Era mais um dia de trabalho para o Homem-Aranha. Ele tinha percebido que estava muito tempo frequentando uma área bem específica em suas alçadas como vigilante. Sempre que saía do topo do Empire, ele acabava indo parar, alguma hora, no topo do prédio da Oscorp. Não porque ele queria fazer hora extra investigando eles, e sim por causa de uma pessoa que ele vinha observando. Velhos costumes nunca morrem fácil, ele estava observando o cotidiano de Debra Whitman, quando o crime não estava atacando, só pensava em como abordar a mulher, tinha uma promessa para cumprir mas ele não queria dar nenhuma ideia de muito interesse da parte dele. Algo aconteceu nessa vigília curiosa do herói, uma vez que Debra se aproximava de um café que ela frequentava todos os dias, dois assaltantes mascarados se aproximaram, e é claro que o herói aracnídeo não pode ignorar isso.
Saltando para interceptar eles, ele percebeu que ambos iriam acabar trombando em Whitman, e uma tragédia podia acabar acontecendo, como Peter bem podia lembrar. Não, ele não podia deixar isso acontecer de novo, balançou em uma grande teia e agarrou Debra antes que algo acontecesse. Ela, sem ar e assustada pelo rapto súbito do herói, não teve tempo de reagir ao passo que todos os papéis que ela segurava saíram voando. Eles pousaram no topo de um edifício próximo, e ela finalmente respirou. “Desculpa aí, garota” a voz, claramente engrossada, do herói dizia, enquanto ele saltava ao redor para pegar as folhas que haviam voado. Debra encarava a situação sem reação.
- Aqui estão suas folhas, cidadã — A voz engrossada disse de novo.
- Ah… Obrigada, Homem-Aranha. Mas pra que isso?
- Assaltantes, indo na sua direção lá embaixo. Se me dá licença, eles entraram na cafeteria.
- Tudo bem… — Debra olhou o herói de cima a baixo — Herói. Antes de você ir, não quer uma recompensa?
- O que…? — Ela começou a se aproximar dele com um sorriso — Não, não. Não precisa agradecer, agora fique aí até eu resolver a situação.
Ele saltou em direção a cafeteria, onde entrou com tudo, arrombando a porta, e sem dar tempo para os criminosos reagirem, retirou as pistolas das mãos deles com duas rápidas teias. Os dois tentaram avançar com socos na direção dele, é claro, mas eles foram rapidamente incapacitados pelo aracnídeo, que grudou no teto do lugar e administrou um golpe em cada um, em seus pontos cegos. Todo o resto dos clientes começou a agir normalmente enquanto ele arrastava os corpos desmaiados e amarrados dos assaltantes pra fora, até que uma garçonete chamou a atenção dele.
- Ei, Aranha! — Ele se virou para ela — Não adianta nada você salvar a gente e ter que pagar por uma porta nova.
- Ah, desculpe — Ele se aproximou da porta no chão, que ainda estava inteira, encaixou ela nas treliças e soltou teias para fixá-las — Deve funcionar normalmente agora.
- Valeu hein — A garçonete disse ironicamente.
A jovem estagiária observou enquanto o Homem-Aranha se lançava para longe mais uma vez, e com um sorriso, se virou e começou a descer o edifício. O homem por baixo da máscara tinha um dia cheio, ele se dirigiu para o edifício da Oscorp, dessa vez como civil, e trabalhou nos nano robôs junto da moça que ele salvou. Durante o dia ela, é claro, não parava de falar sobre o que havia acontecido, e até chegou a mencionar as afirmações do desaparecido Harry Osborn sobre o herói ter sido gerado dentro daquela empresa. Peter permaneceu quieto, pensando em Morris, o amigo do almoço realmente fazia falta naquela rotina, e ele não recebeu mais notícias do homem desde quando ele partiu no dia anterior.
Debra havia percebido, Peter não reagia aos acalorados avanços de conversação e estava distraído. Não sabia se o deixava em paz, ou tentava chamar a atenção do colega de trabalho, ela pensou que, nessas situações, gostaria de ter alguém ao lado para preencher essa solidão que sentiria. Já que os dois estavam almoçando na mesma mesa, um de frente para o outro, ela levantou a cadeira e a arrastou ao lado do amigo. Peter percebeu apenas quando ela terminou de se sentar do seu lado. Os olhos brilhantes da mulher encontrando os seus, cansados e distantes.
- Eu sei que você sente falta do Morris — Ela sussurrou, calma — Vocês dois são muito parecidos.
- É tão óbvio? — Peter sorriu, sem jeito
- É, hahaha. Só queria dizer que eu to aqui, viu. Você não precisa se fechar pra todo mundo.
- Debra, eu… — Ela sorriu para ele — Tudo bem. Vou lembrar disso.
- Eu também estava pensando, e… Olha Peter, não vou mentir, você é um cara muito bonito. Você não estaria disponível qualquer dia desses?
O rosto de Parker acendeu como um farol de trânsito. Ela chamou ele pra sair primeiro. Será que isso conta como parte da promessa que ele tinha feito, ele se perguntou, ainda não sabendo como reagir. O silêncio deixou Debra sem jeito, e ela continuou observando o rosto do pretendente com um sorriso. Esfregando a mão atrás do pescoço, ele respondeu da maneira mais educada que conseguia.
- Debra, olha, eu não sei se eu to pronto pra alguma coisa assim agora. Desculpa.
- Tudo bem — Ela respondeu logo depois, sem sorrir, mas sem um semblante de derrota, apenas uma expressão contida.
Eles não se falaram muito o resto do dia, e Peter não podia afastar o sentimento de que ele não disse o correto. De qualquer maneira, ele seguiu com a pesquisa até o final do dia, quando ele foi na portaria do edifício, se despedindo de Whitman, e perguntou sobre Morris. As notícias haviam acabado de chegar, quando ele soube do acidente e da aparente perda de Bench, agradeceu pela informação e deu passos lentos e pesados para fora do edifício. Sua expressão estava ainda mais cansada e deprimida depois disso, coisa que May percebeu, mas não conversou sobre com seu sobrinho, o deixando aos próprios pensamentos dessa vez. Peter não conseguia chorar mais, foi como se as lágrimas não conseguissem mais sair, como se todas já tivessem secado desde a última vez, ele estava deitado em sua cama, quieto.
Vozes ecoavam em sua mente, rostos. Rostos que ele via na sua parede, todos eles sorrindo de volta pra ele… Coisa que ele não se achava digno de merecer, mas todos estavam lá. Parece que toda diferença que ele fez como Homem-Aranha não importava nestes momentos. As pessoas continuavam morrendo, não importa o que ele continuava fazendo. Talvez essa responsabilidade não coubesse a ele, mas então o que o Tio Ben diria? Ele olhou pela janela do seu quarto enquanto o sol se punha, e não teve vontade de sair por ela. Talvez hoje não fosse o dia, pensou. “Talvez eu precise de mais um tempo antes do aranha voltar de verdade… Ou sequer voltar”. Ele fez questão de comparecer ao enterro cerimonial do amigo mais tarde, Tia May fez questão de acompanhá-lo, e não disse uma palavra sobre o assunto durante todo esse tempo. Além de Peter, apenas alguns colegas vieram visitá-lo, sem ninguém da família dele. Parker sentiu muita pena disso, e em sua mente, ele estava lá para preencher essa lacuna. Talvez um dia ele possa fazer um amigo sem perdê-lo.
No Instituto Ravencroft, cientistas correm apressados pelos corredores, seguidos logo atrás por Fiers, que andava tranquilamente, acompanhando o transporte de uma espécie de grande tubo de metal. Osborn observava do canto de sua cela, mas ele não parecia satisfeito com a ignorância a respeito do que estava acontecendo. Vários cabos estavam conectados entre e em volta do cilindro prateado, alguns pareciam levar de volta para dentro do mesmo, outros para a plataforma onde ele estava sendo transportado. Isso era de grande interesse de todos ali. Gustav viu a expressão de Harry, e se aproximou dele.
- Senhor Osborn — Ele saudou.
- O que é aquilo, Fiers?
- Suas últimas ordens.
- Como?
- Sobre o projeto hídrico.
- Você colocou todos os químicos ali dentro?
- De certa forma…
- Como assim?
- Você vai entender — Ele gesticulou para que os cientistas trouxessem o cilindro para mais perto — Acontece que nossa operação foi um sucesso.
- O que…? — Harry estava confuso enquanto Fiers apertava um botão na plataforma, deslizando as laterais de metal para revelar um grande tudo cheio de, aparentemente, água — O que isso significa, é apenas água.
- É aí em que está errado.
Fiers fez um sinal, e um dos cientistas se entreolhou com os outros e administrou um composto químico em um dos tubos. Momentos depois, a água começou a ficar turbulenta, e o rosto em agonia de Morris Bench se formou em meio às pequenas e violentas ondas, gritando de agonia em um tom aquático, como se estivesse sendo afogado contra sua vontade. Logo, o composto foi completamente dissolvido na figura sobrenatural, e o rosto se desfez em um grande recipiente de água novamente. Osborn observou tudo isso maravilhado, e olhou para Fiers satisfeito.
- Nós mantivemos um submarino por perto, e o pegamos pouco antes da transformação se completar.
- Morris Bench — Harry deslizou a mão direita na janela da cela — Nosso próprio Homem-Hídrico.
- Não conseguimos estabilizar uma forma que ele consiga ter controle consciente do corpo, é como se ele estivesse dormindo eternamente, e se não o acordarmos logo…
- Precisa de algo que manipule as moléculas.
- Sim.
- A pesquisa nano robótica de Parker.
- Você tem certeza? São dois projetos experimentais de uma vez só.
- Tudo bem, é só um homenzinho qualquer, e se nós perdermos o controle dele, é mais um problema pra desviar a atenção da nossa… Pequena operação.
- Sim senhor.
Os cientistas continuaram a caminhar com o tubo para o laboratório, mas uma mente enterrada na confusão e terror daquele cilindro lutava pela própria vida, tentando balbuciar palavras que ninguém ouvia, enquanto era carregado para um laboratório, sendo observado por tantos olhares inteligentes que sequer conseguiam ouvir o que dizia, repetindo uma das últimas coisas que ele tinha acabado e ouvir.
- Homenzinho… Qualquer…
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