— Olá Áki, estou feliz que tenha vindo. Sente-se, por favor — convidou o homem, com o olhar sábio e sorriso esperto de sempre. Nas aparências, a idade do líder do Conselho começava a ser mais evidente, com rugas ao redor dos olhos e a longa barba ficando mais branca, por mais que sempre houvesse sido grisalha. Porém, sua postura, sua maneira de falar e seu poder mágico deixavam claro como o homem ainda era incrível. Mesmo Áki, que era alguns anos mais novo, não se sentia tão disposto para a vida quanto ele.
— Não possuo motivos para não vir — respondeu o feiticeiro com ironia, enquanto se sentava, mesmo que por dentro estivesse preocupado. Um chamado do mago poderia ser apenas um convite para tomar um chá ou o aviso sobre a notícia mais perturbadora do século.
E Merlin era alguém que faria as duas coisas na maior calma do mundo.
— Aceita um chá?
— Foi para isso que me chamou?
— É sempre mais fácil conversar com uma xícara em mãos.
— Se fosse uma caneca de cerveja, poderia concordar com você — respondeu Áki, sorrindo, gesto que o outro retribuiu, sentando-se na cadeira do outro lado da mesa.
O escritório era pequeno e, por mais que fosse mais organizado que sua casa, não transmitia em nada a energia de um chefe de Estado. Algumas prateleiras com livros, uma mesa frágil no centro, um espaço onde seria impossível um adulto dar mais de cinco passos sem dar de cara com a parede. O teto também não era tão alto. Só havia espaço apropriado para o que faziam: uma reunião de duas pessoas.
— Está tudo bem, amigo. Evitarei o álcool porque quero sua máxima atenção ao que vou dizer — declarou o homem, e mesmo que seu sorriso não tenha se desfeito, Áki sabia que o tom havia mudado. Não só isso, mas algo parecia diferente naquela manhã. Como se ele estivesse mais... melancólico?
O feiticeiro teve um palpite.
— Um sonho?
— Sim. — O mago respondeu prontamente, e o mais novo se ajeitou na cadeira. Talvez já devesse estar acostumado com esse tipo de coisa, depois de todos os anos de trabalho, mas os vislumbres de Merlin sobre o futuro nunca eram triviais.
E tinha certeza de que esse não seria exceção.
— O que foi dessa vez?
O líder do Conselho logo ficou de pé novamente e deu um pequeno passo em direção à única janela que havia no cômodo. Inegavelmente estava inquieto, e Áki começou a se sentir ansioso também.
— Um possível fim da magia — disse o homem, sem encará-lo.
Áki observou calmamente os movimentos do amigo para ter certeza de que não era só mais uma de suas piadas. Ainda que de relance, conseguia ver o azul dominante dos olhos dele brilhando ao sol que se erguia do lado de fora. Agora que olhava com atenção, percebeu que estavam levemente inchados, o que era um tanto atípico. Mesmo em momento ruins, nunca havia o visto chorar, e quis perguntar sobre isso, mas decidiu que o faria mais tarde. Os dedos da mão esquerda de Merlin, apoiada nas costas, junto à direita, se remexiam ansiosamente. Por fim, depois de chegar à sua conclusão, o homem na cadeira quebrou o silêncio.
Diana aproveitou seu momento mais “pacífico” para refletir sobre tudo que havia acontecido. O conglomerado, Hadria, os magos do Conselho, era muito para absorver em pouco tempo.
A voz em sua cabeça, inclusive, tão presente na noite anterior, estava calada desde que acordara. A bruxa não nutria expectativas de que houvesse se livrado tão facilmente, considerando tudo que havia acontecido, então sua teoria era de que talvez o conglomerado também precisasse recarregar as energias, assim como a magia de qualquer feiticeiro precisaria depois de ser utilizada exaustivamente.
A única diferença era que essa magia tinha personalidade.
Ela estava ponderando se deveria tentar chamá-la e continuar a conversa que haviam começado, mas Lilitu retornou à sala, então decidiu evitar a segunda voz em sua cabeça naquele momento. Seria mais fácil lidar com isso mais tarde.
Diana reparou que, agora, a mulher usava um colar que parecia ser feito de pequenos ossos. Dava um toque final curioso ao visual dela. Quando Lilitu se sentou novamente na poltrona à sua frente, o pingente do acessório chamou sua atenção por parecer familiar.
Era uma caveira.
Antes que pudesse fazer perguntas, no entanto, ouviram batidas na porta.
— Acho que nossa comida chegou — declarou a mulher, lhe dirigindo um último sorriso antes de se levantar outra vez e ir em direção à entrada da casa.
Havia dias que a bruxa não encontrava seu informante, e, por algum motivo, começou a se sentir nervosa. É claro, não esperava ter todas as respostas, mas precisava aprender e entender mais sobre aquilo que agora habitava seu corpo.
Porém, quando Lilitu abriu a porta, não era Mórtem quem estava esperando do lado de fora.
Depois de terminar sua segunda caneca numa golada só, Áki suspirou, preocupado.
— Bom, isso ajudou um pouco. Sou todo ouvidos agora — disse, recostando-a sobre a mesa, enquanto aguardava Merlin falar sobre o sonho que havia tido.
O amigo havia bebido uma xícara de chá nesse tempo que, vazia, também se encontrava apoiada no móvel. Talvez ele mesmo precisasse disso, afinal, pensou o feiticeiro. Ainda assim, o mago permanecia de pé.
— Peço primeiramente que mantenha o máximo de sigilo sobre o que for dito aqui. Não só por um tempo, mas talvez seja melhor que ninguém nessa era saiba sobre isso.
— Não tenho problemas com sigilo, mas — Áki ponderou, pensando na melhor forma de se expressar — se é melhor que ninguém saiba, então por que confiar essa informação a mim, em primeiro lugar? Não que eu não esteja curioso.
Em resposta, o líder do Conselho deu o que provavelmente foi seu maior sorriso daquela manhã, e, quase zombeteiro, declarou em tom alegre.
— Porque preciso que você passe essa mensagem para uma pessoa do futuro.
— O que você faz aqui? — questionou Lilitu, encarando Hadria com uma expressão que parecia verazmente confusa.
— Também é bom te ver, Lilitu. Tenho assuntos a resolver com sua hóspede — respondeu a conselheira que, apesar de firme, usava um tom bastante delicado, que era estranho a Diana.
Mas havia outras coisas para se preocupar naquele momento.
— Espera, vocês... — começou ela, se levantando para poder encarar diretamente as duas. Antes que terminasse a frase, porém, viu que Hadria tinha um livro em mãos, e Diana logo obteve sua resposta.
Era o livro que Mórtem lhe havia conseguido antes, que mencionava os conglomerados e falava da história da magia espiritual.
No centro do livro, havia um crânio que era o símbolo dos Vitalis, uma das oito famílias do Conselho Mágico.
Idêntica à caveira que estava no pescoço de Lilitu.
— A família Vocatio? Os que usam magia de invocação?
— A própria — disse Merlin, com pesar na voz. Havia enfim se sentado novamente, mas continuava olhando para um ponto distante na janela. — O primogênito deles irá nos trair em certo momento. Não consigo dar muitos detalhes, mas isso vai colocar o destino da magia em xeque.
— Isso é bastante vago, você sabe. Mesmo que seja uma de suas visões, uma acusação dessas é perigosa. Não que eu ache que alguém vá questionar caso você queira fazer alguma coisa.
— Pois deveriam — respondeu o homem, se virando novamente para ele e sorrindo. — Tenho certeza do que vi, sobre isso você pode ficar tranquilo. Mas a visão é de um tempo adiante, então não posso fazer muita coisa.
Áki ficou alguns segundos em silêncio, refletindo. Diversos haviam sido os momentos que Merlin havia se culpado por não evitar o inevitável, por não conseguir o impossível. As visões eram absolutas, e o tempo ensinou ao mago, da forma mais difícil, que eram o aviso de algo com que teriam de lidar, não impedir.
Tinha certeza de que já teria enlouquecido se estivesse no lugar do amigo.
Porém, isso levantava outra grande questão.
— Se você acredita que não pode fazer muita coisa, como eu poderia? — começou Áki, encarando Merlin nos olhos. — Não conheço nenhuma magia que possa me transportar para o futuro.
— E nem precisa conhecer.
— Não sei se compreendi.
— Ouça, meu caro amigo. — O mago se inclinou para frente, tentando passar confiança, mas Áki podia enxergar como estava hesitante. Sua postura, a agitação das mãos, o movimento constante dos olhos. Não estava feliz fazendo aquilo. — O futuro sempre há de chegar. Não existe necessidade de você ir até ele, preciso apenas que seja paciente. O problema é ser um tempo distante, então não estarei mais aqui para poder resolver isso.
— E você acha que eu estarei? — indagou Áki, ainda confuso com o rumo que a conversa estava tomando.
— Vou garantir que esteja — respondeu o mago, com um sorriso cansado. — Afinal, você é um feiticeiro de magia espiritual, não é?
Comments (0)
See all