Depois da perda da paciência pela surpresa que ele é imortal, tento recuperar um pouco descansando no sofá depois do almoço e vendo se recebi mensagem no celular. Foi bom ver a cara do Tanuki reagindo às comidas exóticas de arroz acompanhado com nada que seja legume e peixe. Se na sua terra era onde o Sol vê o nascer, aqui só o anoitecer atrás das árvores. Pôr do Sol ainda é um cenário para admirar. Nada é perfeitamente doce morando com um louco japonês que está no meu lado só observando eu mexendo no celular. Por enquanto, meu pai me respondeu com consolações e que está rezando por mim. Sou grato por ter um maravilhoso pai que me cuidou quando nunca mais vi a mãe.
Tanuki mantinha os olhos fixados no aparelho com uma cara de confuso e curioso. De início, tentei me afastar dele se sua intenção era ler as mensagens, mas para alguém que disse cavalos de metal – não exatamente isso – ele desconfia do meu instrumento de comunicação. Ele pode achar que estou manuseando uma arma mágica, se eu tivesse criatividade para criar a cena.
– O que foi? – chamo a sua atenção. – Acho que nunca viu um celular.
– Esse é o nome da sua arma? – ele apontou com um desejo de saber de minhas habilidades, se eu tenho mesmo. – E como que manuseia isso?
– Primeiro, não é uma arma – corrijo mostrando o celular; – segundo, serve para conversar com pessoas que estão longes.
– Conversar com alguém longe? Como falar com espíritos?
– Não tanto – se seria uma boa ideia conversar com pessoas mortas. Não tenho mente nem coragem de imaginar. – Por exemplo, estou conversando com meu pai que mora em outra cidade.
Pela sua cara, está difícil descrever se está entendendo, impressionado ou entendeu nada.
– Tudo parece-me estranho, Mestre – surpreendente seu argumento!
– Para você é. Talvez você aprenda quando eu ensinar. Não é difícil.
Só respondendo isso foi razão para ele colocar as mãos nos meus ombros e me encarar com fascinante admiração.
– E o que mais você pode me ensinar?
– Calma lá! – tento empurrar ele longe de contatos físicos. – Não é fácil como você pensa. Afinal, você não precisa de tudo que eu uso.
– Como comer arroz e semente amarga todo dia?
– Fala do feijão? – ele confirma. – Não esse tipo de coisa. Digo que você não precisa celular para ter um monte de aplicativos se você não sabe metade deles. Talvez só telefonar quando necessário ou tirar fotos.
– Está bem, mas não estou entendendo onde você quer chegar – “nem eu”, pensei.
– É simples, Tanuki. Você é imortal. Não precisa comer, beber e nem dormir. Então por que gostaria de ter uma rede social, um vídeo game, namoro e aprender a fazer comida?
Apesar que a parte da comida será útil para mim. Ele para um pouco para pensar em tudo que disse, se realmente entendeu. Eu acho difícil explicar como nosso mundo funciona com e sem magia. Ele mesmo coça o saco por alguma necessidade. Não julgo por isso porque eu ajeito algumas vezes.
Bom, todos os homens, até onde eu sei.
Levanto do sofá espreguiçando meu corpo e olhando para ele. Acho engraçado sua cara como uma criança curiosa vendo algo grande se mexendo, principalmente se coloco meus olhos na marca da testa.
– Vou dar uma caminhada.
– Bom, Mestre! – ele levantou num breve pulo, segurando minhas mãos forte e balançando feliz. – Também vou.
– Não! Não pode!
Minha resposta foi direta sem pensar duas vezes, o que fez ele parecer frustrado. Fiquei mal com isso, mas não podia levar ele comigo, mesmo encolhido. Corrigindo:
– Não me leva a mal. Você ainda precisa de roupas para sair do apartamento e caminhar comigo, se você quiser.
A isso, ele suspirou aliviado, o que é um bom sinal. Afinal, a parte das roupas eu estou certo.
– Entendi, Mestre. Mas há algo que posso fazer?
– Por enquanto não. Eu irei ver se acho uma loja de roupas – e urgente porque não o quero usando minhas roupas e rasgando, ainda mais que não toma banho por anos e anos.
– Tudo bem, Mestre! Cuidarei do teu lar enquanto você sai.
Ele fez um movimento de sentido para mim, como se fosse de fato um soldado para o general. Eu ainda fico incomodado com a forma que ele me trata, ainda mais usando esse termo de autoridade que nada tenho. Queria muito que ele pudesse ir embora daqui, mas para onde? Mesmo tenho salvado minha vida, fico mantendo ele como se fosse um anjo da guarda e orando para que a paciência se derrama sobre mim.
Minutos depois, estou caminhando por algumas ruas para conhecer um pouco da cidade e não se esquecendo do caminho que pego caso eu me perca. Presto atenção nos pontos de referências, seja restaurantes, padarias, materiais de construção; loja de roupa está difícil por onde ando. Onde eu morava havia tantas opções, das mais bregas até de marca, incluindo Outlet. Talvez achando um bazar em algumas igrejas, casas ou alguém doando eu posso achar uma roupa adequada para o Tanuki. Ele deve vestir um GG disparado.
Penso nisso depois. Vejo umas ruas que decido adentrar. Algumas são ocupadas por carros e pedestres, sempre movimentando sem parar; outras são mais vazias. O que acho legal são becos que encontro. Becos sempre têm casa nos fundos, portas, quitinetes, grafites e muito mato, árvore e gente que cria jardins. Esse que entro é cheio de grafites. Geralmente vão até ao final da rua; quase ninguém entra por esses lugares achando serem perigosos ou perfeito esconderijo para ladrões. Eu tenho audácia de conhecer um, tentando não esquecer do caminho que vim. É um bom ponto de referência e não quero sair pedindo ajuda para o meu endereço.
Caminhando entre arbustos e mato, aprecio uns grafites desenhados, maioria interessantes. Alguns são imagens fofas, outras baseado em jogos, filmes, HQs e outras fontes. A variedade de criatividade é imensa. Eu mesmo encontro na frente um cara desenhando ou escrevendo alguma mensagem na parede ao mesmo tempo que cheiro algo ruim. Nunca senti esse cheiro. Cachorro morto nem fede desse jeito. Achei que veio do cara que eu vi, mas ele também sentiu o cheiro e olhou para mim na hora que eu tampava o nariz. Nem tentei olhar para ele porque poderia achar que eu soltei um pum e não seria agradável passar por essa fama, mesmo não sendo eu. Depois que passei por ele, olhei para trás e ele continuava me olhando, tendo certeza de que eu fui o causador do cheiro. Tanta foi a distração que uma explosão aconteceu exatamente na minha frente, me derrubando no chão com o impacto; a poeira se levantou muito e olhei para trás vendo o gato fugindo nas pressas quando aconteceu a bomba, me deixando só no beco. Eu achei que foi uma explosão, uma pegadinha do Ivolanda, mas a situação era pior. A fumaça de poeira foi alta e via claramente uma silhueta de um monstro impossível de descrever de primeira com um cheiro horroroso que agora desconfio da onde veio.
Se a explosão já tinha me deixado bastante assustado e sem palavras, pior foi eu ouvir no ar uma frase medonha com uma voz pesada e rouca pronunciando “carne fresca”. No primeiro momento entendi nada se queria me comer. Podia agora notar seu rosto enquanto a fumaça se dissipava mostrando uma grande e selvagem criatura. O pouco que descobria é a forte pele azul, cabelo e barba cinza, um par de chifres para frente com um anel em cada um e um corpo com muitos músculos parecendo um orc dos RPGs, principalmente essas roupas rasgadas. Agora o rosto é o foco: feio demais.
Queria levantar, mas nem sentia os músculos vivos e aqueles fortes olhos amarelos me encarando com um malicioso desejo em mente. Só o que queria era caminhar em paz e logo agora recebo uma oportunidade de “conhecer” um louco a mais. Seus passos tremem a terra para provar seu peso.
– Você! Finalmente encontrei!
– Por favor! Paz! – grito implorando apenas um dia. Ele estendeu a clave com espinhos sobre mim.
– Calado, descendente! – me abaixei apavorado com essa ordem e a voz forte, mas essa palavra foi um nó na garganta. O medo estava me engolindo, mas ainda insisti em conversar.
– Descendente? De quem?
– Não se faça de mentiroso. Você tem o sangue dos Kitsunes e posso cheirar bem.
Eu entendi agora: mais um maluco achando que sou uma criatura mágica ou mestre como Tanuki diz. Eu tentava abafar a situação, mesmo diante de uma fera enorme que pode muito bem esmagar meus ossos com seu pé. Ao menos, ele se demonstrou quieto ao meu pedido, abaixando a clave e fixando os olhos em mim com um súbito desejo de me matar; tento levantar devagar não pretendendo olhar para o corpo do gigante. Só queria não ter que testemunhar esse cheiro de esgoto dele, mas impossível.
Afinal, o que é que ele me chamou? Outro vocabulário japonês que não sei?
– Não sou isso que você me chamou ou o que for que me chame. Deve estar me confundindo com outro. Sou apenas um estudante de outra cidade e não sei de suas crenças.
Eu só podia ver a cara fechada dele como se meu argumento fosse nada, mas expliquei tudo que sei e tudo verdade. Ele se agachou, aproximou seu enorme nariz em mim e começou a me cheirar; queria eu saber da onde ele veio com esse cheiro de cachorro molhado ou cachorro molhado morto. Seu cheiro é forte, quase me puxando para dentro daquele buraco nojento. Seus grandes olhos me olharam com ferocidade e soltou um rugido na minha cara:
– Descendente!
Seu bafo foi forte o bastante para quebrar meu corpo e me virar para correr. Não queria ver nada atrás de mim por puro medo e nem queria mais pacificar a situação. Já vi que deu errado, então é melhor fugir. Até tentei, mas senti algo duro bater atrás de mim no chão, fazendo um terremoto e me fazendo tropeçar com a cara na grama. Quando tento me levantar, senti o peso da sua mão me segurando e pressionando contra a grama. Agora não tenho ar e nem energia para gritar e correr.
– Por favor! Para! Não quero morrer! – quase chorando por misericórdia e sentia pesar mais a mão.
– Agora carne fresca!
Se eu tive razões para ficar assustado com o dia que o ladrão invadiu meu apartamento, agora tenho fantásticos motivos. Meus olhos viam e imaginam não apenas a cena do massacre, mas todos os sonhos que tive serem esmagados em sangue e dor. Não pude acreditar que minha vida terminaria sendo comido ou o que seja por um monstro que nunca vi na vida. Tantos sonhos e projetos que estava fazendo, as amizades, meu pai... Tudo quebrado por uma criatura que me caçou como um animal e agora cortado por uma folha voando na minha frente. Não uma, mas duas, três, muitas. Eu ficava atônito com essas folhas voarem com o vento no beco com uma árvore longe de mim. Tentei erguer a cabeça para frente e estava vendo um guaxinim gordo de braços cruzados, achando ser um super-herói.
– Afasta-se do meu Mestre, Oni!
Comments (0)
See all