A manchete do momento, e na boca do povo todo, era o climão que rolou entre Homem-Aranha e Screwball na última live deles. As pessoas não paravam de comentar no possível casal de super-heróis, o primeiro que veio a público, e em como isso aconteceu. Peter foi para Midtown a pé dessa vez, e quando Ned finalmente o encontrou, depois de perceber que ele não teria que encontrar com o escalador de paredes, era uma matraca de perguntas, mas Peter permaneceu em silêncio. Flash mesmo decidiu deixar a dupla em paz naquele dia, já estava dizendo para todos como ele já previa isso, sendo o maior expert da heromania em toda a cidade. Ned sabia que Peter estava se divertindo muito com toda aquela situação, mas ele percebeu que Midtown toda comentava com fervor enquanto apenas uma pessoa permanecia quieta.
No recreio, Peter se ocupou vendo as mensagens e comentários no seu canal enquanto comia, que Ned decidiu ir conversar com outro alguém, para variar. Michelle Jones estava sentada numa mesa vazia, sozinha, enquanto comia seu almoço, rabiscando uma coisa no caderno. O estudante filipino se aproximou dela, e assim que ela percebeu a presença do colega de classe, rapidamente fechou o caderno para esconder o que desenhava.
- Oi Ned.
- E aí, MJ. Posso sentar com você?
- Pode… — Ela parecia confusa com toda essa situação.
- Ta tudo bem com você?
- Tá… Nada fora do normal, né — O olhar dela começou a ficar distante.
- Queria pedir desculpas do jeito que o Peter te tratou.
- Não, não. Ele que tem que pedir desculpas. Eu sei que você quer defender ele, você é um ótimo amigo, mas isso é entre eu e ele.
- Mas me diz… Porque você tem toda essa aversão à heromania? Qual o mal que eles fazem sendo assim?
- Meu problema não é com isso tudo que acontece na internet, é com eles dois, o Homem-Aranha e a Screwball. Eles não são vingadores, não são defensores e nem sequer são grandes soldados, super-cientistas ou agentes secretos. Eles são pessoas aqui de baixo, gente normal. Eles tratarem as vidas deles com tanto descaso é… — Ela colocou a mão no rosto, suspirando profundamente, e voltou a encarar Ned — Viver uma realidade de mentira só piora os problemas de verdade. Uma hora isso vai estourar no rosto deles, e não vai ser nada bonito pra eles, nem para as pessoas que acompanham eles. Eu sei como é ter sua vida estragada por gente que nesse comportamento de vida de celebridade acaba estragando tudo.
- Você…? — Ned levantou uma de suas sobrancelhas, intrigado, sugerindo uma coisa que ele não pode terminar de dizer, pois MJ o interrompeu.
- Não fui eu. Foi… Minha irmã. Ela era uma influencer muito popular de maquiagem, mas depois que o ex-namorado dela vazou… Algumas coisas na internet, ela nunca mais teve liberdade pra nada online, isso acabou com ela. Sabe, eu gosto do Homem-Aranha, e eu gosto de vocês… Sim, até do Peter. Não acho prudente alguém que trabalha com vidas, se expor assim, isso pode acabar muito mal pra todo mundo.
Ned ouviu atentamente a tudo o que MJ disse, e agradeceu por ter dito isso. Esses pensamentos retumbaram na mente do gênio da informática do Colégio Midtown. Ele se sentiu na obrigação de repensar tudo o que tinha feito para o amigo nos últimos dias, tratar o luto e a perda assim não eram saudáveis. Sua lola sempre dizia que ele precisava encarar seus problemas como um homem, e não se esconder atrás de outra coisa, ele pensava que só conseguia entender isso naquele momento. Quando o dia de aulas acabou, ele se aproximou de Peter na saída, que ainda estava com aquele rosto triunfante enquanto observava todos falarem de seu alter-ego.
- Cara… Eu preciso falar com você — Peter olhou para ele, ainda quieto, e gesticulou para ele falar — Eu… Conversei com o MJ. Agora, eu sei o que você ta pensando, mas me escuta. Sou o nerd da cadeira aqui, somos um time, eu sou no mínimo 30% do Homem-Aranha, então escuta. Isso… Não é bom pra você.
- Do que você tá falando? — Ele finalmente falou, confuso.
- Que você… Deveria pegar leve com o canal. É bacana mostrar o que você anda fazendo, ter um contato com as “pessoas menores” e tudo mais, mas você ta deixando isso sair do controle. Redes sociais são algo volátil, imagina se começam a te odiar por qualquer probleminha, ou pior… Se descobrem sua identidade.
- Por isso eu tenho você!
- Não cara, tem coisas que nem o melhor cibermago consegue fazer. Será que dá pra gente ir pra sua casa e…
- Ned, olha, se você não quer mais participar disso, tudo bem, mas não precisa falar assim da única diversão que eu tenho no dia.
- É sério, cara, por favor, me escuta…
- Não! Eu não vou parar de fazer nada porque você ficou paranoico igual a maluca da Michelle.
- Cara…
- Não, Ned! Sem discussão.
Peter saiu caminhando dali sem deixar Ned continuar, e o grande colegial ficou perdido no meio de suas palavras, frustrado e preocupado. Não estava zangado, e já havia perdoado o amigo por isso, mas tinha medo do que Peter poderia fazer a seguir. Peter não teve coragem de ir já para casa, e então começou sua patrulha do dia, a live tinha rendido alguns momentos com os moradores do Queens, mas nada realmente notável. Foi quando ele terminou a transmissão que ele encontrou Screwball novamente. Ela disse para deixar o que aconteceu no dia anterior para trás, e ambos começaram a patrulhar, conversaram com muitas pessoas na movimentação da cidade, e acabaram mais se divertindo do que qualquer coisa. Peter não se sentia leve desse jeito desde quando ele havia sido picado pela tal da aranha que começou tudo isso.
Em determinado momento, ele e a companheira se sentaram na beirada de um prédio para observar o pôr-do-sol. Ele comentou sobre como ele acabou se tornando o aranha, sem dar muitos detalhes da própria vida, e ela fez o mesmo, comentou sobre como a rotina entediante dela a levou a se inspirar nos heróis mais humanos e nada poderosos quando eles não estão por aí salvando o mundo. Uma coisa que ela fez, que o cabeça de teia percebeu, é que ela não parava de pegar o celular para ver alguma coisa, assumiu que era mensagens, e deixou ela ter sua privacidade. Mais tarde, ela pegou o celular uma última vez, guardou ele rapidamente e agarrou o braço do herói, dizendo com urgência para segui-la. Eles saltaram entre os prédios e ela o guiou para um edifício abandonado. Antes deles entrarem, ela pediu um momento, e seu drone chegou em alguns minutos, ela não queria perder a oportunidade de gravar a ação.
Eles entraram, e apesar do herói aracnídeo não saber do que se tratava, ele confiou no bom senso dela, e logo encontraram uma gangue de mascarados empacotando algumas caixas que ele não sabia dizer bem do que eram. Ela sinalizou para atacarem na marca dela, e assim o fizeram. O ataque foi ágil e brutal, Aranha rapidamente amarrou três deles com um rápido disparo de sua teia e um movimento acrobático para amarrá-los, e entrou em um acalorado combate com outros três. Screwball usou seus bastões para lutar com um grande grupo deles, e parecia estar no controle da situação a maior parte do tempo. Uma coisa que incomodava Homem-Aranha durante tudo aquilo eram as roupas da quadrilha, tirando a máscara, eram… Roupas comuns. Não no sentido de serem trajes baratos de gangsters, mas de serem vestidos, ternos, e algumas vezes, roupas de marca. Porque capangas de alguma quadrilha de tráfico se vestiria assim?
Foi então que, quando ele terminou de dar conta da sua parcela de capangas, e se virou para ajudar ela, com ela sinalizando para ele não o fazer de novo, e dessa vez, ele se sentiu estranho. Não pareceu uma sinalização de espaço, pareceu mais uma negação do momento de glória dela. Aquele arrepio começou novamente, e ele não se sentia bem. Um dos capangas tinha acabado de desarmar ela, e então, subitamente, ela levantou o pulso, e uma espécie de lançador se armou, e soltou uma bola nas cores de seu uniforme, branca e rosa. Quando ela disparou a bola, uma explosão de tinta nos pés do criminoso os fez se imobilizar, os pés estavam grudados com a tinta. Ele caiu, e ela sorriu, mexendo nos controles de seu braço, fazendo o drone se aproximar.
- E… Corta! — Ela gritou, claramente alegre.
- Screwball, tem… Alguma coisa de errada.
- Como assim? Isso é um dos seus poderes?
- Não sei dizer… É como se… — O sentimento de urgência deixava Peter ansioso.
- Ok, talvez isso te acalme — Ela se aproximou, entregando para ele um maço de dinheiro.
- O quê? Não, não SB, fica pra você, eu não posso aceitar seu dinheiro.
- Fica tranquilo, tem o suficiente pra todo mundo aqui, não é galera!
Repentinamente, todos os capangas responderam que sim, se livrando de suas armadilhas e amarras com várias ferramentas que tinham consigo. Aranha não pode acreditar no que estava vendo, com olhos saltados, ele começou a cambalear, o arrepio havia se tornado uma tontura.
- Mas o que…?
- Vocês tiveram um desempenho primordial hoje, galera! Na próxima, eu arrumo equipamento de proteção novo, eu prometo! — A vigilante dizia, enquanto todos eles tiravam suas máscaras e equipamentos de proteção escondidos em seus corpos recebendo seu pagamento. Um deles até pontuou que ele deveria bater um pouco mais leve.
- Era… Tudo uma encenação?
- Claro. Tudo pelas visualizações, não? — Ela respondeu, entregando o último maço de dinheiro para um dos capangas.
Todo esse tempo, eram pessoas de verdade, contratadas por Screwball para se passarem por criminosos reais. A cabeça do herói adolescente girou, ele teve que se apoiar em uma coluna.
- Tudo?
- Sim, oras. Alguns de nós não tem um Homem de Ferro nas nossas vidas, Aranha. Temos que criar nossos próprios vilões.
- Era tudo mentira…
- Ah não, era tudo real. Pessoas reais trabalhando por dinheiro real, e influência real. Achei que já estava na hora de ser direta com você. As pessoas não querem ver boas ações na internet, elas querem a ação, a intriga. Eu? Quero a influência, e o dinheiro. E todas elas me dão isso — Ela se aproximou lentamente do Homem-Aranha, a cada passo, a sensação de perigo em sua mente — Eu tenho um poder, Aranha. Eu tenho o poder da influência, a rede social mais badalada de todo o mundo, isso é poder de verdade.
- Todos aqueles assaltos. Aqueles sequestros forjados, incêndios, acidentes…
- Todos atores. Todos concordaram em fazer parte disso, e são muito bem pagos. Gente como eu e você! Isso não é maravilhoso. Ninguém morre, ninguém se machuca… Muito.
- Uma mentira! — Ele esbravejou.
- Uma bela mentira. Você também não começou por causa disso?
- Não! Eu faço essas coisas porque é preciso alguém pra fazer elas! Eu te falei isso hoje!
- Ora… Não é o que parece, amigo. Você se diverte muito comigo e com todos os seguidores na sua… Como você chama? — Ela gesticulou, tirando sarro — Sua teia. Nós podemos continuar nos divertindo, ganhando dinheiro, e fazendo tudo o que fizemos hoje, de novo, e de novo. Ou… Você pode simplesmente não querer mais me encontrar, siga seu caminho se ganhar dinheiro com seu trabalho suado parece uma chantagem pra você. Nós nunca mais falamos sobre isso em ambos os nossos canais, mas…! Se você quiser vazar tudo isso o que você viu hoje, eu receio que teremos problemas.
- Eu…
- Não finja que você é melhor do que eu, querido. Olha tudo o que você fez, não minta pra si mesmo falando que é porque é “a coisa certa a se fazer”, você fez isso tudo porque você gosta…!
- Não. Não… — Ele deu alguns passos para trás, e saiu correndo, pulando por uma janela.
- É… Ele vai vazar — Ela disse, com um tom frio na voz, se aproximou de seu drone e começou a teclar nos controles em seu pulso. Um sorriso malicioso se formou em sua expressão oculta pelo capacete, enquanto ela tramava seu próximo golpe.
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