— Elliot, pelo amor dos deuses! Onde você esteve o dia todo? — Peter perguntou num tom baixo, um misto de raiva e preocupação.
— Desculpa, eu… Eu achei uma coisa ontem e queria investigar. Aí acabei me perdendo — ele deu de ombros.
— Ah, me erra! Se você tá mentindo pra mim é porque não pode me contar a verdade, então não vou te perguntar mais. Mas isso — ele deu um tapa na nuca do amigo — É por ter me deixado tão preocupado!
Elliot acariciou o lugar atingido, sorrindo fraco, sem saber se sentia mais dor no local ou apreço pela compreensão de Peter.
— Você teve sorte, voltou na hora do jantar. Vem, vamos voltar pro acampamento antes que seja tarde demais.
— Sim, senhor! — estava acostumado com a seriedade do amigo quando o assunto era estudo. Ele se concentrava demais e se esquecia de tudo o que não envolvesse o assunto. Sendo assim, apenas o seguiu em silêncio até o calor da fogueira e a segurança da turma.
Elliot não comeu muito durante o jantar, por estar saciado por causa do chá da tarde na casa de Lino. Peter estranhou, mas não questionou.
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De volta à barraca, Elliot não conseguia ficar quieto. Se mexia, girando o corpo de um lado para o outro no saco de dormir, sem ousar fechar os olhos.
— Elliot.
Ele se virou para encarar o amigo, que estava quieto olhando para o teto da barraca.
— Sim?
— Pelo amor, para de se mexer.
O garoto congelou na posição, envergonhado e sentindo-se culpado. Voltou a virar o corpo devagar, deitando-se para o lado oposto ao que Peter estava. Sentiu a ansiedade corroer seu interior aos poucos durante a noite enquanto não conseguia dormir, animado demais para a festa que aconteceria na madrugada seguinte.
Mas, quanto mais pensava nela, mais triste ficava. Não queria ir embora.
Tanto não queria ir embora que se viu mais uma vez na Floresta, entre as árvores tão lindas da área do Fio Vermelho. Ao olhar ao redor, percebeu Lino, Gael e Rey com chapéus de festa, sorrindo e dançando, então tocou a própria cabeça, percebendo que ele também usava um acessório daquele. Com um sorriso, olhou para trás, vendo o grande cogumelo branco, azul e cinza, que reconheceu ser a casa do lusante, com a porta aberta. Andando em sua direção, foi capaz de ver um bolo enfeitado em cima da mesa da sala de estar. Ia tocá-lo, mas assim que estendeu a mão, ele sumiu. Como fumaça, tudo à sua volta se dissipou mais uma vez, como era costume em seus sonhos.
Tudo era breu. Não havia qualquer sinal de iluminação no lugar onde estava, e, com a cegueira induzida, seus outros sentidos se aguçaram. Assim, ele era capaz de escutar em alto e bom tom os sons dos conhecidos aparelhos hospitalares.
— Elliot…
Era uma voz conhecida que dizia seu nome. Uma voz doce, mas não tanto quanto a de sua mãe…
— Elliot! — ele acordou num susto, quase batendo a cabeça na de Peter, que o chamava preocupado — Você tá bem?
Ele ainda estava meio zonzo, tonto e com dor nos olhos por conta da claridade.
— O que foi? O que aconteceu? — ele perguntou devagar, escondendo os olhos com a mão.
— Você parecia angustiado, tava tremendo e com a respiração ofegante…
Peter o ajudou a se sentar no saco de dormir, segurando suas costas. Ele bocejou, se espreguiçou e então tocou a própria testa, descobrindo que suava frio. Ao encarar o amigo, percebeu seu olhar apreensivo. Ambos seguraram a vontade de falar algo, no entanto, e apenas se levantaram em silêncio para se juntarem ao resto da turma no café da manhã.
O clima entre os dois amigos era estranho quando voltaram à Floresta. Ambos queriam falar alguma coisa, mas não sabiam como expressar os próprios sentimentos. Depois de muito andarem sem qualquer conversa, Peter foi o primeiro a criar coragem e dizer o que tanto pensava:
— Elliot… Você sabe que pode conversar comigo, não sabe?
A pergunta pegou o garoto de surpresa, deixando-o sem palavras.
— Eu sei que tem alguma coisa acontecendo. Você não precisa esconder isso, não precisa lidar com isso sozinho se não quiser… — eles não se encaravam enquanto conversavam, apenas continuavam caminhando pela Floresta — Eu sou seu amigo e me preocupo com você. Você pode contar comigo pra tudo o que for, você sabe disso, certo?
— Eu… — Elliot parou de andar, fazendo Peter parar também — Eu…
Uma lágrima fina escorreu pelo rosto de Elliot ao se lembrar da conversa com Rey. Peter percebeu, e, preocupado, o abraçou com força.
— Pode me contar quando estiver pronto, não vou te forçar a fazer isso.
Eles se afastaram um pouco para poderem olhar um para o outro, mas sem terminar o abraço.
— Obrigado, Peter. De verdade. — o mencionado sorriu e apertou o abraço novamente antes de se separarem e voltarem ao trabalho.
Depois de muito caminharem, encontraram um pequeno riacho. Cansados e com as pernas doendo, sentaram-se nas pedras em sua margem, observando a àgua cristalina percorrer seu caminho com um brilho arroxeado.
— É a minha mãe — Elliot começou a dizer de repente, assustando Peter — Ela tá no hospital há meses e não tem previsão de melhora. Os médicos estão estudando sua condição para tentarem encontrar uma cura, mas a doença que ela tem é muito rara. Ela ataca os órgãos internos um a um, bem devagar… Quando descobrimos que ela estava doente, o problema já tinha consumido boa parte dos seus pulmões — Peter escutava tudo atentamente, em silêncio para não atrapalhar — Quando começaram os primeiros sintomas, achamos que era apenas uma crise do problema respiratório que nós já sabíamos que ela tinha. Mas não era, e nós percebemos isso tarde demais.
Ele não impedia mais o pranto, apenas deixava as lágrimas rolarem por suas fofas bochechas enquanto continuava a observar os pequenos peixes no riacho.
— E seu pai? Como ele ficou com isso? — Peter questionou finalmente.
— Eu nunca tive pai — Elliot continou com a voz trêmula — Fui adotado quando bebê pelas minhas duas mães. Abby e Lexia. Quando Abby foi parar no hospital, Lexia não aguentou. Ela não conseguiu lidar com a responsabilidade de cuidar da mamãe e de mim, então ela foi embora. Ela nos abandonou no nosso pior momento. Ela me deixou sozinho cuidando da Abby quando eu mais precisei de apoio. Ela simplesmente se foi.
Peter estava chocado. Não tinha ideia do que dizer, então apenas colocou a mão no ombro do amigo, demonstrando apoio.
— Por favor, não me abandona igual minha mãe fez — Elliot agora chorava compulsivamente, com o rosto escondido entre as mãos.
— Nunca, Elliot, eu nunca vou te deixar! O que te faz pensar isso? Eu vou sempre estar aqui pra você, vou sempre estar ao seu lado. E você sabe que meus pais, a Sammy e a Lili te amam, você é e sempre será bem-vindo na nossa casa. Você pode sempre contar com a gente, Elliot, nós vamos te ajudar!
O garoto que chorava apenas o encarou em silêncio, limpou o rosto com as costas da mão e o abraçou com força. E ele não precisava dizer uma única palavra para que Peter soubesse que aquele abraço significava um grande agradecimento.
Após algum tempo descansando, os dois amigos finalmente se levantaram para continuarem suas pesquisas, explorando por mais um bom tempo até que pudessem perceber o céu tomando uma coloração mais avermelhada, indicando o pôr de Yiaft, seu sol. Quando finalmente decidiram parar e voltar para o acampamento, Elliot sentiu algo em sua calça vibrar.
— Pera aí, Peter — ele chamou, fazendo o amigo parar de andar e olhar para trás, o encarando com curiosidade no olhar.
Quando tirou o dispositivo do bolso e tocou em sua tela, o holograma de um homem se fez visível e o som de uma voz um tanto aguda invadiu o lugar.
“Senhor Elliot Nolle, falo do hospital Griffin Cêntero. Sou o enfermeiro Zac Davys e estou encarregado dos cuidados da senhora Abby Hael Nolle, quem presumo ser sua mãe. Como seu contato é o primeiro na lista da paciente, ligo para informar uma piora em seu caso: ela teve uma parada respiratória breve, embora severa, e se encontra inconsciente. Estamos fazendo o possível para cuidar dela e, apesar de ter havido uma piora, sua condição agora está estável.” A expressão do homem era séria e sua postura estava ereta, ele passava um ar de profissionalismo. “A última palavra que a senhora Abby disse antes de perder a consciência foi seu nome, Elliot. Assumo que ela almeje sua presença.”
Os dois amigos, imóveis em choque, observaram o corpo holográfico fazer uma reverência antes de sumir, deixando para trás apenas silêncio.
— Elliot…
— Eu preciso ver ela — ele disse sério, num tom decidido.
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