A pérola negra do estado de Nova Jersey. Os inconfundíveis picos obscurecidos de gesso da cidade da mais violenta dos Estados Unidos, assim como uma das mais perigosas de todo o mundo, adornam a baía pantanosa onde se desenvolveram o reduto dos criminosos e feiticeiros mais perigosos da história primitiva da américa do norte. Gotham: Reduto dos maiores terrores imagináveis pelo homem. São nessas ruas que os Gothamitas tentam sobreviver, um dia após o outro, através da violência e da corrupção, do pior que a raça humana tem a oferecer. Muitas pessoas encontram maneiras diferentes de lidar com sua animalesca situação, é nela que eles encontram as forças para enfrentar todas as dificuldades de suas vidas. Algumas pessoas vivem sozinhas, outras têm suas famílias, mas a maioria não pode contar com a estabilidade desses fatores também.
Existem todo tipo de famílias desestruturadas em decorrência dos poucos que têm a coragem, ou são insanos o suficiente, de ficarem por lá. Barbara Gordon é uma dessas pessoas. Bom, não que ela realmente tenha escolha nesse assunto, sua família caminhava a um caminho da desestruturação, independente de suas ações. Apesar de tudo, ela pode fazer uma escolha. De um lado, seu pai, o delegado de polícia James Gordon, um dos mais casca-grossas e íntegros homens que já passaram pelo órgão da lei de Gotham, e do outro, sua mãe, de quem herdou seu nome e sua aparência, e de quem era muito próxima, por mais que não gostasse de admitir. Ambos estavam trilhando caminhos diferentes, e ela estava no meio.
Aparentemente, os dois a amavam o suficiente para lhe dar a opção da escolha: Com quem ela gostaria de ficar, onde ela gostaria de estruturar sua vida? Com seu pai na Cidade de Gotham, onde cresceu até os dias de hoje e vive sobrevivendo um dia após o outro? Ou com sua mãe, em algum lugar bem longe de Gotham, Metropolis, Star, Central ou qualquer outra cidade que seja assolada por demônios além da compreensão, onde elas podem viver seus dias em paz e construir uma vida humilde? Enquanto James e Barbara discutiam, sua filha voltava seus olhos para que caminho ela gostaria de trilhar, qual seria o destino que uma garota de 14 anos poderia optar por ter? Ela pensou na situação de seus pais, a falta de amor que desencadeou o final de uma vida juntos, uma relação de anos que terminou com duas pessoas quebradas. Ela não queria aquilo.
De fato, o simples pensamento de que ela, poderia, no futuro, estar fadada a se tornar como seus pais, vivendo uma vida amarga de escolhas difíceis em um futuro que não agrada a nenhum dos lados, realmente a deixava com o coração na garganta. Depois de muito pensar, em seu íntimo, ela chegou a conclusão inevitável de seu coração. Foi ao sair de seu quarto, se encontrando, pela última vez, com a figura de seus pais sentados juntos à mesa, silenciosos, que ela se uniu a eles para dar a palavra.
- Pai, mãe… — Ela quase sussurrou — Eu sei onde eu quero ficar.
Sua mãe lhe estendeu a mão, esperando que a filha fosse agarrá-la e as duas pudessem fugir para bem longe, mas ela se chocou quando Barbara II, lentamente, estendeu sua mão e, inocentemente, agarrou a mão do pai, que encarava o chão e não percebeu o ato da filha até sentir o toque da mão dela. Ele levantou a cabeça e a encarou nos olhos, exprimindo um sorriso confuso.
- Barbara… Por favor. Não fique em Gotham, venha comigo! — A mãe suplicou, ainda com a mão levantada — Nós concordamos que a escolha deveria ser sua, mas eu estou implorando…
- Mãe… Eu quero viver minha vida do jeito que ela já está. Olha… Não quero fugir do que eu já tenho. Percebi que eu prefiro lutar do que… Sabe, fugir de tudo. Tem muito aqui pelo o que eu sou grata, e não me entenda mal, mas… Mas eu prefiro passar pela dor de perder só você do que todo o resto.
- Filha, tem certeza…? — Jim estava incrédulo, apertando a mão da filha com força
- Sim…
- Mas…. O seu irmão vai com a sua mãe.
- Alguém tem que cuidar de você.
Os olhos cheios de doçura e compaixão de Barbara encontraram os do seu pai, que correspondia ao carinho da sua filha segurando a mão dela com suas duas mãos. A filha agora observava a mãe com tristeza, as lágrimas nos olhos da mulher escorriam por sua pele. Seus cabelos cacheados se inclinaram para frente de seu rosto, escondendo seus olhos nas sombras. Barbara II se soltou de seu pai e se aproximou dela, lhe dando um abraço. Ela retribuiu o abraço, apertando mais forte do que nunca. Foi depois de um dia de organização e empacotamento de caixas e malas que a família toda reunida se encontrava na frente do edifício onde moravam, um velho prédio na Velha Gotham, um dos bairros mais pobres da cidade. Jim e Barbara II se encontravam à frente de Barbara e Jim Júnior, o carro da mãe esperando eles entrarem após o caminhão de mudanças partir.
- Nos mandem notícias. E vê se apareçam pro Natal! — A filha remarcava, brincando, mas seu sorriso era falso
- Eu vou sentir sua falta, maninha. — Jim Jr. ressaltou
- Se cuida, palerma.
- É isso… — James encarava sua recém ex-mulher — Eu realmente espero que sejam felizes. Sério, eu não quero nada além disso pra vocês. Eu… Só amo tanto vocês dois. Um pedaço de mim vai com vocês.
- Oh… — Barbara abraçou seu ex-marido, que retribuiu o abraço — Eu também te amo. Cuide da nossa filha por nós, tudo bem? Eu não confiaria essa tarefa a mais ninguém além de você.
Os adultos, que estavam para trilhar caminhos diferentes em suas vidas, se encararam profundamente uma última vez, e trocaram também um último beijo. Toda a família se abraçou novamente e, em alguns rápidos passos, duas pessoas entraram no antigo carro e seguiram para o aeroporto de Metropolis. Jim e a jovem Barbara observaram até o veículo sumir da vista dos dois, e ambos voltaram para dentro. James se sentou na sala de estar novamente, em cima da mesa estavam os documentos de divórcio já assinados e encaminhados para processamento legal. Ele os encarou por algum tempo, e Barbara sabia que ele iria precisar desse tempo sozinho antes de consolar o pai. Ela voltou para seu quarto, e abriu seu laptop, precisava de algo para distraí-la da situação que sempre lança crianças de sua idade a uma crise existencial.
Não, ela era uma Gothamita, ela não tinha tempo para se dar ao luxo de uma crise daquele calibre. Estava na hora dela fazer o que toda adolescente de 14 anos acaba fazendo uma hora ou outra: Se afundar em uma obsessão juvenil. Muitas garotas poderiam dizer que eram o gosto por livros, ou por moda, ou por relacionamentos amorosos, ou por tudo isso de uma vez só e misturado, mas Barbara era um pouco mais… Peculiar. Não, o que ela e seu melhor amigo gostavam de fazer era divagar entre o mundo sombrio e fantasioso da cidade mais sombria da Terra. Figuras como as lendas urbanas de Solomon Grundy e da Corte das Corujas sempre salpicaram a imaginação coletiva da cidade, e o surgimento de ainda mais criminosos que pareciam saídos de contos de fadas, como o Coringa e o Charada, deixavam tudo ainda mais ilusório.
Não que ela realmente soubesse de tudo aquilo. É claro, todo esse conhecimento era extra-oficial. Ai de quem soubesse que Jim Gordon conta dos casos secretos solucionados pela figura mais emblemática do mundo de obsessões de Barbara: O próprio Cavaleiro das Trevas. Nem mesmo a polícia sabia se Batman era mesmo o que o submundo de Gotham dizia a respeito dele. Uma figura meio homem, meio morcego, que vem atrás dos culpados para julgá-los pelos seus crimes contra os inocentes, vivendo dentro das sombras da noite na metrópole gótica. Os contos eram fantasiosos como o folclore local, mas o efeito era real como os mega-criminosos terroristas. Não havia como saber se Batman era mesmo apenas uma lenda local apoiada por algum tipo de vigilante, ou se realmente um demônio cavernoso saiu das catacumbas da cidade, despertado pela sede de vingança dos inocentes. Ou se até mesmo poderiam ser ambos.
Nem mesmo existiam imagens confirmadas do homem morcego, o que só atiçava o imaginário de Barbara, seu amigo Dick, e também de todo o departamento de polícia, que mantinham as poucas provas da possível existência do vigilante trancadas dentro da delegacia da cidade. Ter um parente dentro do assunto realmente ajudava a garota a fazer todo tipo de teorias e especulações. Ela abriu uma vídeo-chamada com Dick. O rosto do rapaz estava calmo e não tão animado quanto de costume, o que chamou a atenção da jovem Gordon.
- Alou? Terra para Dick?
- Oi… Como andam as coisas aí?
- Porque pergunta?
- Você sabe…
- Ah… Aquilo. Eu to tentando não pensar no assunto, e você não está ajudando! — Ela brincou com o amigo, forçando um sorriso
- Justo. Desculpa, Babs. Qual o assunto então?
- Eu que te pergunto. Qual que poderia ser?
- Certo… “onlineforuns.com/guardiãosilencioso”
- Ah sim. Todos os relatos das aparições do nosso morcegão. — Barbara se remexeu em sua cadeira, ansiosa — Você viu algo de interessante por aí?
- Na verdade, eu voltei pra ver o retrato falado dele de novo, sempre me deixa sem ar.
Barbara procedeu para o mesmo link que compartilhou com Dick nos últimos dias. Um desenhista forense profissional rascunhou a aparência discutida amplamente no domínio virtual do fórum. A aparência dele era surreal: Uma alta silhueta toda coberta de preto, seus ombros pontiagudos e suas asas, ou seja lá o que aquele manto de trevas poderia ser, se arrastando no chão. E a única parte visível de seu corpo, o rosto, uma fachada obscurecida com poucas expressões humanas, retas orelhas pontiagudas levantadas sobre a cabeça e os hipnotizantes olhos brancos encarando qualquer um, até mesmo através do pedaço de papel que circulava pela internet.
Ela se tornou tão célebre que acabou sendo posta de perfil do fórum online que as crianças frequentavam. Mas logo, Barbara voltou a surfar nas páginas e publicações do site, até algo em particular chamar sua atenção, enviando o artigo para o amigo também. Algo havia despertado o brilho no olhar da jovem adolescente, e Grayson havia percebido isso assim que voltou a observar os olhos da mesma através da tela de seu próprio computador.
- Relatos próximos de Batman nas localidades de Velha Gotham! — Barbara exclamou, exprimindo uma nota aguda e alta de ânimo no final
- “Testemunhas relatam uma figura gigantesca de um morcego circulando nas sombras das áreas mais pobres da cidade. Dois dos nossos usuários podem afirmar com toda a certeza que o relato é real e que algo, ou alguém, está atiçando a curiosidade do anjo sombrio da Cidade de Gotham.” — Dick leu o primeiro parágrafo da página que continha o relato — Ha! Ta muito bom pra ser verdade, hein Babs. Só falta a gente dar uma passadinha lá pra conferir as atividades do próprio justiceiro, hein?
- O Batman, aqui no meu bairro…
- Babs? — Ele exclamou, já sabendo qual era o estado da reação de sua amiga — Nem pense nisso.
- Mas Dick, é o Batman! — Ela exclamou, levantando as mãos para a tela do computador, suplicando — Imagine, se tem alguém que pode achar ele, é a filha do maior delegado de Gotham!
- Você quer pelo menos ler o resto do artigo? — Richard respondeu, impaciente
- Affe. Tá bom. — E então ela prosseguiu de onde ele tinha parado — “O local exato do avistamento foi no cruzamento da Rua Kane com a Rua Finger, perto do único conjunto de edifícios da Velha Gotham, incluindo a antiga Torre do Relógio, que marca o ponto de inauguração do município como uma cidade-estado em 1939. A praça em frente à Torre foi onde ele desapareceu, despencando do topo dela até uma espécie de vulto não identificado, que rapidamente levou o Cavaleiro das Trevas para longe do local, de acordo com a melhor aproximação pelo testemunho dos usuários.”
- Uh-oh… — Dick exclamou, sabendo que tinha acabado de piorar a situação
- São… A cinco quarteirões da minha casa!
- Barbara…
- Tá bom, “pai”...!
- Ah, qual é, eu to é te poupando de caçar um cara que nem sequer liga pra nossa existência!
- Ele é um herói!
- Ai ai, menina morcego, não precisa deixar isso mais claro do que você já costuma deixar! — Ele zombou, arregalando os olhos e pondo a ponta da língua pra fora
- Chato. — Ela retrucou, brincando, mas com uma pontada de incômodo na voz — Me diz se você pelo menos tem planos pra gente amanhã, eu preciso fazer alguma coisa que não seja estudar numa segunda.
- Ah, Grayson voando para o resgate! Eu tive a ideia de visitar o velho porto daí, fiquei sabendo que existem especulações de uma entrada para uma das catacumbas dos feiticeiros de Gotham em algum lugar da costa.
- Ok… Eu posso aceitar isso. — Barbara balançou a cabeça lentamente, olhos espremidos, sorriso malicioso
Os dois riram. Logo, Barbara teve de se despedir e começar a resolver suas tarefas escolares. Dick também tinha as suas, mas não é ele que tinha déficit de atenção, muito menos as mesmas tarefas que ela. O fato dos dois estarem em turmas diferentes sempre era algo que incomodava nesses momentos. Não poder contar com a ajuda dele para essas coisas do mesmo jeito que ela tinha sua presença para tantas outras coisas que os dois aprontaram juntos. “Ah…” ela começou a pensar consigo mesma, pegando o seu fichário, “Lembro da vez que enchemos a bolsa do Cletus, aquele trombadinha, de ovos podres e jogamos pela janela da diretora bem na hora que ele passou. Não sei como que eu passaria meus dias sem ele por lá. Por lá e por qualquer outro lugar, pra ser franca, cada lugar que ele já me levou… Sem falar da vez que ele me passou pelos fundos do circo dos pais dele pra assistir uma apresentação de graça. Como será que eram as apresentações dos míticos ‘Graysons Voadores’ no tempo de glória?”
Assim, subitamente, Barbara se deu conta do fichário em suas mãos de novo. Lá veio o déficit de atenção de novo. Nessas horas, não sabia se ficava com raiva desse comportamento ou com extrema apatia. Bom, procurou se focar com a tarefa em mãos, não iria querer nenhum de seus professores implicando com a falta de… Como chamavam mesmo? Proatividade da parte dela. Eventualmente ela conseguiu terminar suas tarefas e compartilhar um jantar com seu pai. Mas o pensamento do guardião das trevas ainda habitava os pensamentos profundos da jovem. Não havia momento, até quando finalmente se deitou, em que não pensava na aparição tão próxima do herói do seu coração, não havia momento ruim para lembrar que um guerreiro sombrio estava por aí, defendendo as vidas de pessoas como ela, daqueles que podem apenas sonhar um com um futuro brilhante que se encontra a frente de todo cidadão daquela cidade.
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