Debra tinha acabado de chegar na Torre Oscorp. Ela andava um pouco apressada pois tinha se atrasado. Com os olhares distraídos em documentos que carregava em sua mão, ela se assustou com o que viu logo a seguir, tropeçando e quase derrubando seus óculos. Vários soldados e funcionários estavam empacotando as coisas e levando embora do laboratório dos estagiários, com Peter observando a movimentação. Ela fechou a pasta em suas mãos e se aproximou vagarosamente dele.
- Peter.
- Oi Debra.
- O que tá acontecendo?
- Você chegou muito tarde pro briefing — Ela pareceu confusa — Meu… Nosso projeto dos nano robôs também foi transferido pros sistemas superiores da Oscorp.
- Isso é bom, não é?
- Não sei, me diz você, passou por isso primeiro.
- Hahaha, acho que nós somos parceiros desocupados agora, hein.
- Não sei se eu gosto da perspectiva — Peter sorriu, brincando.
- Ah, para com isso! — Debra abriu um largo sorriso.
- Estamos com o dia livre, praticamente.
- O que acha da gente passar comprar um cachorro-quente e jogar conversa fora. Parece um bom encontro pra você?
- Debra… — Peter a olhou com repreensão, e ela riu de deboche — Tudo bem, mas só porque eu preciso te inteirar sobre o briefing.
- Oooohh, estou lisonjeada, senhor palestrante — Ela agarrou o braço de Peter, passando o seu por entre o dele, e ele suspirou inconformado, mas os dois começaram a se dirigir para fora — E então?
- Temos que fazer uma proposta de projeto até o fim do mês. Como não podemos mais entrar em nenhum projeto já existente, uma vez que todos estão lotados, é com nós dois agora.
- Eu na verdade tenho algumas ideias, mas me recuso a falar de negócios com o estômago vazio.
- São nove da manhã, você não tomou café?
- Tomei, mas agora eu tenho fome de um cachorro-quente.
- Entendi — Peter revirou os olhos, brincando, e ela riu — Me diz, a gente nunca falou como chegamos nesse estágio.
- Eu estudo na Empire State, o Doutor Connors dava aula lá uns anos atrás. É o estágio obrigatório, sabe como é, principalmente pra gente que quer seguir na área de tecnologia. E você?
- Além de eu precisar do emprego, eu to tentando pegar uma experiência bacana pra tentar o MIT.
- MIT? Uau. Você tem o que precisa, isso é fato, com certeza o estágio da Oscorp vai te ajudar bastante.
- Empire State também não é nada mal. Sei de algumas pessoas do meu antigo colégio que foram pra lá.
- Onde?
- A Midtown.
- Você é de lá?!
- Não parece, né.
- Não, hahaha.
Os dois caminharam até a barraquinha de cachorro-quente mais próxima e então passaram mais algum tempo conversando, sem rumo pela grande cidade de Nova York. Eventualmente chegando no Central Park, os dois se sentaram em um de seus diversos bancos. Peter nunca chegou a conhecê-la melhor antes daquele dia. Ela acabou descobrindo que ele prefere comida italiana, e ele descobriu que ela prefere chinesa. Ele falou sobre o que o levou a querer seguir carreira científica, e ela, sobre como acabou fazendo estágio na Oscorp. Peter disse a ela sobre sua família e como acabou apenas com sua tia, e Debra falou sobre como seu pai sempre a maltratou desde criança. No final do dia, eles não se viam apenas como colegas, pessoas que encontravam uma vez ao dia para atender um serviço, mas como seres humanos reais, e amigos.
Já nas entranhas dos laboratórios Ravencroft, Morris se sentava nos restos do seu tanque, enquanto Smythe gravava uma série de diálogos e testes que operava no pobre homem. A voz de Bench ainda deslizava em tons aquáticos quando estava fora de si, que era normalmente quando se distraía ou não se concentrava em manter a coesão de sua forma.
- Senhor Bench, vejo que o seu controle sobre sua nova forma está bem mais estável.
- Eu tenho… Muita dificuldade.
- Isso lhe afeta de alguma maneira…?
- Dói muito.
- Você está sentindo dor neste momento?
- Sim… Um Pouco. É como se eu precisasse me concentrar pra não desmaiar de cansaço a qualquer momento, como se o meu corpo exigisse que eu continuasse trabalhando sem parar.
- E como você tem enfrentado isso? Se é que as dificuldades têm sido grandes a esse ponto.
- Eu tenho que me concentrar muito em mim mesmo, eu consigo sentir cada gota, consigo sentir até partes dessa roupa estranha, e principalmente isso no meu peito.
- O disco de controle. Deve ser a parte de você que mais é você neste momento, o seu cérebro, por assim dizer.
- Fico pensando em tudo o que eu perdi. Por causa de mim, por causa dos outros — Ele apertou os punhos, praticamente os transformando em dois blocos de água — Por causa dessa empresa.
- Você tem muitos pensamentos negativos.
- Não, negativos não. Reais. Eu tenho sido controlado por tempo demais, eu não controlo meu destino, e perco tudo. Minha família, meu dinheiro, e agora meu corpo — Bench desviou os olhos para os de Alistair, alguns dos nano robôs se agruparam um uma pequena máquina flutuante nas mãos, deixando-as maiores — Você vai me devolver meu corpo, Doutor?
- Talvez você possa fazer isso por você mesmo — Smythe disse, numa mistura de medo e fascínio — A nanotecnologia que injetamos em você deve ser o capaz de mudar a tonalidade, já a consistência, depende de como você os controla.
Ele fechou os olhos novamente, e começou a se concentrar. Logo, o urro abafado pela água de todo o seu corpo podia ser ouvido, um murmúrio de dor claro enquanto o impossível acontecia diante deles. Em um pouco mais de um minuto, a aparência de Bench, aparentemente, reverteu para sua pele e cabelos normais. Ele estava com o semblante cansado, mas quando abriu os olhos, e olhou para seu corpo normal, mas ainda coberto pelo estranho traje, abriu um largo sorriso. Mas então Smythe se levantou e se aproximou dele, com uma caneta em mãos. Ele cutucou a superfície do braço exposto de Morris, e pressionou até que ela começou a atravessar, e logo, a ilusão se desfez, toda a camada gelatinosa do disfarce do ex-marinheiro se desfez em sua forma aquática real. Bench estava com um claro semblante de raiva, seu silêncio era ensurdecedor.
- Me desculpe, parece que sua aparência humana não é nada além de um disfarce.
- Me deixa em paz — Ele sussurrou, e assim Smythe atendeu, se dirigindo para uma figura familiar atrás de alguns controles no laboratório
- Ele é volátil. Claramente esta forma está mexendo com a mente dele de alguma maneira. No mínimo, ele está tendo mais tempo de remoer os próprios desejos internos e sombrios. Ele pode estourar a qualquer momento.
- Percebi um desejo de merecimento — Fiers disse, cerrando os olhos — Uma vontade de ser recompensado. Preciso falar com Osborn.
- Com todo o respeito, Senhor. Por que você ainda confere com Osborn? Aquele garoto inconsequente é um problema para qualquer um.
- Não se engane, Smythe. Eu tenho Osborn sob controle, ele é um recurso muito útil. Ele continua sendo o CEO de direito da companhia, e nossos objetivos estão alinhados. Eu tomo as decisões.
- Sim senhor — Alistair respondeu, sem questionar mais.
Fiers caminhou para a frente da cela de Osborn, que fazia flexões no chão. Quando ele percebeu a aproximação do cavaleiro, se levantou, e se virou para encará-lo, mostrando os efeitos da maldição dos Osborn correndo por seu rosto em fortes tons de verde oliva pelas suas veias saltadas.
- Bench está com o comportamento errático, ele pode ser um recurso imprevisível para os planos futuros.
- Tudo isso é um teste, Fiers. Um teste contra um homem só, e aquilo não é mais uma pessoa, é uma arma — Ele torceu e retorceu o pescoço de maneira quase sobrenatural, ao som dos sons dos estalando e da carne se rasgando — Solte-o.
- Soltar o Homem-Hídrico?
- Sim.
- Receio em lhe informar que Parker não tem participado de atividades de vigilantismo recentemente.
- Eu disse pra soltar! — Harry gritou — O teste não é apenas sobre o combate, é sobre quanto se precisa para quebrar ele. Peter vai voltar, apenas aguarde, e quando ele descobrir sobre seu antigo amigo…
Harry sorriu. Fiers começou a se dirigir para fora do Instituto, e o Osborn continuou suas flexões na apertada cela onde se encontrava, não preso, mas abrigado longe do mundo, esperando para causar seu próximo golpe.
May Parker assistia o noticiário mais uma vez. Uma manchete do Clarim Diário dizia em voz alta que o crime começou a subir de novo. A falta do vigilante da cidade a botava em um estado de sítio. A criminalidade estava aumentando novamente nos últimos dias em que ele havia sumido, e a tensão nas ruas aumentava no ritmo que relatos sobre assaltos e agressões sobre uma espécie de ser elemental de água estavam se espalhando pela cidade. Muitos se perguntavam se o herói, ou como as manchetes do Clarim descrevia, a ameaça mascarada, ficaria nesse bate e volta indeterminadamente, já que Manhattan se encontrava cada vez mais sitiada. Ela sentiu que precisava falar sobre isso com Peter, mas já era tarde da noite, então simplesmente subiu as escadas e, antes de entrar no quarto, espiou no de Peter.
Ele estava desmaiado no teclado de seu computador, ainda com o jaleco da Oscorp, o brilho da tela iluminando seu cabelo bagunçado. Ela se aproximou rapidamente, levantou a cabeça dele no teclado, e começou a balançar seus ombros levemente.
- Peter, amor. Acorde…
- Oi… — Ele abriu os olhos lentamente, as olheiras de cansaço demonstravam a exaustão de sua rotina.
- Querido, já são 2h, você não tomou um banho?
- Não tenho tempo pra isso, Tia May — Ele se ajeitou, limpou a baba do teclado e voltou a teclar — Tenho que terminar a nova proposta de projeto essa semana.
- Ah, já deu. Peter Benjamin Parker, pare imediatamente o que você está fazendo e vá tomar um banho.
- Já disse que não dá!
- Não é questão de opção, eu estou mandando, mocinho.
- Não dá, May, não dá! — Ele se levantou, claramente furioso — Me deixa fazer meu trabalho em paz!
- Peter, pelo amor de Deus, isso não é trabalho. Isso nem é vida, você está trabalhando sem parar e não tem feito nada além disso nos últimos dias. Tudo o que a sua vida tem sido é apenas a Oscorp, você não sai mais pra se divertir, não fica aqui para passar um tempo comigo. Eu sei que você tem se sentido sozinho, mas eu também estou!
- Não é sobre você!
- Não, é sobre você. Cadê as fotos? — Ela apontou para a parede.
- Eu guardei.
- Por quê?
- Eu não quero mais ver o rosto deles. Eu não mereço olhar pra eles de novo. Todos se vão e só fica eu. Eu to cansado. Se eu me importar só comigo mesmo, não preciso sofrer com essas coisas de novo. Eu tenho uma responsabilidade com a senhora, com essa casa e comigo mesmo. Responsabilidade, como o Tio Ben dizia.
- Querido… Ben falou aquilo para você entender que sua vida precisa ter essas responsabilidades, e não ser completamente rendida a elas — Ela passou a mão ao lado do rosto do sobrinho, lágrimas rolando dos olhos cansados dele — Você precisa ter uma vida para chamar de sua, do mesmo jeito que precisa pensar nos outros da mesma maneira. Eu estou aqui pra você sempre, do mesmo jeito que sei que outras pessoas querem estar.
- Não sei se eu tenho forças, tia.
- Tem sim. Se for muito doloroso pra você, tente pelo menos uma coisa todo dia, continue tentando sem parar. O segredo é persistir, as mudanças só virão quando você tentar até conseguir — Ela tirou a mão do rosto dele e pegou a mão esquerda, acariciando-a — Promete pra mim, querido? Eu sei muito bem como é acabar sozinha, como é ver todos ir embora enquanto você fica, vou estar aqui o tempo todo, mas você tem que tentar seguir em frente.
- Eu… — Ele levantou a mão de May, beijando-a — Prometo, Tia May.
- Precisamos continuar em nome de todos aqueles que não podem mais, lembre-se disso. Agora vai se limpar, querido. Eu não sei se consigo dormir hoje, mas você deveria tentar.
Os dois seguiram com o que disseram. Peter desmaiou de cansaço, e acordou tarde, mas uma vez que ele não precisava ir para a sede por hora, não havia problemas. Com o espírito renovado, ele decidiu fazer um pouco de cada vez. Naquele dia, as pessoas voltaram a ver a figura do Homem-Aranha deslizar pelos céus mais uma vez, impedindo um assalto de cada vez, parando quando não se sentia à vontade, caminhando nas ruas escondido como seu alter-ego, vigiando e esperando o seu momento de agir. Apesar do Aracnídeo estar nas ruas novamente, a presença dele como pessoa era muito mais fria e isso foi percebido pelas pessoas.
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