Essa tarde está sendo um medo misturado com tédio. Depois da raposa ter aparecido com conselhos que em nada ajudaram, estou com a cabeça pesada de pensamentos que fico andando ansioso pelo apartamento esperando o atrasado do Tanuki. Parece até que ele ama chegar em momentos de perigo. Dentro desse apartamento, tenho duas escolhas: ficar esperando ou sair para algum lugar, que foi que eu fiz.
Não estou com cabeça para ler e qualquer outro Yokai pode aparecer. Melhor eu procurar pelas roupas do Tanuki e aproveitar para conhecer a cidade de novo, mesmo que andando. Não deve ter uma loja ou uma feira distante daqui e não quero sair com um gordo com um colar maior que os seus ombros. Eu achava que japoneses tivessem um bom gosto de vestimenta; talvez só para comida e música.
Ruas movimentadas é sinal que estou seguro. O Yokai teria que se expor ao público se quiser me capturar. A polícia poderia vir ao meu socorro sem dificuldade e a mídia cairia em cima das criaturas – e de mim. Há avenidas com muitas lojas, mas procuro as de grandes estabelecimentos como Riachuelo ou C&A. Deve haver uma delas.
Vinte minutos andando foi bom o bastante para tirar o estresse que senti. Conhecendo melhor a cidade que passarei anos morando, de parque ainda só vi um e é aonde moro, mas lojas e estabelecimentos têm até demais. Finalmente encontrei uma de roupa após virar umas ruas, cruzando a pista movimentada e me encontrando com a velha Riachuelo. Geralmente eles são baratos dependendo da temporada de moda. Espero achar algo útil.
Olhando ao redor, sinto-me seguro que ninguém me seguiu. Entro na loja e na entrada já vejo um painel indicando os caminhos para cada gênero de roupas. Meu lado é para direita e rezo que nenhum atendente me ofereça para criar cartão de crédito da loja. Até que a loja é bem dividida onde há sessão de roupas sociais, polo, sungas e por aí. Morando na cidade que há praia ou lago, é mais que comum ter essas peças. Por enquanto, tenho que manter em mente de procurar uma camisa GG para o Tanuki. Eu sou ruim com tamanhos, mas dele não preciso perguntar.
– Boa tarde – alguém fala atrás de mim e virei no susto. É uma macaca de elegante dread caído nos ombros. Espero que ela não me ofereça o cartão, mas pude respirar aliviado que não era um Yokai. – Já foi atendido?
– Não. Procurando por roupas para um amigo meu.
– Ah, sim! Sabe quanto ele veste?
Tento simular o tamanho da pança do Tanuki. Ela deve ter entendido que ele é gordo e pediu para a seguir, cruzando alguns cabides enquanto explica a moda atual e seus gostos. Acho que Tanuki deve preferir roupas folgadas.
Enquanto eu explico, ela me mostra suas peças, cores, tecidos e até os combos. Há muita opção de peças, mas quase nada de GG. Vou tentar pegar o mais barato para comprar outras depois de meses. Meu pai que não pode saber que estou usando o cartão de crédito para ajudar os outros.
Enquanto ela fala das modas e o que seria bom para ele, aproveito para olhar ao redor. Tudo parece bem, mas senti um vento frio correr na minha espinha. Foi um arrepio repentino. Acho que estou ansioso de novo.
– Seu amigo gosta desse estilo?
A macaca me mostrou duas camisas, uma com a estampa do oceano e outra de mangas longas com um forte amarelo que queima meus olhos. Presto atenção nessas roupas e olho para os cabides vendo se havia outros modelos. Tanta roupa e ela me apresenta as mais chamativas e feias.
– Uma camisa regata seria bom para ele que gosta de caminhar.
– Essa pode servir nele – ela levanta a primeira. – Ele caminha todos os dias?
Concordei supondo que sim. A macaca fez uma careta sorrindo, talvez perguntando como Tanuki é gordo caminhando todo dia. É uma boa pergunta, apesar que para um obeso é difícil.
Obeso não; imortal. Lembrando que ele ficou mais de dois mil anos dentro do vaso. Então nada é estranho.
Eu ri tentando não perder o foco e decidir rápido. Essa camisa está na lista. Queria ter certeza que Tanuki vai gostar de usá-las sem precisar encolher.
O tempo que eu checava as roupas enquanto ela auxilia, também olho ao redor só para ver o movimento. Meu coração sente um tiquinho de pressa. Queria retornar ao meu conforto até o Tanuki chegar. Estou vendo com a macaca qual short será adequado para ele, o que não foi uma tarefa nada difícil. Selecionando um que deve ficar bom, ela me direcionou com sorriso delicado ao caixa enquanto eu olho ao redor e tem um cara encapuzado de casaco branco cobrindo até as mãos. Ele fala com uma atendente, mas seus olhos não estão focados nela. Senti um frio vir, mas melhor seguir para o caixa. Ainda bem que a macaca me chamou.
Chegando lá, tenho que encarar uma fila grande e ela disse para esperar minha vez agradecendo pelo meu carinho em recebe-la. Em contribuição, ela me oferece para criar um cartão onde recuso tímido com sorriso sincero. Esqueci dessa de cartão.
Até que foi rápido. Momento que estou no caixa para passar as roupas, ela fala algumas coisas de cartão e promoções que não estão nos meus planos. Minha cabeça não está boa para planos e propostas. Tento ser educado quanto a isso.
A fila atrás volta a crescer enquanto passo o cartão do meu pai no crédito. Vejo dois policiais entrarem e interrogarem o sujeito encapuzado. A cara escondida não me era um problema, mesmo sendo suspeito; a verdadeira curiosidade é por que cobrir as mãos. Nunca vi mangas tão longas como essas. O caixa chamou minha atenção para digitar a senha e confirmar o pagamento. Feito o passo, pareceu que depois disso um “boom” de excitação explodiu.
Errado da minha parte! É invasão.
Quando eu e a fila olhamos para ver a origem do som, vimos um policial avançar com seu cassetete. O suspeito levantou o braço para defender da pancada e foi possível ver lâminas. Para minha insanidade, ele usava longas lâminas para defender e empurrar o policial para longe. O povo ficou assustado com o que foi visto. Pior que isso, o sujeito olhou para nós...
Nós? Para mim!
Posso ver seus olhos que são um verde escuro e o rosnar mostrando os dentes mais afiados que de um tubarão, mesmo de longe. Ele puxava suas mangas e uma coisa assustadora testemunhamos é que suas mãos ou os braços inteiros são lâminas curvadas. Por isso cobria as “mãos”.
– É você, Kitsune!
E claro que teria que ser para mim!
Todos olharam estranho com essa palavra fora do vocabulário, mas só eu senti os pelos arrepiarem. Peguei a sacola com as roupas devagar enquanto eu o assistia levantar os braços – lâminas, perdão – e fazer um brusco movimento em xis na nossa direção onde um tufão invadiu, lançando nossos cabelos para trás e jogando roupas e objetos como se fossem papéis.
Não devo explicar que o povo começou a gritar em desespero. Começamos a correr com roupas e tudo até a saída que estava ao nosso alcance. Senti outro tufão vir forte na nossa direção e me empurrando com violência, rolando debaixo de cabides e roupas.
Onde está Tanuki quando preciso dele?
Ouço gritos e passos de gente correndo. Dessa vez não me machuquei com esse vento forte e posso levantar de boa, mesmo sabendo que o real problema não é saber se estou bem, e, sim, que meu stalker está me seguindo. Quando me levanto e olho para trás, ele vem devagar com as notáveis lâminas nas mãos – ou braços, não sei; até seus pés têm pontas de lâminas. Seu pelo é castanho claro e vestia normalmente.
– Você é um Yokai? – questiono segurando a sacola enquanto as pessoas fogem da sua fúria. Bom que elas estão seguras; eu que me lasco.
– Sim e caço seu sangue há dias.
O que não é novidade para mim. Sei que ele quer me comer, mas cortado em pedaços, imagino. Ele vem aumentando a velocidade a cada passo. O máximo que fiz por instinto é pegar um casaco no cabide e jogar na cara dele quando abriu os braços para me “abraçar”. Esquivando das suas lâminas que cortavam o céu, me joguei para a esquerda enquanto ele tenta tirar o casaco da cara.
Percebi que Yokais têm fraquezas também. Se sua vantagem vem das lâminas, a desvantagem é não poder pegar objetos simples.
Foi o tempo que corri pela loja e cruzava por muitos cabides que ele derrubou. Ele parece mais perigoso que os Onis; diferente dos demônios, esse tem poderes e muito forte.
Corro tentando evitar de olhar para trás. Acho que fazer isso só piora as coisas. Só que foi breve; senti um forte vento por trás me derrubar, deslizando e rolando. Novamente sou forçado a olhar para trás e ver ele andando com um desejo maluco de me fazer de sushi.
Estúpido tempo para piadas, Vanz!
– Finalmente a sós – ele comenta sem demonstrar sorriso. Não canta vitória cedo. – Você irá comigo.
Essa frase não me assusta mais; só a sua anatomia cortante. Eu me levantava e andava para trás devagar. Correr eu sei que ele investiria num outro furacão sobre mim. Por algum milagre, ele não reagiu quando me levantei, mas ele parou no meio e ficou imóvel. Eu estava com medo se aquilo era um tipo de truque, ainda mais olhando para os lados como se estivesse vindo alguém. Não havia quem pudesse me socorrer, mas ele rosnava desconfiado. A única coisa que eu estava sentindo era um silêncio pairar por segundos no ar e um vento suave bater em nós em espírito pacífico.
Pacífico... suave... estranho.
O monstro rosnou lançando seus braços à sua esquerda contra um cabide que levantou as roupas ao ar juntamente com as barras. Só dele ter mirado em outra direção dava para testemunhar a força do seu vento. Olhando para ele, não parecia contente e pior que prefiro não sair para não piorar as consequências. Ele se virou para trás e lançou outro golpe de vento sobre o cabide, acertando o monte de roupas, mas rosnando com mais raiva. Será que Tanuki estava aqui e distraindo ele? Só sei que o Yokai estava impaciente. Seus olhos escuros fitavam uma direção borbulhando de raiva até que pairaram sobre mim com um rosnado afiado. Eu me arrepiei só de olhar para ele.
– Apareça, tufão!
Ele não deu trégua. Ele avançou contra mim com os braços abertos e berrando contra quem estava o atrapalhando – que espero não ser eu. Dei muitos passos para trás e só o que poderia fazer era abaixar. Como que por um milagre, quando o monstro estava na distância para me abraçar, algo o empurrou tremendamente para trás que ele alcançou o outro lado da loja, arrebentando na parede. Foi um vento e tanto que pressenti. Abria os olhos devagar para enxergar quem me salvou, mas havia ninguém. Só via folhas de algumas árvores flutuarem no ar como que por graça da vida.
Levei alguns segundos para observar e dedurar que aquilo foi obra de Tanuki, mas ele não está aqui. Olho ao redor e vejo ninguém ao meu lado. Os olhos dos atendentes e dos clientes estavam mais centralizados ao Yokai que tentou me arrancar a carne do que a empatia que têm por mim. E o que eles poderiam fazer por mim? Nem eu sei. Até olhava ao redor de novo para procurar por Tanuki, mas parece que desapareceu. Ele salva e some. É um novo jeito dele.
– Você está bem? – alguém pergunta por trás de mim. Eu pensava que era o gordo, mas é um cavalo de pelagem marrom e corpo sarado.
– Espero que sim.
É a minha singela resposta, afinal de contas. Respiro ofegante perante uma situação tão desesperadora. Mesmo o Yokai fora de vista, sinto o mesmo pavor. Foi assustador ver as lâminas de tão grandes; devem ser afiadíssimas. Uma pilha de gente na entrada curiosa para ver o que aconteceu e os policiais se aproximando e vendo o suspeito, bandido, assassino – que seja – jogado no chão, talvez desmaiado. O tumulto estava fora de nosso alcance, o que é uma ótima oportunidade para sair daquele lugar e abandonar o ponto de atenção.
O cavalo aconselhou-me para afastar dali e ir para casa, o que aceitei com prazer. Não duvido das suas palavras porque sei bem o que passei essa semana. Faço o possível para ficar longe desse monstro. Na real, melhor é rezar e bater as pernas para voltar ao apartamento. Nem lembrei de agradecer ao homem que me aconselhou partir. Eu quero é fugir daquela situação com a sacola de roupas e não ser testemunha do que ocorreu. Imagina que um caso desse virar manchete de TV? Eu estaria mais morto que caçado!
Cruzo pelos cabides derrubados e procuro sair dali imediatamente enquanto questiono aonde Tanuki está.
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