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Ligando sistemas
……….
Carregando……
……….
-E aí? Tá funcionando? - deu pra ouvir alguém cochichando
-Ainda não, fica quieta aí e espera. -outra pessoa respondeu de maneira ríspida, mas sem desgrudar os olhos da tela na qual uma quantidade bizarra de informações eram carregadas.
………..
……
…
Iniciando…
A androide, deitada na bancada ao lado dos monitores com uma pequena platéia, de umas 3 ou 4 pessoas, finalmente começou a se mover. O peito se expandia e retraía sutilmente como o de uma pessoa em sono profundo. Dava pra notar os olhos se movendo por baixo das pálpebras fechadas. Na pele clara, em contraste com o longo cabelo roxo e liso, alguns pequenos detalhes se acenderam, algumas luzes cor-de-rosa próximas às pequenas linhas que contornavam partes da pele artificial.
Decidiram no final das contas colocar orelhas felpudas num Andróide criado com intuito bélico. Eram da mesma cor do cabelo e elas se viraram de leve, tentando identificar os sons do ambiente repleto de computadores ligados e pessoas curiosas.
Finalmente a Andróide abriu os olhos, de Íris também cor-de-rosa na esclera preta. Alguém soltou um burburinho que foi rapidamente contido pela mão de uma segunda pessoa, tampando a boca da outra. Enquanto isso, o ser na mesa levantou a parte superior do corpo, ficando sentada enquanto olhava ao redor, até finalmente encarar de volta o pequeno grupo de pessoas que mal piscavam, observando-a.
Uma delas tomou a frente.Usava um jaleco, tinha o cabelo num coque meio desarrumado e usava óculos. Vinha já digitando várias coisas num holograma em forma de teclado, e arrastando outros hologramas pra lá e pra cá.
-Certo. O sistema foi iniciado… até agora parece estar tudo certo. - então se voltou pra criatura de cabelo roxo - Consegue me entender?
Ela acenou com a cabeça positivamente.
-Certo. Reconhecimento de fala, parece que tá ok- reparou que a Androide acompanhava seus movimentos - Sistema óptico parece que também ta ok. Agora vamos ver, diga seu nome.
-Como diabos eu vou saber? - respondeu com uma expressão confusa no rosto.
-Ok… a fala parece estar funcionando, assim como a musculatura facial…esplêndido! …. E ela tá me encarando… parece confusa… interessante.
-Mas eu tô con… - e foi interrompida várias vezes por uma bateria de testes pequenos pra saber se cada sisteminha e articulação estavam funcionando corretamente; foram uns longos minutos conferindo isso e aquilo até finalmente poder ficar de pé.
Ver finalmente o projeto que levou longos meses se levantar por conta própria, se mover e responder perguntas era fascinante. Ali dentro tinha uma pequena parte da equipe que tinha contribuído pra que aquilo desse certo, provavelmente pra não ser muito frustrante - ou preocupante - caso esse teste também falhasse. E ela era ENORME. Acabou que construíram uma mulher gigante de mais de dois metros de altura, isso sem contar aquelas orelhas triangulares e fofinhas no topo da cabeça. Era robusta, tinha um porte forte, musculoso e definido.
-Você vai testar mais alguma coisa em mim?
-Não.
-Onde eu estou? - então coçou a testa, olhando ao redor.
-A movimentação dela está SUPER orgânica, isso ta maravilhoso!
-ENTÃO QUERIDA, eu fiz uma pergunta! - estalava os dedos pra chamar a atenção da mulher. - Tô me sentindo uma atração de circo… - viu a moça esboçar outra expressão, de empolgação, e começar a soltar uma segunda análise - RESPONDE PRIMEIRO, dá seu chilique depois!
-Certo, certo. - ajeitou o óculos, botou uma mecha de cabelo atrás da orelha e limpou a garganta - você está no Cosmos… esse é o nome do nosso grupo. Pode me chamar de Nébula. Aqueles são Milky Way - apontou a garota que parecia ser a mais jovem do grupo, aparentava ter uns 16 anos e acenava desesperadamente com uma das mãos, usava chiquinhas e tinha o cabelo num degradê de salmão para laranja- aquele é o Hubble, - este só acenou com a cabeça, tinha a pele negra e o cabelo trançado e branco, com uma parte presa num coque alto - e aquela ali é a Chaos. - essa estava mais afastada, também usava um jaleco branco, tinha a cabeça raspada de um dos lados e o resto dos fios ruivos com mechas azuis estavam jogados para o outro lado. Não parecia muito contente ou animada, e não esboçou nenhuma reação ao ser apresentada - e você… nós… e mais uma penca de gente, nós fizemos você.
Nebula jogou no ar vários hologramas retangulares, cheios de diagramas, gráficos, imagens de planetas, construções espaciais, uma chuva de informações, dentre elas partes do projeto que compunham o projeto do Andróide que estava sentada ali na sua frente.
-Você é o projeto Singularidade. Seu nome é Oblivion.
-Meu nome não é nem um pouco amigável, hein? Eu fiquei com o apelido que sobrou?
Deu pra ouvir Milky segurando uma gargalhada, ali no cantinho.
-Por que não é pra ser, você é a nossa esperança!
-Eu… eu não teria esperança num herói chamado Oblivion, parece que ele vai sumir com o mal e com todo o resto
-…qual de vocês ficou responsável pela personalidade dela?
-Bom… você sabe muito bem quem foi- com esse comentário de Milky, deu pra ver Chaos abrir a porta e sair dali - Mas a gente usou um pouco da web pra inteligência artificial aprender coisas de jovens de 20 e poucos anos de idade. Isso inclui comunidades LGBTQIA +, uma boa parte de catálogos de streaming, comunidades saudáveis de jogos, quadrinhos...
-Vocês transformaram uma arma numa nerdola?
-Claro que não. Se fosse uma nerdola ela já teria ofendido umas 3 minorias e comido a sua mãe. A gente também botou a IA pra aprender história e agora ela provavelmente bateria em nazista e ancap sem nem pensar duas vezes
-Isso… isso é verdade. - Oblivion comentou, coçando o queixo. - Ancap nem é gente.
-Ta. Fica complicado ter uma conversa séria desse jeito - Nebula respirou fundo - Enfim, Oblivion. Seu objetivo aqui vai um pouco além de fazer piadinhas e assistir séries na Netflox.
-Mas tem a ver com meter porrada em burguês safado! - exclamou Milky Way
-CAHAM. - Nebula limpou a garganta e olhou Milky com uma certa desaprovação.
-Deixa ela falar; todos os argumentos da menina até agora tão me convencendo que eu sou foda, apesar do meu apelido ser horrível… - resmungou Oblivion
Nebula deu um tapinha na própria testa. O glorioso Projeto Singularidade estava funcionando, andando, falando e não tinha nada a ver com o que ela sempre sonhara: um super soldado sagaz e sério.
-Eu vou só resumir então, conversamos melhor sobre isso depois. -Mudou algumas imagens mostradas nos hologramas. Pessoas exaustas trabalhando, uma cidade gigantesca em órbita repleta de desigualdade, um grupo de pessoas pomposas desfrutando do bom e do melhor, apesar da qualidade de vida duvidosa mostrada em todos os outros painéis, um planeta devastado com águas imundas, o chão ressecado, escombros de construções destruídas por todo lado - Essa gente aqui.. -apontava pros rostos sorridentes, sentados em lugares amplos com uma belíssima vista para o espaço, com uma mesa farta de comes e bebes - é culpada por todo o resto estar na merda. Nós comemos comida em lata, ração. Todo trabalho que fazemos é pra que essa gente possa continuar usufruindo do bom e do melhor. E não é como se tivéssemos muita escolha quando se está vivendo e respirando por causa de uma base espacial que “eles construíram”. -Dava pra sentir o asco de Nebula nessa última frase. Tinha muita angústia presa naquele peito - Só que o buraco é muito mais embaixo. A gente quer poder viver com um mínimo de dignidade, eles têm muito enquanto todo o resto do povo não tem nada. Entende?
-Acho que sim… -respondeu Oblivion, olhando painel por painel com bastante atenção.
-É aí que você entra. Você vai ser a nossa arma secreta contra esse bando de almofadinhas sem vergonha.
-Hehe, eu não sei exatamente como fazer isso, mas já gostei! -deu um sorrisinho malicioso encarando a imagem dos cretinos sorridentes.
-Hubble. Tá aí quietinho, acho que eu terminei por hoje, acompanhe ela até o quarto, sim? Eu preciso fazer umas anotações por aqui. -Mal terminava de falar e já estava se sentando de frente para o computador.
-Tá bom. Vem comigo.. -Hubble falava baixo, apesar da voz grave. Oblivion ainda não sabia dizer se ele era mal-humorado ou tímido.
-UUH, eu tenho um quarto? -Oblivion se levantou, parecendo animada com a ideia de ter um quarto… sem ter muita certeza do que exatamente aquilo significava.
-Na verdade… era uma parte do laboratório, deram uma improvisada, agora é um lugar pequeno com uma …cama. Ou quase isso. Parece mais uma maca. Um computador pra ficar te monitorando e -Milky Way saiu andando atrás dos dois, tagarelando sobre o tal quarto.
-Nossa… não parece mais tão legal.
-É temporário. -Hubble comentou- Ainda precisamos fazer alguns testes antes de te deixar sair vagando livremente por aí.
-É uma cela. -Oblivion revirou os olhos- não é como se eu fosse explodir e matar todo mundo se alguma peça der defeito. Não é? -encarou Hubble e Milky Way. Os dois tinham feito uma expressão suspeita e desviado o olhar - A pronto. É sério isso!?
No caminho até seus “aposentos”, Oblivion viu a garota que estava com eles mais cedo, Chaos. Ela estava no fim do corredor enchendo uma caneca numa máquina que servia bebida quente e não deu muita bola quando eles passaram. Até tentou perguntar pra Hubble e Milky o por quê dela parecer tão azeda, mas eles só deram umas desculpas sobre deixar a história pra outra hora.
-Essa porcaria dessas paredes… vocês conseguem me ver do lado de fora, não é? Eu não sou trouxa. E se eu precisar me trocar ou ir ao banheiro?! -andava pelo seu pequeno quarto, dando toquinhos nas paredes opacas, que faziam um barulho oco. Aquilo parecia um quartinho estranho de hospital. A cama e uma série de monitores cobrindo uma parcela de uma das paredes.
-Você… Você não precisa usar o banheiro… -Hubble franziu a testa, como se fosse um absurdo ter que explicar aquilo pra um robô - e nem tem roupa pra trocar. E sim, dá pra te ver do lado de fora.
Oblivion olhou para aquela coisa preta e colada que vestia. Cobria todo o tronco e uma pequena porção das coxas, era como um maiô de natação com shortinho. Não tinha muito que discutir, só se sentou na tal cama, esperou aqueles dois conectarem cabos aqui e ali, no braço, atrás do pescoço, novas informações sendo transmitidas em uma das telas. Não tinha muito o que fazer além de ficar olhando o teto sem graça enquanto digeria a quantidade enorme de informações que tinha recebido desde o momento que abrira os olhos pela primeira vez.
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