— É bem simples — respondeu, já começando a se arrepender. — Terei a visão de novo. Aqui e agora.
— Bom, isso eu quero ver — respondeu o mago, voltando a sorrir. Provavelmente ele tinha entendido que era um blefe, ou só confiava que Hadria falharia. — Por favor, “Merlin”, nos elucide com seus dons proféticos e nos mostre a visão distópica do fim da magia que teve mais cedo.
O tom irônico de Cello já havia passado um pouco do limite, mas ninguém o repreenderia agora; todos estavam curiosos sobre a tentativa de Hadria de prever o futuro ali, diante deles.
A menina fechou os olhos e tentou se concentrar. Tinha consciência de que a encaravam naquele momento, e se esforçou para ignorar o fato, focando no silêncio do grande salão. Respirou fundo e, depois de alguns segundos, conseguiu se desligar da realidade, ficando mais atenta ao seu interior.
Sentiu o próprio fluxo de magia correr internamente, e tentou se lembrar da sensação que tivera pouco antes da visão. Ela estava sentada, tentando manifestar magia no ar, sem um pensamento específico em mente. Então, suas mãos tinham começado a formigar, e sua visão aparecido logo depois, projetando-se à sua frente. Bem natural, para falar a verdade.
Agora, porém, nada estava vindo. Era como nas outras vezes ao longo dos anos, simplesmente nada surgia. Sentiu um suor frio começando a escorrer de seu rosto, e tentou novamente se acalmar. Se cedesse ao desespero, com certeza não daria certo.
Concentrou-se mais uma vez, e deixou sua magia fluir de forma mais livre. Lembrou das orientações que recebera mais nova, quando estava aprendendo com outras famílias do Conselho sobre como usar seu poder de forma mais eficiente. Na época, quando haviam acabado de descobrir sua ancestralidade, todos estavam muito empolgados para ensiná-la e guiá-la. Era uma lembrança que trazia alegria, mas também lhe causava certo desconforto.
Então, a sensação de formigamento nas mãos veio.
Hadria precisou se concentrar muito para não se alegrar demais.
Deixou o fluxo da magia seguir, e sentiu a mesma coisa de antes: como se o tempo fosse palpável, e conversasse com ela.
Da primeira vez, Hadria tinha visto a imagem do grande salão do Conselho em chamas, e Draco estava rugindo no centro. Uma grande serpente mordia seu pescoço, e então ele caía, os olhos fechados.
Agora, a feiticeira abria os próprios olhos com um sorriso no rosto, esperando ter a mesma visão, e provar para os outros membros do Conselho que falava a verdade
Porém, não foi um dragão que viu dessa vez.
Foi uma mulher.
Tudo ocorrera tão rápido que a bruxa mal teve tempo de reagir. Em um instante, os magos do Conselho entravam pela porta e a ameaçavam. No outro, Diana os encarava estirados no chão, inconscientes. Antes que pudesse retornar ao seu corpo, o conglomerado havia usado a magia dos próprios homens contra eles mesmos, e derrotado um por um, totalizando três corpos.
— Como fez isso? — questionou, tentando não soar tão impressionada. Em seu estado comum, também conseguiria derrotá-los, mas não com tamanha facilidade.
— Existem limites do que eu posso fazer estando no seu corpo, principalmente sem você aqui dentro. Mas até eu posso lidar com isso, ainda mais em uma noite de lua cheia.
— Seus poderes têm ligação com a lua? — indagou Diana, prestes a iniciar uma segunda rodada de perguntas, mas ouviu passos no corredor se aproximando. Apressada, foi até seu corpo e sentiu uma força naturalmente puxá-la de volta. Piscou duas vezes, e estava no controle de novo. Sem sinal da “outra” aparecendo, nem mesmo em sua mente.
Sem tempo para suspirar com o alívio, se levantou e se preparou. Estava pronta para inventar uma desculpa, se a questionassem, ou derrotar outro mago, se fosse necessário.
Não estava pronta, porém, para ver o rosto familiar que apareceu na porta.
— E... quem seria essa? — inquiriu Helena, com uma expressão confusa. De fato, a essa altura, a maioria parecia mais ou menos convencida de que Hadria era capaz de usar seus poderes, talvez pela mesma sensação de conversa com o tempo que ela tinha. Porém, a visão projetada para eles era completamente diferente da que havia descrito, então ainda mantinham seus olhares desconfiados. Em vez de um dragão e uma serpente, era apenas o rosto de uma mulher irritada.
— Eu não entendo — respondeu a feiticeira, sendo honesta. Ela havia reconhecido o rosto rapidamente. Havia detalhes diferentes, como o cabelo e os olhos, mas conhecia aqueles traços. Apesar de tudo, jamais esqueceria o rosto de seu primeiro beijo.
O pensamento fez Hadria corar e perder a concentração. A visão se desfez, e um novo burburinho surgiu.
— Nós que não entendemos. Isso é completamente diferente do que você nos descreveu. — Cello parecia ter congelado por um instante, mas se recomposto e voltado aos seus questionamentos, apesar de um semblante um pouco mais sério. Ele é quem havia dado início à pauta “duvidar de Hadria”, para começo de conversa. — Responda à pergunta da Senhora Héleman: quem seria essa?
— Ela é... uma ex-colega de classe. Estudamos juntas na Escola de Magia.
A expressão de Cello ficou indecifrável por alguns instantes, até que seus olhos brilharam, como se um pensamento lhe tivesse ocorrido naquele momento.
— E o que ela tem a ver com o fim da magia? — questionou ele, voltando a sorrir com a própria provocação. Um milhão de pensamentos atropelavam a mente da herdeira de Merlin, mais do que alguns de ódio direcionados ao feiticeiro, mas não podia hesitar. Precisava dar uma resposta ao Conselho, mesmo que não tivesse muitas certezas.
— Talvez ela esteja conectada a tudo isso. Quem sabe ela seja a traidora. A causa do fim da magia e de tudo.
— Talvez? — ele indagou, triunfante. Sabia que estava com a vantagem de novo. Antes que a feiticeira pudesse responder, ele continuou. — Uma palavra engraçada que emana tanta incerteza. Não sabe por que a mulher apareceu em sua visão, mas alega ter visto um duvidoso futuro que indicaria o fim da magia. Talvez, senhorita Merlin, possamos desmarcar essa reunião enquanto ainda há tempo e fingir que nada aconteceu. Levamos como a euforia jovem em conseguir usar seus poderes pela primeira vez, e voltamos quando tivermos algo realmente pertinente a discutir, algo concreto e real. — As palavras de Cello eram certeiras e os outros do Conselho pareciam cada vez mais convencidos. É verdade que Hadria havia se desesperado e não se preparara tanto para apresentar a questão, mas agora se dava conta de que a urgência a convencera de algo improvável: que receberia apoio dos conselheiros meramente explicando a situação.
Se amaldiçoou por um instante por ter sido tão ingênua.
Era a primeira vez que ia tão longe, e possivelmente a última se não fizesse nada.
Por sorte, uma ideia lhe ocorreu.
Diana estava paralisada, encarando a mulher que estava diante dela na porta. Seu longo cabelo branco havia crescido ainda mais, e seus olhos pareciam maiores e mais brilhantes do que na última vez em que a vira. É claro, esperava por esse encontro, mas não naquele momento ou daquela forma.
— Hadria. — Foi tudo que conseguiu dizer, a voz falha.
Autoria: Pedro Peixoto
Revisão e preparação: Luisa Peixoto
Título tipografado: Pedro Peixoto
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