Através dos poucos dias que se passaram, o público percebeu que não se ouvia mais a voz do vigilante, a abordagem sendo muito mais violenta. Rumores diziam que alguns criminosos sumiam para nunca mais darem notícias, e o questionamento era se o Cabeça de Teia estaria por trás disso junto dos múltiplos detentos com fraturas e traumatismos capturados por ele. Por hora, a cidade não estava mais cercada por terror daqueles que achavam sua ausência uma permissão para fazerem o que bem entendem. Foram outros três dias na vida do herói em que ele saia nas ruas pelo crime, e voltava pelas pistas da estranha criatura de água que assola a cidade. Cada relato só doía um pouco mais, a ironia de crimes relacionados à água sempre remetiam de volta para o acidente com o amigo. Por mais que a nova abordagem desse novo aranha pusesse um pouco de repulsa na população, os criminosos se encontravam cada vez mais esparsos, e por onde o Homem-Aranha cortava os céus, não haviam mais estes tipos de problema.
Mas não demorou muito para o herói descobrir um padrão de ataque. Todos os crimes envolvendo água eram próximos a um raio de alguns quarteirões de toda a costa da ilha. Então, em não menos do que três dias, após patrulhar a área da costa, ele não podia acreditar nos próprios olhos. Como se fosse um tsunami, uma grande onda ganhava vida e, como um braço, se estendia para dentro da cidade, confirmando que relatos que falavam sobre corpos de água vivos não eram alucinações em massa. O cabeça de teia não sabia o que fazer a não ser acompanhar a movimentação, como ele poderia lutar contra a água? Logo, a onda viva se dirigiu para uma grande loja de móveis, onde começou a entrar por todas as portas e janelas, como se o lugar estivesse sendo submerso. O aranha voou para ação e começou a evacuar o lugar logo depois. Logo, uma parte da massa marítima começou a formar uma espécie de corpo, e por cima dele, um estranho traje metálico com tubos e látex. O homem estava de costas, a única coisa que podia ver era seu longo cabelo flutuando no ar, como se estivesse submerso. Todo o resto da água ainda flutuava ao redor dele, se conectando com seus pés.
- Parado aí, amiguinho — Aranha debochou — O tempo máximo na piscina é de quinze minutos, você precisa acompanhar o titio pra delegacia.
Ele não disse uma palavra, apenas se virou lentamente, com um rosto de desgosto, e fez com que toda a água que havia trazido começasse a subir pelo corpo do vigilante. Ele tentou afastar a correnteza com as mãos, mas não adiantou, então pulou no teto, mas a água estava em todo lugar. O homem de água se virou para o balcão de antes e começou a pegar todo o dinheiro e estava pegando mais alguns móveis. Foi nesse momento que o Homem-Aranha decidiu atacar, soltando sua teia para desprender um dos tubos do traje do assaltante. Ele pareceu levemente incomodado, reconectando o tubo e fazendo a água envolver o aracnídeo. Logo, uma bolha se formou em volta dele, e desesperado, começou a se afogar. Não havia muito tempo para pensar, usou seus instintos de aranha e prendeu suas teias em duas colunas, puxando-as com toda a força que podia. Logo, ele as soltou, e saiu voando como um projétil em direção ao criminoso, que foi pego de surpresa pela voadora em alta velocidade. Isso o fez perder a concentração, fazendo com que toda a água que não fosse do seu corpo perdesse a estabilidade, escorrendo das paredes e do chão como uma correnteza, para fora do estabelecimento.
Rapidamente, uma série de teias foram lançadas, mas ele se tornou completamente líquido, fazendo com que todas as teias atravessassem seu corpo. Logo, para a rápida percepção de Peter, o braço direito exposto do misterioso super-ser formou uma espécie de microchip perto da mão, a qual formou um grande maciço punho de água. Ele desviou do ataque do membro gigante com centímetros de folga, mas não pode desviar do esguicho potente de água que lançou de sua boca. Voando para fora, aranha caiu no chão, cuspindo água e hiperventilando por ar. O estranho ser deslizou para fora da loja, começando a reabsorver a água que ainda estava ali. Aranha desviou do primeiro ataque por completo instinto, dando um mortal para trás. O herói tinha que pensar rápido, então começou a correr e se jogou para o alto, precisava encontrar uma maneira de neutralizá-lo por hora. Se ele podia sentir seus ataques quando ainda estava físico, então podia sentir dor, e água salina é o maior condutor de energia elétrica.
- Ô Senhor aquático, você pode chamar as suas amigas sereias e me arranjar um encontro, eu ando muito sozinho — Ele provou, seguido por um grito do inimigo, que avançou velozmente em sua direção.
Uma vez que ele propulsionou todo o seu corpo para o alto, a água se espalhou. O tempo dele se rearranjar foi o suficiente para ele achar o painel de cabos mais próximo e começar a arrancar eles de seus circuitos de transmissão, isso deu a ele infelizes flashbacks a quando Electro surgiu pela primeira vez, arrancando a fiação da mesma maneira para se alimentar. O estranho homem d’água se reformou o suficiente para avançar na direção do herói novamente, mas ele confiou nos seus instintos, e no momento certo, se virou, e colocou o cabo de energia exposto em sua frente. O criminoso começou a gritar de dor, seu corpo aquoso se retorcia, mas seu rosto estava de frente ao de Peter, e as suas expressões eram claras agora. Ele cambaleou para trás, deixando o cabo cair, com isso libertando o seu inimigo. O rosto de Morris expressava um grande semblante de raiva, ele viu o que tinha acontecido como um deslize, e saiu escorrendo para o bueiro mais próximo. Peter não pode acreditar no que tinha acabado de ver, o rosto de Morris. Tudo o que vem acontecendo não era uma cruel ironia do destino, Bench estava vivo, ou vivendo de alguma maneira, na forma do estranho elemental de água.
Peter estava na cama de seu quarto na noite daquele dia. Morris tinha se tornado aquela coisa, do mesmo jeito que Max e Harry haviam mudado, e só havia uma resposta pra isso, Oscorp era culpada por isso também. Ele precisava falar com o amigo, e não lutar contra ele, por isso usou tudo o que ele sabia a favor dele. Os crimes que ele cometeu todos faziam sentido agora, móveis para uma casa, dinheiro, eletrodomésticos, até mesmo o aquário que havia sumido do zoológico. Ele queria uma casa própria, coisa que ele nunca pode ter antes. No dia seguinte, começou a percorrer toda a costa perto das áreas dos roubos dele, e pensou onde o velho amigo poderia estar. Ele sabia que, naquela região, não havia nenhum tipo de formação subterrânea por baixo da ilha, então presumiu que o único lugar que ele poderia estar se escondendo seria em um dos galpões de armazenamento. Para isso, ele deixou seu instinto o guiar, o seu “sentido aranha” era infalível nessas situações.
Ele o levou para um galpão velho e abandonado no meio de dezenas de outros, e procurou uma maneira de entrar. Não demorou muito até perceber que a porta estava arrombada, seu sentido dizia que era ali mesmo, e então abriu a porta com um pesado ressoar de madeira velha, seus passos ecoando por toda a estrutura. Ele não podia colocar sua vida em risco, então não perdeu tempo em dizer.
- Olá! Tem alguém aí?
Peter caminhava devagar, já podia ouvir água se movendo em algum lugar entre os muitos caixotes úmidos e empoeirados. Caixotes que formavam um labirinto entre seus apertados espaços, mal iluminados pelas poucas janelas, que se encontravam altas nas paredes do lugar. Não demorou para Peter achar o final desse labirinto, um espaço aberto com todas as coisas roubadas, com uma espécie de pequeno cômodo com alguns móveis, uma pilha de dinheiro e um aquário. Ainda bem que ele podia contar com seus sentidos, pois no momento que se aproximou do aquário, a presença do seu antigo amigo ressoou, mas não tranquilamente, ao passo que ele se virou para encarar por trás de si, uma grande figura aquática deformada o esperava, se preparando para golpeá-lo. Ele não precisou desviar, quando o ser viu de quem se tratava, ele parou no mesmo instante, e começou a reverter-se de volta para a forma humanóide, com seu traje.
- Peter… — Ele sussurrou — Amigo, como é bom te ver.
- Morris. Meu Deus cara, o que aconteceu com você?
- Eu não sei, Peter — Ele balbuciou, claramente a beira das lágrimas, mas não conseguia chorar, seu corpo já estava todo feito de água — Eles tomaram tudo de mim.
- Calma, calma. Porque você não se senta, hein? — Parker apontou para a poltrona, onde ele se sentou — Me diz… Você sabe como você tá vivo? Como que isso aconteceu com você?
- Eu estava levando a carga, a gente estava no caminho de uma tempestade, eu precisei cuidar do carregamento. Tinha alguma coisa naquele carregamento, Peter, algo que vocês estavam fazendo.
- Ai Meu Deus… O Composto de Injeção.
- Caí no mar de tanta dor. E… Depois… — Ele começou a balbuciar novamente.
- Respira, respira… O que aconteceu depois?
- Eu acordei… Em um lugar. Um laboratório. Tinham vários cientistas da Oscorp lá, principalmente o… Doutor Alistair Smythe.
- O Smythe tá envolvido nisso? — Peter encarou o vazio, sabendo que isso era igualmente chocante quanto provável.
- Eles fizeram isso comigo, Peter. Disseram que foi um acidente, mas fizeram isso comigo, uma experiência, me chamavam de seu “Homem-Hídrico”. Ainda falavam que estavam me ajudando, me deram essa roupa, um psiquiatra e gravavam tudo. Meu Deus, e não como nem durmo desde quando eu acordei assim…
- Morris…
- Mas tudo isso acabou quando eles simplesmente falaram que eu estava livre. Foi o golpe final, esperaram eu estar distraído, pensando no que fazer e me enfiaram o resto desses… Nano robôs em mim. E então me jogaram pra sarjeta, num dreno. Eu não sabia onde estava até parar no mar… Isso me deu forças. E então eu estou aqui, tentando viver uma droga de vida normal que eu nunca mais posso ter.
- Cara, ainda bem que eu te achei. Você tem que parar com isso, eu posso encontrar alguém pra te ajudar, você não pode continuar roubando. Vem comigo, vamos sair daqui e procurar ajuda real.
- Não, Peter, não entende…?! — Ele se levantou, impaciente — Não é sobre ajuda. Todos já tentaram, já diziam que iam me ajudar, e onde isso me levou!? Eu estou aqui, sem família, sem dinheiro, e sem a droga do meu próprio corpo. Tiraram tudo de mim, eu estou tomando de volta, de um jeito ou de outro…
- Morris, não… Eu sei como é perder tudo o que é importante pra você, tudo o que você mais valoriza, mas me escuta, minha tia diz que uma pequena boa ação todo…
- Espera um pouco! Como você me achou, Peter? — A voz dele estava sombria, e seu corpo se movimentava com a fluidez novamente
- Eu… Tiro fotos do Homem-Aranha. Ele me falou sobre…
- Sobre o que?
- … Morris, por favor.
- Você não só tira fotos do Aranha, não é? O que ele é seu? Comparsa? Agente? Amigo?
- Tudo o que você precisa saber é que ele me disse que era você. Precisa parar com isso, tem muita gente na mesma situação que você que tá se machucando por sua causa.
- Não! Ninguém nunca me deu uma chance de melhorar, Peter. Eu estou tomando meu papel e tomando tudo o que o mundo me negou até hoje!
- Morris…
- Saia da minha frente! — Ele disse, lançando uma forte rajada de água que lançou Peter voando pelo teto do depósito.
Ele não queria reagir, primeiramente porque não achava que tinha o direito, e segundo porque ele não queria revelar sua segunda identidade para o amigo ainda. O último motivo ficou pairando em sua mente depois que ele voltou para a casa, todo ensopado por ter caído em águas profundas. Logo, Peter teve que predizer os passos de Bench em sua próxima caçada por vingança. Ele tinha dinheiro e uma casa, o que mais ele queria depois de todo esse tempo? E então a resposta veio como um sinal dos condenados. Ele se trocou o mais rápido que conseguia, e de seu celular, pesquisou o lugar onde eles poderiam estar. O apartamento de Amanda Whitehouse, a ex-mulher de Bench, era um bocado longe do Queens, então ao chegar lá, ele já esperava o pior.
Entrando pela janela já aberta, ele gritou pelo nome dela. Mas nenhuma resposta. Ele avançou lentamente pelos cômodos, não conseguia ouvir ninguém além da criança dormindo no quarto. No final do corredor, podia ver o quarto da mãe entreaberto. Começou a caminhar pelas paredes até o teto, e quando passou pelo estreito vão, encontrou Amanda sendo sufocada por uma bolha de água criada pelo Homem-Hídrico bem a sua frente. Bench aparentemente não havia percebido a presença do Aranha, então ele usou de um ataque surpresa, dando um chute giratório do teto na cabeça dele. Não adiantou, o pé atravessou a cabeça como se fosse uma poça d’água. Morris riu.
- Não adianta, aranha — Ele contorceu a cabeça, girando ela para as costas para encará-lo, sem parar o que fazia — Está na hora da responsável por fazer essa família acabar pagar pelo que fez!
- Bench, solta ela, pelo amor de Deus!
- Não! E não é Bench, é Hídrico!
E então, Aranha tentou de toda maneira impedi-lo de afogar Whitehouse, tentou derrubar as pernas, dar socos, arrastá-la para fora, mas ele permanecia imóvel e impassível enquanto suas mãos criavam a bolha que envolviam a cabeça da mulher. Foi então que o herói lembrou de como havia derrotado ele pela primeira vez. Procurou desesperadamente por uma tomada, e quando achou, perfurou a parede do apartamento com um soco e agarrou os fios, arrebentando e puxando-os para próximo do assassino. O Homem-Hídrico percebeu isso, e finalmente soltou a ex-mulher, que não para de cuspir água e hiperventilar, se virando para o cabeça de teia.
- Já chega, Homem-Aranha. Eu vou acabar com você, permanentemente dessa vez.
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