirar e tranquilizar a mente, o que estaria sendo uma tarefa difícil de fazer. O prato que preparei, os minutos que passei cozinhando, o cuidado que ele fez de entrar no meu estômago e agora recebo essa de não ter fome eterna. Afinal, sou o mestre dele e poderia estrangula-lo sem problema, não poderia?
Como que possuído por uma força de vingança, me aproximava com o rosto perto do dele e ordenava para comer tudo aquilo se não quisesse ter outras consequências comigo. Ele ficou com os olhos esbugalhados pela minha expressão e foi logo segurando o garfo para prosseguir com seu prato, mesmo não sabendo segurar um talher.
Eu não poderia ficar perdendo tempo querendo discutir com quem não teria problema de imortalidade. É melhor eu fazer o meu prato e almoçar enquanto auxilio ele e fico pensando nas vontades que tenho de estrangular ele.
Calma, Vanz! Não perca sua mente para homicídio justificável.
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