Naturalmente, o resto do dia eu passei começando a ver qual o problema do motor do Foswell. Eu estava com uma das minhas roupas mais velhas, e não passou nem dez minutos, minhas mãos já estavam todas cheias de graxa. Tia May arrumou um banquinho e fez companhia pra mim do lado de fora na calçada. Ela gostava de dar um oi pra vizinhança de vez em quando, e acabou aproveitando a oportunidade enquanto nós conversávamos.
- E então, Peter, como estão as coisas aí? — Ela disse, sem olhar pra mim, dando um tchauzinho pra uma menininha.
- Olha… Ele não troca o óleo faz meses. E o pistão está completamente fora de mão, não sei como ele conseguiu fazer isso com esse carro, é como se ele estivesse usando uma van pra fazer corridas.
- Não sei por que você pensa isso, ele é jornalista.
- Realmente… Muito estranho — E logo depois, um monte de óleo espirrou na minha cara depois que retirei o pistão do tambor — O óleo tava entupido…
- Está tudo bem? — Ela ia se levantar
- Tá sim, pode ficar aí.
- Ok.
- Como estão meus antigos vizinhos favoritos? — Eu ouvi alguém familiar dizer. Era Mary Jane, nos fazendo uma visita.
- Mary! Como você está, minha querida? — Não precisei olhar pra saber que Tia May tinha dado um abraço nela.
- Eu estou ótima, Tia May. E eu fiquei sabendo que… — Ela entrou se aproximou no meio da rua, me procurando — Aí está você! Oi Peter, como andam as coisas?
- Oi Mary Jane! Eu iria aí te dar um abraço, mas você consegue ver minha situação aqui — Abri os braços, mostrando todo óleo e graxa no meu corpo
- Hahaha, sim, eu também prefiro manter uma distância dessa vez, apesar da gente não se ver desde o enterro do pai do Harry. De quem é essa van?
- É de um vizinho da Tia May, Frederick Foswell, e aparentemente meu colega de serviço. Ele é jornalista no Clarim.
- O nome não me é familiar, onde ele mora?
- Na casa à direita.
Na hora eu não percebi o que estava dizendo pra Mary Jane, foi o silêncio que veio depois que me fez perceber. Deu pra ouvir os passos dela indo pra frente com a tia de novo, ela tava olhando a casa, quieta.
- Sabe… Eu sinto falta de vocês, mas não sinto falta de morar aqui…
- Poxa, Mary Jane, desculpa, eu esqueci… — Falei.
- Não… Não Peter, tá tudo bem. Eu não vim falar do meu pai ou do jeito que ele me tratava. Não, eu tenho boas notícias!
- É mesmo? Quais?
- Eu vou fazer um teste pra protagonista de uma peça! Do centro!
- Isso é maravilhoso! — May levantou e deu outro abraço na Mary — Parabéns querida, qual a peça?
- Chama “A Importância da Diligência”. Estou estudando o papel há quase uma semana.
- Diligência? Essa é uma palavra muito culta — Tia May pegou na mão dela — Você sabe o que é ser diligente?
- Bom, ser honesta, ser direta e profissional ao fazer isso. Eu sempre achei um pouco difícil ser diligente. É um desafio pra mim como atriz. Você já se sentiu assim?
- Ser diligente é essencial não só nos nossos relacionamentos, como na nossa vida, querida. É fácil dizer que você vai se forçar a ser mais competente e uma profissional mais completa, mas fazer isso é outra realidade. Uma vez tive que ficar uma semana sozinha em casa, o Ben tinha ido a serviço em Nova Jersey, e naturalmente, comecei a fazer as tarefas de casa dele. Nós tínhamos o pequeno Pete pra cuidar, então eu tive trabalho dobrado nessa parte — Elas olharam pra mim e riram um pouco. Eu ri junto. — Tive que aprender como ser diligente. Como saber ser honesta comigo mesma e ter disciplina o suficiente pra aprender novas coisas. Veja como Peter está fazendo ali. Peter!
- Oi.
- Você já mexeu com um motor de carro antes?
- Não, nunca.
- Você está achando difícil?
- Um bocado.
- Você dá conta do recado?
- Tenho que dar.
- Entendeu?
- Ah, como eu vivo sem você, Tia? — A Mary Jane disse, dando um beijo nela — E você, tigrão. Você é o meu homem diligente.
Mary Jane se aproximou de mim, tirou um lenço do bolso, limpou minha bochecha e me deu um beijo também. Expliquei pra ela porque eu estava consertando o carro do Foswell e pouco tempo depois ela foi fazer uma visita pro pai dela. Eu não tinha consertado a van naquele dia, mas… Foi um bom progresso. Quando anoiteceu, e Tia May foi dormir, estava na hora do Amigo de Sempre começar a patrulha noturna. Mas não sem antes levar a câmera de Peter Parker, estava na hora de arrumar aquela exclusiva com o senhor Ricochete. Foi escutando um pouco da frequência da polícia que eu ouvi, uma ocorrência muito estranha em… Seaside Heights? Sério? Bom, eu tinha um longo caminho pra percorrer. Depois que eu atravessei a cidade e cheguei lá, muita coisa já tinha acontecido, porque eu vi várias lojas e construções bem devastadas.
Me aproximando de onde as pessoas estavam correndo, eu acabei encontrando algumas saindo de uma loja de conveniências, o nosso encrenqueiro estava lá. Eu entrei sem tentar fazer barulho, mas o sino da vendinha soou. Pra minha sorte, o caixa pulou do balcão e saiu correndo logo depois, mandando um “boa sorte amigo” pra mim. Eu me agachei e segui os sons dos passos de alguém, e me esgueirando no canto de uma prateleira, eu vi um homem alto, estatura enorme. Ele estava usando um collant, parecia do circo. Eu apareci por trás dele e disse.
- O palhaço quer a roupa de volta, amigo, ele disse que você estica muito.
- O que? — O homem gigante disse, me olhando de soslaio. A voz dele era alta e profunda.
- Bota os doces no chão, amigo — Eu tinha visto que ele estava com uma barra de chocolate na mão — Tá na hora de você dar uma palavrinha com uns amigos de azul meus.
Ele não chegou a me responder, apenas pegou uma das estantes como se fossem feitas de plástico e desceu na minha direção. Eu pulei pro lado, mas ele usou uma prateleira que sobrou da estante espatifada e me acertou, me atravessando por outra estante. Ele era bem forte, forte demais até pra alguém como ele. A última vez que eu enfrentei alguém como ele foi quando eu lutei pela última vez com o Duende. Tive que me levantar rápido, porque ele estava correndo na minha direção como um animal, e só quando eu me segurei no teto que ele passou de raspão pra me acertar. Ele acabou correndo pra fora da loja, o que me dava espaço o suficiente pra pular no teto do lado de fora.
- Amigo, não precisa se ofender, a roupa do palhaço fica bem em você.
- Cala a boca! — Ele disse, arrancando um poste um do chão.
- Opa…
Ele lançou o poste na minha direção, mas eu consegui virar o jogo ao meu favor, desviando do poste, grudando uma teia nele, revertendo a trajetória pra ir na direção do assaltante. Ele segurou com muita facilidade, mas não contava com meu ás na manga. O flash da minha câmera na ponta do poste acionou bem na hora, câmera que ele segurava bem na frente dele. O flash o cegou por alguns momentos, ele derrubou o poste no chão e eu pude fazer meu ataque de vantagem, soltando todas as minhas teias para amarrá-lo, em pouco tempo, o corpo dele estava todo coberto por elas, apenas a cabeça por fora.
- Muito bem, amigo, tenho algumas perguntas pra você — Disse
- Me solta, seu inseto!
- Só até você me dizer como você tem toda essa força? Onde você conseguiu ser assim?
- Não vou te dizer nada. Você já está começando a irritar o Chefão, logo ele vem atrás de você, então acho bom você ficar fora do nosso caminho.
- Espera… Quem eu to irritando? Nosso caminho? Quem tanto tá envolvido nisso? Tem mais alguém aqui com você? — Eu já comecei a olhar em volta, mas não senti nada.
- Não tem ninguém agora, mas logo vai ter!
Ele então rapidamente se soltou, rasgando minhas teias e amassando elas todas em uma grande bola. Uma bola que foi ficando cada vez maior quando eu tentava soltar mais teias pra prender ele de novo. Não deu muito certo, então pulei para tentar um confronto direto, mas ele lançou a bola em minha direção. Depois disso, eu to acordando no beco ao lado da loja, ao lado da bola que ele acertou bem em mim. Corri pra rua, ele tinha fugido. Não tinha mais nada que eu pudesse fazer além de pegar minha câmera e voltar pra casa, mas eu tinha algo que valia $500 pra levar pro Clarim amanhã.
- A oferta era pro Ricochete, não vou te dar 500 por isso, Parker — Jameson se coçava em sua nova cadeira acolchoada no escritório improvisado, tinham dito que era menor e mais confortável pra ele ali, mas ele não parecia nem um pouco confortável — Pago o de sempre por essas fotos.
- Essas fotos são exclusivas pra identificar o criminoso, e eu realmente preciso do dinheiro, Senhor Jameson.
- E eu preciso de uma exclusiva. Brant, o de sempre pro Parker! — Ele gritou no interfone pra ela — Mais alguma coisa, filho?
- Na verdade sim, se serve de alguma coisa, eu estava lá quando tirei essas fotos e aquele homem parecia ter algum tipo de…
- Super-força? Sim, o Foswell chegou lá como um foguete, relatos de testemunhas da área descreveram o que ele fez, clássicos sinais de super humano. Nunca prestam, esses super humanos!
- Chefe — Robbie Robertson se espremeu na sala comigo — Qual é a manchete…? Olha só essas fotos, você se superou dessa vez, Peter.
- Pega essas fotos, bota de manchete: “Manhattan aterrorizada por Super Humanos - Novo Cúmplice de Homem-Aranha a solta” — Jameson apontava para o ar, e logo depois tentou coçar as costas, claramente irritado, ligando o interfone da Betty — Senhorita Brant, eu estou de saco cheio dessa cadeira, ela está me dando alergia, mandem trazer de volta a outra cadeira, não importa o quão apertado esse lugar fique.
- Eu acho que chamar ele de “cúmplice do homem-aranha” não cola muito bem — Robertson disse pra ele — Precisamos de outro nome.
- Ah, está na hora de um pouco da criatividade Jonah Jameson, hein! Que tal…
- Que tal “Touro” — Ted Hoffman se apertou pra dentro da sala junto de mim e Robbie, o calor estava infernal — Desculpa, eu não pude evitar de ouvir o Senhor Parker descrevendo o indivíduo, grande e forte, e corria com muita força pra direção do Aranha, parece uma descrição apropriada.
- Eu não pedi sua opinião, Hoffman. Pegue essas fotos do Parker e publique a manchete!
- Mas nós ainda não decidimos o nome — Robbie apontou
- Tudo bem, que tal “Touro”, hein? Tem sonoridade e combina com um brutamontes que nem ele, não acha Hoffman?
- … Sim, Senhor Jameson. Qual a manchete de novo?
- “Manhattan Aterrorizada por Super-Humanos - Touro à Solta” — Eu disse, Hoffman sorriu pra mim, agradecendo
- Espera! — Jameson parou Hoffman mais uma vez, fazendo ele se entalar na porta — Esqueça o primeiro título. Estamos em uma nova onda de Super-Humanos, precisamos de um nome melhor do que só “Super-Humanos”, algo que dê eloquência… Pode colocar em letras garrafais: “Manhattan Aterrorizada pelos Executores - Vem Touro Aí”
- Perfeito, chefe — Ted tropeçou para fora do escritório, com Robbie logo atrás.
Mas, o que viria ao meu conhecimento mais tarde, é que nas docas, não muito longe dali, alguns homens se reuniam. O tal do “Touro” que Jameson chamou estava escondido lá desde a noite passada, dormindo entre duas caixas empoeiradas. Mas não muito tempo depois, outras duas pessoas apareceram pra se juntar a ele. O Ricochete e mais um cowboy, caminhando tranquilamente. Eles estavam atrás justamente dele, mas andavam com certo cuidado. Foi o Ricochete que encontrou ele primeiro.
- Ray. Ray! Acorda! — Ele chamou pelo amigo, cutucando.
- Não… — Raymond respondeu.
- Deixa comigo, Dan — O cowboy pediu, chegando perto do brutamontes e dando um ponta-pé nele pra acordar — Acorda!
- Ugh… Galera! É bom ver o povo todo reunido aqui — Disse depois que acordou.
- Se divertiu na noite passada? — Disse Dan.
- Ah, você sabe, é sempre bom visitar tua antiga casa. Bom pra botar as contas em dia, eu nunca gostei da família daquela vendinha, eles nunca foram legais comigo.
- Meu negócio é grana mesmo. Eu até ganhei um nome de efeito — Ele tirou o capacete, era um homem asiático e uns trinta e tantos — Ricochete! Dá pra construir uma fama com a bandidagem assim. Logo logo tu ganha o teu nome.
- Como foi o teste do soro? — O chapelão perguntou.
- Tudo certo. Eu até consegui bater naquele Aranha que anda por aí faz uns meses. Ele não tem o direito de mexer comigo, não na minha vizinhança, hahaha.
- Ele é um fracote. Na Trump Tower ele nem conseguiu encostar um dedo em mim. Ele claramente não sabe como é viver num subúrbio, principalmente no Brooklyn. Lá a…
- … Bandidagem é mais barra pesada. A gente já ouviu essa vezes demais, Dan — O caipira tirou o chapéu e segurou ele apontando pro Ricochete — O homem do jornal pode te dar o apelido que você quiser, mas com esse ego você ainda vai continuar se chamando de Dan Pomposo.
- Pelo menos tem mais eloquência que “Montana”!
- Não fala assim desse nome! É o melhor lar que um homem poderia querer… — Montana colocou seu chapéu de volta — Eu sinto tanta falta de lá… Mas nem lá tem espaço pra um homem simples tentando sustentar a própria vida. Não… Está na hora de tomarmos um pouco do que essa grande metrópole mundial tem pra oferecer, já que eles não estão dispostos a dividir.
- Onde você vai querer atacar? — Dan perguntou.
- Isso sou eu quem vai decidir! — Uma voz abafada por uma máscara surgiu de algum lugar do galpão, raivosa
- Chefe! — Touro parecia contente — Chefão!
- Sim Raymond… — Ele se aproximou, usando um sobretudo, uma máscara de ferro da tragédia e um chapéu — Parabéns pela operação de ontem.
- Eu não gostei de ter que atacar as outras lojas… Ali ainda é o lugar onde eu cresci, não gosto de mexer com isso. E se os tiras suspeitarem?
- Isso não deveria estar te incomodando, Bloch. Eles têm uma foto do seu rosto, é questão de tempo até acharem seu arquivo na polícia!
- Como você sabe disso, Chefão?
- Do mesmo jeito que eu sei de tudo, estou nos lugares certos.
- Eu só quero o dinheiro, Chefão — Dan aproveitou pra dizer — Tenho que pagar uma hipoteca e acalmar a mulher em casa, pelo amor de Deus.
- Não liga pra ele. Confio no seu bom julgamento, seja lá o que você for arrumar pra gente, tenho certeza de que vai nos fazer os maiores criminosos da história, Montana não criou nenhum frouxo, estou pronto pra voltar com alguns prêmios laçados.
- Eu só confio em você, Chefe, cansei de confiar em alguém e não receber nada em troca, não me importo se os tiras tão atrás de mim — Raymond finalizou.
- Silêncio, todos vocês! — O Chefão se aproximou deles — Eu não os escolhi atoa. Juntos, somos a maior força criminosa dessa cidade, estou em lugares que os tiras não conseguem imaginar, cada operação de vocês me dá ainda mais poder. Raymond, seu nome será conhecido muito além de Seaside Heights. Daniel, eu vou conseguir todo o dinheiro que você desejar, a sua família pode contar com o conhecimento do Brooklyn. E Jackson… Você voltará para Montana triunfante, terá em seu laço o maior prêmio de todos, O Homem-Aranha. Apenas sigam o que eu digo, e vocês serão os mais poderosos líderes do crime da história, meus impiedosos Executores! Eu já tenho um trabalho para você, Brice…
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