Seu pai havia sido chamado na diretoria, ela esperava do lado de fora. Estava tentando bolar mil e uma desculpas para conversar com seu velho, como de costume, mas sabia que não podia bolar nenhuma pra justificar aquilo. O Delegado Gordon saiu de lá com uma expressão calma, mas contida, a garota já sabia o que esperar. A diretora saiu de sua sala e foi a outro lugar, dando um momento a sós entre pai e filha, e James se sentou ao lado dela no banco do corredor, suspirando profundamente, colocando uma mão em sua cabeça, claramente irritado com a situação.
- Você quer falar alguma coisa? — Ele iniciou a conversa
- … Não.
- O que você tava pensando, Barbara?! — O delegado gritou, indignado — Pelo amor de Deus! Você pode pelo menos me dizer por onde você esteve…?
- … Não.
- Oh… — Ele desviou o olhar, colocando a mão na boca desta vez, seu olhar tinha extrema preocupação
- Eu não fiz nada de errado! Digo… Não nada do que garotas inconsequentes costumam fazer…
- Não sei se fico aliviado ou com ainda mais medo. — Ele disse, resoluto, a calma em sua voz gritava muito mais do que qualquer reação de desespero — Filha, você é uma garota… Muito especial. Você não tá nessa academia a toa, você vai se tornar uma mulher incrível, vai fazer coisas grandes de verdade, mas você… Ainda não descobriu esse potencial dentro de você.
- Não é isso…
- O fato de você continuar negando tudo o que eu falo só me dá mais certeza, Barbara! Não importa o que você fez ou quais os motivos que você diz pra si mesma que é, no fundo você sabe que é isso… — Barbara abaixou a cabeça, envergonhada — Mas suponho que isso seja minha culpa, parcialmente…
- O senhor não tem nada a ver com isso!
- Barbara, você começou a fazer essas coisas desde quando eu e sua mãe nos separamos. Você se sente uma criança perdida, eu sei como é isso, e começou por causa dessa mudança nas nossas vidas.
- Mas… Eu gosto da minha vida.
- Não foi isso o que eu disse. — Gordon respondeu, olhando profundamente nos olhos da filha. Ele ajeitou seus óculos e se levantou — Eu não vou fazer nada a respeito disso, por hora, mas você ganhou só uma advertência, de nada. Quer continuar aqui ou quer passar o resto da semana em casa?
- Eu… Quero continuar aqui, se você deixar.
- Certeza? Não vá se meter em confusão com aquela Harley.
- Tá tudo bem, tem peixe maior pra ela se preocupar.
- Bertinelli? — Gordon perguntou, Barbara balançou a cabeça confirmando — Imaginei. Bom… Vem cá.
Barbara se levantou e Jim se encolheu para envolvê-la num abraço. Ele beijou a testa da filha antes de se despedir e voltar para a delegacia. Barbara tinha mais uma chance pra fazer as coisas darem certo, não podia estragar tudo do jeito que fez agora. A primeira coisa que fez depois de se arrumar para o dia na academia foi procurar pelo amigo. Foi apenas na hora do recreio que ela o encontrou novamente, sentado ao lado da estátua do fundador da Academia Gotham, na típica posição de acrobata que ele sempre fazia quando ficava sozinho, coisa que ele não gostava de reconhecer, mas ela sempre pegava no pé. Ele estava com um sanduíche na mão quando ela se aproximou, e engoliu mais um grande pedaço quando ele percebeu.
- Oi Dick…
- Babs. — Ele respondeu, silenciosamente.
- Desculpe pelo outro dia. Eu conversei com o meu pai hoje e… Bom, me fez pensar. Você estava certo. — Ele levantou uma sobrancelha, e finalmente olhou para o rosto dela — Eu realmente tô sendo afetada por essa situação com os meus pais. Eles eram tudo pra mim e agora… Bom, eles ainda são, mas isso mudou. É como se o sentimento deles tivesse esfriado, eu não me sinto mais segura quando eu penso neles, é como se a minha vida sem eles tivesse acabado de começar, mas eles ainda estão lá, é muito confuso e me deixa com medo. E eu preciso de você…
- Precisa de mim? — Os olhos de Grayson brilharam com o que Barbara havia acabado de dizer
- Sim, eu preciso de você. Você é o meu melhor amigo, eu… Te amo, sabe. Ninguém além dos meus pais me conhece como você. E preciso de ajuda pra descobrir o que eu faço agora…
- O que você faz? Diz, da sua vida?
- Sim, e de outras coisas também, tá vendo isso? — Ela apontou para a tipoia — Sabe como eu fiz?
- Como?
- Eu fui na Torre do Relógio ontem… — Ela sussurrou
- O que?! — Dick quase gritou, abaixando a voz logo em seguida — Você tá maluca?
- Calma… Eu to viva, não to? Eu descobri uma coisa lá, Dick… Uma coisa assustadora.
Mais tarde, no fim da tarde, os dois se reuniram na praça da academia mais uma vez, algumas pessoas caminhavam por lá e a iluminação já começava a se acender, eles sentaram com o laptop de Barbara e vários papéis e livros de suas pesquisas sobre Gotham. Barbara respirou profundamente e começou a contar tudo o que aconteceu, tentou ser o mais detalhista possível sobre tudo, e Dick apenas escutou, estático. Ao terminar, foi a vez dele respirar profundamente antes de acrescentar suas observações ao relato da amiga. Ele pegou um caderno e um lápis, e começou a falar.
- Certo… Esse “Rei Relógio” que você mencionou, ele claramente é obcecado por horários, certo?
- Sim.
- Ele só deve ter doze capangas, pelo o que você me disse, a mais assustadora é essa tal de Meia-Noite. Pra entender o que eles querem fazer, a gente só tem que entender os códigos e as coisas que você escutou. Qual parte da conversa você disse que foi mesmo?
- Eles estavam falando de… Uma distração, nas Indústrias Stagg. Foi seguido de um código, acho que cada um significa um plano de ação.
- E como eram os códigos? — Dick começou a rabiscar algo em seu caderno
- Ah… “23 e 30”, “9 e 32”, “1 e 47”, “10 e 5”.
- Como… Desse jeito? — Dick revelou o que desenhara
No caderno, um relógio sem ponteiros, e havia dois círculos numerados, um que ia do zero até o doze, e outro que ia do treze até o vinte e quatro. Barbara não entendeu bem, então Dick tentou ser mais explicativo.
- Um dia tem vinte e quatro horas, Barbara. Nós separamos os horários em AM e PM, a primeira metade e a segunda metade de um dia. Esse rei relógio só usa o jeito mais… Clássico de medir o tempo, por assim dizer. “23 e 30” é nada mais que onze e meia da noite.
- Oh… Faz sentido! — Ela se aproximou do caderno — Por isso o primeiro número não passava de vinte e quatro.
- Sim, e olha… Eles tão programando até o que os “dispositivos” deles vão fazer. Uma distração nas Indústrias Stagg, uma armação espalhada por todo o perímetro de Gotham, e tudo isso começou porque o Batman esteve lá… Mas você disse que não viu ele.
- Dick… Eu acho que o Batman não sabe o que tá acontecendo.
- Bom… Sempre existe a possibilidade de… Você sabe.
- O que?
- … Dele não existir. De repente, Gotham pode só ser um lugar tenebroso cheio de terroristas, e não existe realmente uma entidade da noite para punir os criminosos e proteger os inocentes.
- Não… Não, não, eu me recuso a acreditar nisso. — Barbara desviou o olhar, assustada com a prospecção do Batman não ser nada além de uma lenda — A distração deles, com certeza foi pra distrair o Batman.
- Então ele está despistando o Batman com uma precisão cronológica. Se nós não avisarmos ele, esse “Rei Relógio” vai realmente ter o tempo a favor dele, e vai ser tarde demais pra… Espera, o que exatamente ele deve estar planejando?
- Eu não sei… No mínimo ele está planejando um atentado às Indústrias Stagg. Isso tem que ser o suficiente pra convencer…
- Convencer quem? O seu pai?
- Não! O Batman!
- Você quer tentar entrar em contato com o Batman?!
- Claro! Ele é o único que pode parar O Rei Relógio, igual aconteceu com o Coringa e o Charada.
- Mas… Isso foi a polícia.
- Não foi não… — Barbara sorriu
- O que seu pai anda te contando?
- Nada… Além de que tem um vigilante por aí fazendo um pedaço do trabalho deles.
- Acho bom você estar certa, Babs. Como nós vamos contatar o Cavaleiro das Trevas?
- Simples: Nós colocamos um farol pra ele seguir.
- Como um holofote?
- Não, seu tonto, um chamariz, um indício de que algum crime vai acontecer.
- E como você pretende fazer isso sem…? Sabe, chamar a atenção da polícia e se meter em problemas.
- Dark Web — Barbara começou a teclar freneticamente em seu laptop — Se o Batman consegue farejar o cheiro do crime, ele com certeza deve ter uma conexão quase psíquica com esse reduto da internet. Tráfico de pessoas, registro de assassinatos, contratação de mercenários, transmissão ao vivo de realities de tortura, venda de dados confidenciais e difamatórios, é o reduto de criminosos que ele adoraria botar as mãos.
- E você vai fazer exatamente o que por lá?
- Eu vou entrar numa comunidade de assassinos de aluguel e me passar por um. Vou registrar um serviço que vai entrar na ficha da polícia amanhã, e vou fazer isso parecer algo grande…
- Como um atentado terrorista?
- Não me entenda mal, não quero passar como um Coringa genérico, eu vou ser bem específica. Sou um sniper profissional, pra ele procurar em topos de prédios, vou registrar a morte de uma importante figura pública da cidade, mas quem…?
- Seria bom ser alguém que não pode colocar a gente em mais enrascadas, como… Bom.
- Quem?
- O seu pai. Um importante delegado de polícia que irrita muita gente.
- Alguém de quem eu sei a rotina e, se ele ficar sabendo, não vai me fazer nada além de me colocar de castigo pro resto da minha vida… Acho que tá valendo.
- Tem certeza, Babs?
- Não… Mas situações desesperadas requerem medidas desesperadas, e eu não tenho nada além do meu computador e do meu domínio de informática, vai ter que servir também.
- Vai querer que eu vá com você?
- Não… Eu comecei isso sozinha, Dick, não quero te envolver mais do que você já tá envolvido.
- Pelo menos me deixa te mostrar uma coisa… — Ele pegou um mapa muito familiar para ambos — Eu estudei as catamcumbas de Gotham. Se elas forem realmente reais e aquela caverna que a gente encontrou for esse ponto que sinalizamos aqui, então tem outras duas passagens muito úteis. Aqui fica perto da sua casa, sai na estação de metrô da Velha Gotham. E aqui… Você não vai acreditar. É debaixo do dormitório das meninas aqui, se você conseguir achar uma passagem por lá, é uma entrada direta para as catacumbas, você pode se locomover sem dar falta.
- Uau… Isso é incrível. O que eu faria sem você, Dick? — Ela o abraçou, e ele retribuiu — Eu preciso me preparar pra encontrar o Batman então.
- Posso dar uma sugestão?
- Como assim?
- Você precisa passar despercebida, não dá pra você simplesmente aparecer lá com o uniforme da Academia, você precisa se misturar com as sombras e não chamar a atenção de ninguém além do Batman.
- O que você tá sugerindo? — Barbara abriu uma expressão de confusão, e Dick abriu um largo sorriso.
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