Nos encontramos com os dois membros restantes em frente a porta do que seria a área final daquela masmorra.
– Prontos? – O Guerreiro perguntou. Ele tinha um sorriso confiante que me tranquilizava um pouco. Aquele lugar ainda me deixava meio nervosa.
– Logo atrás de você! – Kronus ajeitou o machado em seu ombro. Ele estava com o mesmo sorriso da luta anterior. Eu silenciosamente agradeci por aquele garoto estar do nosso lado. Ele sabia ser intimidante mesmo tendo uma estatura questionável.
– Senhorita Emma? – O Rapaz de óculos chamava minha atenção. Eu não tinha percebido ele falando, estava inerte em meus próprios pensamentos. – Preparada? Imagino que ainda deve se sentir um pouco desconfortável.
– Sim, pronta! Desculpe, eu me distraí. – Eu fiz uma meia reverência por reflexo.
– Certo. Fique atrás de mim. – O Arqueiro assentiu e fez um sinal para Aki. O Guerreiro empurrou as portas do salão e deu vista ao covil do Inimigo final da masmorra. Ele e Kronus entraram primeiro, seguido de Uryu, comigo logo atrás.
Nós nos vimos na entrada de uma caverna meio oval enorme. As paredes e teto tinham sido esculpidas direto da pedram, decoradas com tapeçarias e tecidos coloridos. Prateleiras cheias de livros e artefatos, mesas com ainda mais livros e aparatos de poções alquímicas. Um pedestal decorava um pequeno altar no fundo da caverna e uma bola de cristal permanecia flutuando, pouco acima da superfície do dito pedestal.
Nós nos aproximamos lentamente. Akiguya fez um sinal para os outros dois e se separou do grupo. Eu o vi se esconder atrás de uma coluna próxima, parecendo esperar por alguma coisa.
– Pra onde ele tá indo? – Eu sussurrei para Uryu.
– Formação 2v1, basicamente distraímos o Boss enquanto o Aki aguarda uma oportunidade para desferir um golpe crítico. Kronus é a nossa linha de frente, eu sou retaguarda, e o Aki é responsável por ataques surpresa, já que é o mais forte de nós três.
Você ficará comigo, fornecendo proteção e suporte contra magias de debuff, entendeu? – Uryu explicou.
Eu acenei com a cabeça, sem entender muito bem. 2V1 deveria ser alguma gíria que eu ainda não tinha conhecimento. Mas o geral era claro: eles tinham um plano.
O Inimigo nos aguardava no meio do salão, Lorde Serpente vestia um manto que lembrava o de um mago. O monstro tinha escamas num misto estranho de um amarelo doentio e um verde mofado. Eu não vi nenhuma arma óbvia com ele, além de um cajado dourado com ornamentos de uma cobra rei, provavelmente deveria ser seu catalizador mágico, o que sustentava a minha teoria de uso de magia.
– Humanos Desprezíveis! – O Mago-Serpente sibilou para nós. – Acham mesmo que podem invadir o domínio de Zhatlan, O Grande Lorde Serpente, tão facilmente? Preparem-se par–...
Enquanto o Conjurador proclamava seu monólogo, o bárbaro, sem pensar duas vezes, avançou. Quando eu pensei em perguntar, Kronus já estava em pleno ar, com seu machado erguido, a meio caminho da criatura.
O bater do machado abriu uma cratera onde o Lorde estava segundos antes. Eu senti o tremor do chão pelo meu corpo. A minha visão foi bloqueada por uma nuvem de poeira e detritos causados pelo impacto. Mais uma vez, eu agradeci por aquela força estar do nosso lado, embora...
Quando Kronus arrancou o machado do chão. Eu percebi que não havia nenhum vestígio do Homem-Serpente. Nem mesmo os pixels estilhaçados de quando um inimigo morre.
– Tolos! – A voz de Zhatlan veio de uma parte distante da sala. Ele estava intacto, como se a investida do garoto nem tivesse acontecido. – Acham mesmo que eu seria pego por um ataque tão ignóbil? – A escolha de palavras nunca foi tão condizente. – Saibam, aventureiros miseráveis: Vocês não são nem mesmos capazes de me tocar.
– Hehehe... Ele é rápido... – O menino bárbaro sorria em expressões sádicas. Eu tinha certeza que Kronus tinha o atingido. Não havia como se esquivar tão rápido!
– Emma! – Eu o ouvi chamando de forma bem furiosa, aquilo me arrepiou um pouco. – Pode aumentar minha velocidade de novo, por favor? – Ele voltava a me encarar com um sorriso igual ao de uma criancinha inocente. Sua mudança de personalidade era, definitivamente, a coisa mais assustadora que eu já havia presenciado.
Eu olhei confusa, me apressei e lancei o feitiço no garoto Bárbaro. Canalizando as mesmas palavras da última vez, "Dominus, qui gubernat tempora, dona nobis necessaria celeritate!" Seus pés brilhavam novamente e sua agilidade se tornava imparável.
– Obrigado! – O Bárbaro abriu um enorme sorriso de agradecimento, desaparecendo logo em seguida.
Assim como na luta anterior, Kronus reapareceu instantaneamente na frente do Inimigo, seu machado estava erguido e pronto para esmagar o monstro. O Homem-Serpente novamente teletransportou segundos antes do machado atingi-lo. Destroços voavam pela sala a cada golpear.
A partir dali deu início a uma verdadeira luta de gato e rato. Kronus teletransportando para Zhatlan, o Arquimago teletrasportando para longe e ocasionalmente atacando com mísseis mágicos, cortinas de veneno e rajadas de energia. Ataques que quase todos erravam o alvo. Um deles quase acertou o pequeno guerreiro, que desviou com uma leveza impressionante.
O Arqueiro recuou alguns passos para trás e eu o segui. Ele tentou atingir o Lorde Yuan-ti entre teletransportes, sem muito sucesso. Tudo o que eu podia fazer era continuar com a aceleração e cura quando necessário.
Subitamente, quando eu percebi, o machado de Kronus estava a centímetros da cabeça de Zhatlan. Não tinha escape dessa vez, o ataque ia conectar.
Mas então, um estranho flash amarelado cobriu o Arquimago. O impacto do machado criou uma onda de choque tão poderosa que até Akiguya vacilou atrás do esconderijo. Os dois pareceram congelar por um segundo. Kronus no ar, pressionando o machado contra uma superfície de luz que o impedia de acertar o crânio da serpente humanoide.
Outra explosão se seguiu. Eu observei horrorizada o jovem Bárbaro ser atirado em direção a parede. Não, observei o garoto atravessar a parede. Uma cratera tão funda que eu nem conseguia vê-lo.
– Patético. – A Criatura sibilou com desprezo pingando da voz. – Tentando ferir o grandioso Zhatlan com mera força bruta. Minha Barreira Refletora vai devolver sua arrogância duplicada!
Eu abri desesperada o menu de equipe, Aliviada, eu vi que Kronus ainda estava vivo e com certa vida sobrando. Ainda assim, eu não sabia se ele estava consciente. O garoto tinha atravessado uma parede afinal de contas.
– Uryu, O que fare–... – Eu comecei a perguntar em desespero, subitamente, ele me puxa pela gola do manto, me levando em direção a um canto afastado da sala.
– Escudo. Agora! – Uryu gritou enquanto preparava o arco. Eu acabei me atrapalhando um pouco com o feitiço, Mater omnium, Tua nos virtute benedicta protege! Uma luz num branco translúcido nos envolvia, protegendo nossos arredores, a forma oval conseguia conceder a nós dois uma resistência maior a ataques mágicos.
– O que foi aquilo?! – O choque diminuiu o suficiente para que eu conseguisse perguntar.
– Barreira Refletora é uma magia que absorve qualquer ataque físico. – Uryu gesticulou enquanto mirava no Yuan-ti com a ponta da flecha. – E devolve em dobro a comando do mago.
Meus olhos voltaram para a cratera. Eu vi Kronus sair da parede parecendo estar um pouco tonto. Ainda assim, ele sorria num olhar psicótico e sedento. O Bárbaro parecia animado em voltar para a luta, mesmo depois de ser jogado daquele jeito. – Vocês tem um plano para isso, não tem? Por favor, me diz que sim. – Eu implorava assustada.
– Tenho. Mantenha o escudo e fique atrás de mim. De preferência, sem ficar chorando. – O Arqueiro fechou seus olhos, respirando fundo e quando soltou seu ar, a ponta de sua flecha brilhou como um encantamento. Um brilho caleidoscópico e ainda assim suave de roxo, azul, branco e preto.
O Yuan-ti se arrastava lentamente em direção ao jovem Bárbaro. Quase de costas para nós. A flecha do Arcano deixou o arco com uma força e graça digna de alguém que parecia ter anos de experiência com este tipo de equipamento, cravando no ombro de Zhatlan.
O grito de dor do monstro quase me passou batido. O foco da minha atenção agora era o fato do escudo ter quebrado e desaparecido assim que a flecha o atingiu.
– Como ousa?! – O Monstro se virou para nós com ódio. As presas pingando veneno verde e espesso que chiava ao atingir o chão.
Kronus viu a oportunidade e a agarrou. Correu em direção a criatura e saltou num movimento fluido. O machado subiu e desceu direto sobre o Lorde distraído.
Mais uma vez, um impacto arrepiante e destrutivo, nuvens de poeira e tremores. Quando Kronus ergueu o machado, havia uma serpente muito ferida e muito esmagada, colada contra o chão.
A visão me deu um pouco de pena. Aquele golpe, sozinho, tinha reduzido quase três quartos da vida do Lorde Serpente e o corpo dele refletia o dano: Manto rasgado e manchado de sangue verde, cortes, arranhões e outros tipos de ferida pelo corpo, uma presa visivelmente quebrada, dentre outros detalhes que construíam a imagem de uma cobra atropelada por um caminhão.
– Espera, mas... – Eu me voltei ao Arqueiro Arcano em busca de uma explicação. – Como você quebrou o escudo dele?
Uryu ajeitou os óculos de um jeito quase teatral. – Flecha enfeitiçada com Antimagia. Minha classe permite encantar flechas com magias da classe conjuradora. Está em questão, anula qualquer resquício de energia mágica que atingir.
Kronus recolheu a arma e esperou, encarando o Arquimago por alguns segundos. – E aí, era só isso? Achei que ia ser coisa pior depois daquele counter. – O bárbaro pôs a arma nas costas novamente e veio andando até mim e Uryu. – Emma, pode me curar por favor?
– Foi mais fácil que eu me lembrava, tem certeza que aquele mapa do tesouro realmente dava para uma missão de alto nível? – Disse Uryu enquanto Kronus lhe respondia dando de ombros.
Aliviada, eu soltei o fôlego que não percebi segurar. Ao menos tudo tinha ocorrido bem. Eles são fortes. Muito fortes. Mesmo tendo níveis mais baixos que o meu e nessa masmorra tão difícil... Quem são essas pessoas?
– Kronus! – A voz de Aki veio de trás de uma mureta. – Atrás de você!
E foi nesse momento que a confusão começou de verdade.
Instintivamente procurei o Homem-Serpente, assim como Uryu e o garoto Bárbaro. Foi no exato momento em que Kronus se virou que o raio de energia deixou a mão do Lorde Serpente e atravessou seu peito.
Eu senti meu corpo esfriar. Meus músculos travaram. Eu não conseguia pensar. O corpo dele fez um som pesado ao bater no chão.
Diante os meus olhos, o Yuan-ti se levantou. Ainda ferido, se apoiando em seu cajado dourado, e agora verdadeiramente enfurecido. O Arquimago levantou o braço esquerdo que brilhava na mesma aura doentia que seu escudo.
– Emma! Crie um escudo em volta de Kron–...
Antes que Uryu pudesse terminar a frase, um grito, uma série de sibilos de cortar a alma ecoou pela caverna. O brilho foi aumentando e aumentando até explodir como uma supernova.
Eu não soube dizer tudo o que aconteceu. Foi tudo rápido demais. O escudo quebrou e eu me senti bater no chão. Quando me dei por mim, estávamos eu e Uryu, metros de distância de onde estávamos antes, quase contra a parede.
Meu corpo parecia pesado, minha visão não focava. Eu não conseguia falar, não conseguia pensar direito. Estava tão abalada que mal ouvi o Arqueiro me chamando até ele estar me chacoalhando pelos ombros.
– Emma, Emma! – O mundo voltou a ficar em foco. E o que eu vi foi um cenário de devastação.
Uryu, ferido, com metade da barra de vida arrancada e chamando pelo meu nome. Ele teria escapado ileso, porém se sacrificou para tentar me salvar. Ao que parecia, aquele ataque teria me eliminado de uma vez só. Kronus caído quase morto a meio caminho do Lorde Serpente. Toda a caverna devastada e ainda com traços daquele poder. E Zhatlan, o Arquimago Yuan-ti, ainda de pé, parte da vida recuperada e olhando direto para nós.
– Emma! O Kronus, cure-o agora! O Arqueiro repetia. Meu cérebro lento que demorou para processar. Curar... Sim! Eu posso curar!
Ergui os braços e tentei recitar o feitiço de cura. Mater potens omnium, Clamat tua nata praesidia, Collega ne cadat in arma mortis. A magia fluiu do meu peito para as mãos. Eu preciso ajudar ele. Eu tenho que salvar o Kronus!
Mas... aquela presença... Ele está atrás de mim.
Eu senti. Sem nem precisar me virar. Aquela presença aterrorizante e com sede de sangue. Eu não conseguia me mexer, meus músculos não respondiam. Eu vou morrer, era a única coisa que conseguia pensar. Eu vou morrer aqui.
– Maldição! – Uryu pulou na minha direção e me abraçou forte. Antes que o meu cérebro pudesse processar tudo aquilo, ele me deu um puxão para longe. Segundos depois o ponto onde eu estava foi esmagado por uma mão reptiliana.
– Emma, ele vai focar em você! – O Arqueiro quase me carregava na direção do Bárbaro. – Vai ajudar o Kronus, eu cuido dele. – O garoto de óculos puxava mais uma flecha de suas costas.
Ele mal terminava de falar e algo o atingia, fomos os dois rolando ao chão.
– Agh, era só o que me faltava! – Eu me virei e percebi do que o Arqueiro estava falando... Do joelho esquerdo para baixo, sua perna havia desaparecido. Onde no mundo real teria osso e sangue, naquele mundo era uma camada de luz vermelha.
– Humanos patéticos. – Zhatlan se arrastou lentamente na nossa direção. A cauda ondulando atrás dele de uma forma quase hipnótica. Uryu tentou armar uma flecha. O Lorde Serpente simplesmente o atirou longe com uma chicotada da cauda antes que ele pudesse sequer encaixar a flecha no arco. – Acharam mesmo que poderiam me destruir? Eu sou o Grande Lorde Serpente dos Yuan-ti. Vocês sofrerão...
Ele agarrou minha garganta e me ergueu com facilidade. Resistir nem sequer passou pela minha cabeça, e eu não acho que poderia ter me soltado nem se tentasse.
O Yuan-ti exibiu as garras na mão esquerda. Unhas negras, longas e afiadas como navalha.
– ... Por terem ousado me enfrentar!
– Aí lagartixa ambulante!
Entre as lágrimas que embaçaram minha visão, eu o vi. A figura ruiva de meu salvador. Akiguya, vindo a nossa direção com a espada envolta em chamas intensas, seu caminhar era lento e heroico.
– Vem lutar com alguém do seu nível. – O Guerreiro segurou a espada de lado, uma mão no cabo e outra na ponta da lâmina. Uma tempestade de chamas o cobriu. Dentre o fogo, uma luz ainda mais brilhante surgiu. E o tornado de fogo foi dispersado por uma explosão, uma liberação de calor violenta vinda da lâmina da espada. Era algo majestoso e digno de alguém que sabia o que estava fazendo.
Meu coração acelerada e ficava ansiosa, pois, uma luta incrível estava prestes a começar.
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