Depois de enfrentar a morte de perto e ser salva pelos três garotos, juntos, nos preparamos para masmorra dos homens-serpente. A confiança de cada um era alta, o que me deixava um pouco apreensiva... Da última vez que estive em uma equipe que transbordava confiança, não tivemos um final muito agradável.
A toca daquelas criaturas parecia ser soterrada dentro das areias do deserto, olhando de forma estética, parecia que o local que nós entrávamos era pelo segundo andar e o resto dela estaria escondido a baixo do chão. Era uma enorme fortaleza feita de uma pedra mais clara, com estruturas rústicas, torres em suas extremidades capazes de cair a qualquer momento e um portal em formato de arco para sua entrada.
Quando saímos das areias e começamos a pisar no que seria o chão daquele local, dava para perceber... A entrada era uma varanda aberta! Realmente estávamos no que seria o segundo andar daquela fortaleza.
Entrando, um vazio atrás de nós é criado, impedindo que qualquer um saísse. Quando um jogador iniciava uma masmorra, sua entrada era selada e ele só poderia sair quando terminasse, morresse ou desistisse. Pelo que me foi explicado, essa mecânica foi desenvolvida para evitar que outros jogadores participassem e roubassem os tesouros das pessoas que já estariam explorando.
– Ok, entramos pelo segundo andar. Isso nos dá um tempo para decidir o que fazer antes dos Yuan-tis nos encontrarem. – Akiguya guardava sua espada e abria seu Registro de Jogador.
– Yuan... O que? – Aquele nome era novo para mim.
– Yuan-tis. É o nome dos seres que te atacaram, eles são uma das raças demoníacas que vivem no deserto. Basicamente serpentes com corpo de gente. – Uryu, como sempre, sabia o significado de cada coisa e explicava com bastante clareza. – Originalmente em RPGs eles não são necessariamente demônios, mas... Nesse jogo as raças são mais simplificadas. Criaturas que possuem anormalidades físicas e alinhamentos malignos são demônios e as mais bondosas são raças anciãs ou anjos. Assumo não gostar muito dessa lore.
– Agora que você terminou sua aula de história... Consegue acessar o mapa da masmorra que ganhamos daquele mercador? – O ruivo não parecia muito paciente.
– Como vocês conseguiram esse mapa? O cartaz que pegamos não nos disponibilizou nenhum item.
– Ah... Isso é por conta do sistema aleatório de quests. Existe mais de uma maneira de conseguir a mesma missão nesse jogo, e cada uma delas tem o seu próprio contexto e itens especiais. – Akiguya me explicava enquanto mostrava sua lista de missões no Registro de Jogador.
– Você tinha que ver, o Aki quase perdeu as próprias roupas pra conseguir esse mapa de um velho caduco que tava fazendo apostas no bar hahaha! – Kronus tirava sarro de seu amigo, era possível ver Uryu no fundo tentando segurar a risada.
– No fim eu ganhei aquela aposta, não foi?! – Gritava com seus companheiros, ele parecia estar bastante nervoso. Admito ter soltado uma risada camuflada.
– Enfim... – Uryu tomou a frente e abriu o mapa com seu Registro para que todos nós pudéssemos ver – Tenho toda a fortaleza mapeada comigo.
– Para que lado fica a sala do Boss? – Perguntou o ruivo.
– Esquerda. Precisamos descer, virar alguns corredores, talvez enfrentar alguns inimigos, depois encontrar uma porta feita de madeira e... Nossa! – Ele pausava sua explicação e encarava o mapa, enquanto apoiava sua mão no queixo. Seu olhar era sério e mau humorado.
– O que foi, algum problema? – Todos o encaravam com um olhar preocupado, ele parecia se preparar para dizer algo importante.
– O Level design dessa dungeon é muito mau feito. – Uryu ajeitava seus olhos.
...
– MÁ VOCÊ SÓ RECLAMA, EIN?! – Esperando uma resposta mais séria, Akiguya parecia ter desmontado com a afirmação de seu colega.
– Então... Qual o plano de vocês? – Tentei fazer com que os garotos não saíssem do foco.
– Estratégia básica, Uryu e eu vamos para esquerda na direção da sala do Boss e vocês vão pra direita.
– Por que devemos nos separar se já sabemos em qual direção é a sala do Chefe?
– Não se preocupe, em dungeons pequenas o Aki sempre faz isso. Ele quer que vocês verifiquem se não tem nenhum tesouro escondido. – Uryu parecia ver aquilo como uma situação cotidiana e já se preparava para acompanhar seu amigo.
Os dois partiam na direção correta, nos deixando para trás.
– ... Parece que é com a gente agora! – Kronus socou a palma de sua mão como sinal de entusiasmo. – Vamos ir rápido para podermos alcançá-los depois.
– C-certo! – Chegou a hora de encarar aquelas criaturas de frente! Meus sentimentos de nervosismo não desapareceram, porém, por algum motivo, eu me sentia muito mais segura perto desta criança.
– Ah! – Ele exclamou. – Você deve ter perdido bastante mana por causa dos seus amigos, não é? – Buscando em seu inventário... Um frasco transparente com um líquido azul surge em sua mão. – Aqui, é uma poção de mana, vai te ajudar.
– Obrigada. – Eu tomava a poção e sentia como se minhas forças estivessem sendo revigoradas.
Após recuperar meus encantamentos, marchamos em direção ao caminho oposto dos outros dois garotos. Estávamos andando um pouco sem rumo já que nossa missão se consistia em apenas explorar, embora havia algo de estranho... Mesmo andando sem rumo, Kronus parecia saber exatamente por qual caminho ir. Esquerda, direita, cruzando o corredor, as vezes em linha reta... Não pareciam movimentos aleatórios, mas sim, de alguém que conhecia o caminho que deveria se dirigir.
Nossa intenção era explorar a masmorra, mas sua velocidade era tão alta que, além de ser difícil de acompanhar, não dava para ver quase nada dos locais que passávamos.
– Nós... Não deveríamos ir um pouco mais devagar? Podemos deixar algo para trás se continuarmos nesse ritmo. – Tentei incentivá-lo a reduzir um pouco seus passos.
– Não tem nada aqui atrás. Vamos encontrar mais coisas se seguirmos por este caminho. – Era raro suas expressões estarem sérias, ele sempre parecia deixar um sorriso simpático no rosto.
– Como tem certeza?
– Eu decorei o mapa. Aqui são apenas salas vazias ou com itens de baixo valor, se quisermos achar algo realmente valioso, precisamos encontrar aquelas cobras gigantes.
Eu não estava conseguindo acreditar no que tinha acabado de ouvir. Como ele havia decorado todo aquele mapa apenas olhando?! Isso era muito mais do que só habilidade, era quase um poder sobre-humano!
– Como você conseguiu decorar aquele mapa tão rápido?!
– Ué, eu fiquei olhando pra ele até memorizar, não é assim que as pessoas fazem? – Da forma que ele falava, parecia realmente algo simples, não dava pra acreditar como alguém fazia aquilo com tanta naturalidade.
Caminhamos por um longo caminho, até que finalmente fomos impedidos pelo que seria aqueles ''Yuan-tis''. Inicialmente haviam seis deles, mas quando olhamos para trás, ficamos cercados por mais duas daquelas criaturas.
Eles eram gigantescos por conta do pescoço, seus músculos eram bem definidos, não usavam roupas além de um saiote rasgado. Carregando escudos em uma mão e espadas grandes em outra. Seus barulhos de serpente eram mesclados com gritos um pouco humanoides, era um pouco medonho para quem não estava acostumado.
Se aproximando lentamente de nós, meu desespero começou a subir e minhas pernas ficaram bambas, senti como se tudo estivesse acontecendo de novo. Quando olhei para Kronus... Ele estava com um sorriso no rosto.
Por que... Por que ele estava sorrindo? Ele não tem noção do perigo que estamos? Se morrermos, podemos perder tudo o que conseguimos e começar do zero! Sem contar no quão assustador que é morrer para esses monstros bizarros, eu não estava acreditando e não queria passar por isso de novo!
– Ei, Emma... Você por um acaso teria a magia de ''Aceleração''? – Sua voz demonstrava determinação e seu sorriso era um pouco megalomaníaco.
– E-eu acho que tenho, por que? Estamos cercados, não vamos conseguir fugir!
– E desde quando eu falei em fugir? – Seu olhar era sádico, um sorriso que conseguia ser mais assustador do que as próprias anomalias, toda a expressão infantil de seu rosto havia desaparecido. – Use em mim e se proteja, isso vai ser rápido.
– O-ok! – Eu estava nervosa, mas se ele realmente tinha um plano, farei o possível para ajudá-lo, não quero morrer aqui. – Dominus, qui gubernat tempora, dona nobis necessaria celeritate!
Um raio de luz surgiu pelos pés de Kronus, sua velocidade havia se ampliado graças a minha magia. Agora sua agilidade era superior a de um jogador normal.
– Beleza! – Ele fechava seu punho com bastante força. – Vocês querem me matar, né? Pois então tentem me acompanhar!
Algo bizarro aconteceu, a magia de aceleração lhe concedia a capacidade de se mover mais rápido, só que ele não estava se movimentando... Mas sim teleportando!
Num avanço repentino, Kronus aparecia atrás de um dos Yuan-tis que nos cercavam, seus inimigos se chocavam ao presenciar sua velocidade. O único jeito de saber para que lado ele estava, era através da força do vento.
Girando seu machado gigantesco em um movimento horizontal, ele cortava uma das serpentes ao meio, separando seu tronco das pernas. Ela desaparecia no ar em uma explosão de pixels e luz.
Teleportando novamente, dessa vez para ficar frente a frente com uma das criaturas, ele a golpeava no peito com suas mãos nuas e usando apenas a força de seus músculos, o homem-serpente voava em direção a uma das paredes da sala. Sua colisão demolia a construção, fazendo com que ele fosse parar em outro corredor.
Como essa criança fazia isso? Sua velocidade está muito mais alta do que deveria e sua força ultrapassa seu nível!
Nossos inimigos não iam se deixar por vencido. Dois deles tentavam atacá-lo ao mesmo tempo com suas espadas em um corte diagonal, um ataque da direita e outro da esquerda. Kronus se abaixava, dando uma rasteira em um de seus adversários, um deles se tornava um alvo acidental, tendo seu pescoço decepado pela lâmina de seu próprio companheiro.
Agachado, o garoto de expressões sádicas, segurava seu machado com as duas mãos e fazia um corte vertical de baixo para cima, dividindo seu oponente em duas metades de um mesmo ser.
Um deles desistiu de atacá-lo e veio em minha direção. Eu tentei me afastar, até ficar encurralada por causa da parede que estava atrás de mim. O Yuan-ti saltava em um ataque furioso, prestes a me acertar com sua espada, num piscar de olhos, Kronus aparecia na minha frente com um olhar sério e sem medo. No momento em que a espada atravessaria sua pele, ele a segurava com sua mão esquerda e a quebrava apenas com sua força bruta. Seu próximo movimento, foi avançar no homem-serpente com o machado, o monstro tentou esquivar mas sofreu um corte no peito, que a primeira vista, não era tão letal, mas foi o suficiente para que os pontos de vida chegassem a 0.
Aquilo não era possível! Ele derrotava todos com apenas um único golpe, ele era pra estar em níveis muito mais baixos que o meu, como ele é capaz de fazer isso?! Sua força superou até mesmo um dos jogadores mais fortes da minha antiga equipe!
– ''Lampejo Repentino'' – Ele dizia come se soubesse o que eu estava pensando. – É um item que permite o jogador teleportar pequenas distâncias, baseado em sua velocidade. Com a magia de Aceleração posso ser capaz de ativar a passiva desse item.
Todas as criaturas iam em sua direção de uma vez só, interrompendo sua explicação. Um deles tentou um corte horizontal, mas Kronus abusou de sua altura para desviar e o golpeou no estômago com uma joelhada. Sem intervalos, outro adversário tentou lhe morder com suas presas de serpente. A mordida foi bem profunda em seu ombro e o Yuan-ti o prendeu com seus dentes impedindo-o de continuar se movendo.
A primeira vista, sua situação demonstrava ser problemática, mas como se não fosse nada, ele erguia sua mão desarmada lentamente, segurando no pescoço cumprido do ser e o pressionando com bastante força. Um ''crack'' foi ouvido e ela caia no chão morta, soltando-se do ombro do rapaz.
Havia sobrado apenas um homem-serpente, ele estava horrorizado com o fato de todos os seus companheiros terem sido neutralizados. Sua abordagem era mais defensiva, erguendo o escudo bem alto.
– Emma, remova o veneno, por favor. Ele não me afeta, mas reduz minha velocidade.
– O-oh, certo, deixa comigo! – O que aconteceu com aquele garoto engraçadinho de aparência delicada que vi antes? Como alguém pode mudar em um tempo tão curto? – O mater natura, nos ex hac cui maledixisti passionem consummare.
Os status negativos desapareciam, ele estava curado do veneno causado pelo Yuan-ti, agora podia novamente se mover sem quaisquer dificuldades.
Seu inimigo estava com medo de avançar, mas ao perceber que estava sendo ignorado, ele avançou em direção de Kronus com o escudo levantado. O garoto tratava aquela proteção como se não fosse nada, brandindo seu machado e golpeando na superfície de aço, o escudo era destroçado e transformado em algo inútil. O monstro não recuava, ele brandia sua espada corajosamente, era possível ver o impacto das armas colidindo e o tilintar do ferro. O Yuan-ti atacava pela esquerda e Kronus usava seu machado de forma defensiva, por conta do tamanho, ele podia ser utilizado como escudo.
O garoto não conseguia uma oportunidade de ataque, seu oponente estava em frenesi e nada o impediria. Direita, esquerda, direita e esquerda, movimentos caóticos e desorganizados de alguém que perdeu todos seus companheiros e continuou lutando para vencer seus inimigos.
Depois de tantos ataques repetitivos, a paciência havia acabado, teleportando para trás de seu adversário, Kronus o golpeava com um soco que atravessava sua carne. Todos os inimigos haviam sido executados e seu caminho estava livre, mas o mais assustador era a expressão sem vida nos olhos do menino que outrora sorria como quem vivia uma vida colorida.
– Esse foi o último. – Ele dizia numa entonação sombria. – Ufa! Até que deu pra suar, não é? Hihihi! – Suas atitudes voltaram a ser a de uma criança sorridente, aquilo era bizarro de presenciar.
– Nossa, você é muito forte, como conseguiu fazer isso? – Tinha muitas dúvidas em minha mente, a principal era sobre sua tamanha força.
– Bárbaros sempre são uma classe bastante roubada quando o assunto é trocação franca. Por isso gosto de usar eles, mas admito que sempre perco um pouco o controle hehe... – Ele coçava sua cabeça com um pouco de vergonha. – Parece que não tem nada aqui de importante, só inimigos e corredores sem saída.
Exploramos todas as salas que podiam conter algo útil, mas todos os baús eram lotados de equipamentos de baixo nível e recompensas que só eram úteis para quem ainda estava começando a jogar ou tinha interesse em trabalhar como um mercador. Kronus parecia um pouco insatisfeito por ter tido um enorme trabalho atoa, mas algo chamava sua atenção.
– Opa! – Algo apitava em seu menu – É uma mensagem do Aki e do Uryu, eles chegaram na sala do Boss, vamos lá?
– Já que não tem nada aqui... É bom nos reunirmos com eles.
Nos decepcionando por não ter encontrado nada de relevante, íamos na direção dos outros para enfim terminar essa missão e voltar para a capital.
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