Era noite. Viajamos pelo deserto até chegarmos em uma área esverdeada. Meus novos companheiros me explicaram que em áreas onde jogadores podem se enfrentar, não é permitido a utilização de teletransporte entre cidades, então estávamos nos dirigindo para fora daquela região para voltarmos a civilização.
Como já estava tarde, resolvemos descansar um pouco na fogueira. Seria perigoso viajar a noite, pois as chances de sermos surpreendidos eram bem altas. Eu realmente me sentia em uma história de fantasia de livros medievais, a imersão deste jogo era impressionante! Estávamos todos na fogueira, era um silêncio relaxante e ao me sentir menos preocupada, aproveitei a oportunidade para conhecer melhor meus novos colegas.
– Então... Quem são vocês? – Decidi começar de forma introdutória.
Os três garotos me encaravam confusos, parece que não perceberam que somos completos desconhecidos unidos pelo acaso.
– Q-quer dizer... Eu sei seus nomes, porque li seus Registros, mas não sei muito sobre nenhum de vocês ainda hehe... Achei que seria bom uma apresentação... – A reação deles me deixou nervosa, esqueci como apresentações podem ser desconfortáveis as vezes.
Uryu parecia em choque ao perceber que não havia se apresentado corretamente, ele tremia e esbugalhava seus olhos, nunca pensei que alguém que jogasse esse tipo de jogo se importaria tanto com etiqueta. Diferente dele, os outros pareciam não ligar para o que aconteceu. Kronus bocejava enquanto coçava sua barriga e Akiguya apenas me encarava.
– Me desculpe, senhorita! Quando estou jogando acabo esquecendo de meus modos. Me chamo Akira Uryu, sou um Arqueiro Arcano, nível 23, jogo Bhesda há 2 anos e sou um estudante do segundo ano do ensino médio. Comecei a jogar pela grande diversidade e imersão que este mundo concedia aos jogadores. Sou o responsável do grupo por fazer o planos, analisar os mapas, armadilhas das dungeons e garantir que ninguém morra. Em outras palavras, o único com cérebro. – Ele fazia uma reverência enquanto se apresentava, sua forma polida de agir me intimidou.
– Ok, eu ia apenas fazer uma apresentação igual toda pessoa normal, mas já que alguém resolveu exagerar... – O ruivo parecia julgar seu colega pela maneira tão formal de agir. – Me chamo Akiguya, mas pode me chamar só de Aki, Cavaleiro Juramentado do Fogo, nível 25, jogo Bhesda há 2 anos, tô no primeiro ano do ensino médio e fui eu quem apresentou esse jogo pros caras aqui. Se precisar de alguma dica é só falar comigo! – Ele parecia mais informal, não escondia o sorriso orgulhoso do rosto e ao mesmo tempo parecia ser bastante amigável.
– O pessoal aqui me conhece como Kronus, tenho 16 anos e adoro jogar de Bárbaro! Ainda não sei exatamente que subclasse eu vou usar mas adoro armas grandes! – Sua energia positiva fazia qualquer um abrir um o sorriso no rosto, ele parecia um animalzinho de estimação. – Comecei a jogar Bhesda por causa deles e... Hmm... É verdade, esqueci! Meu nível é 22, mas posso ser muito mais forte do que pareço! É um prazer! – Ele abria um sorriso gigantesco no rosto, balançando suas pernas, sentado em uma de suas armas.
Baseado pela forma de agir, energia e despreocupação, eu imaginei que todos eles eram mais novos, só não esperava que fossem tão mais novos que eu! Fiquei chocada ao ouvir as apresentações e não pude resistir fazer minha próxima pergunta.
– Então quer dizer... Que vocês três são... Crianças? – O sorriso dos três desaparecia e uma expressão de choque era colocada em volta a fogueira.
– Como assim... Crianças? – Aki perguntava assustado para mim.
– Emma... Quantos anos... Você tem? – Uryu perguntou tremendo um pouco em sua fala.
– Vinte e cinco, por quê? – Respondi de forma inocente.
Os três pareciam desmontar no chão, o choque para eles foi tanto que não se aguentaram em pé. Naquele momento, eu não entendia o porquê aquilo parecia tão estranho, mas logo minha dúvida foi respondida pelo comportamento dos três.
– Uma... Uma garota... Uma garota mais velha... – Aki repetia a mesma sentença sem parar.
– Uma dama... Uma dama tão madura e responsável... – Uma lágrima parecia escorrer do olho direito de Uryu, foi a primeira vez que o vi expressando alguma emoção que não fosse frieza e orgulho.
– ME CHAMAVAM DE PERDEDOR! MAS EU VENCI NA VIDA PAPAI!!! – Aki gritou socando o ar, aquilo era uma visão um pouco assustadora para mim e ao mesmo tempo muito confusa.
– Agh, que droga! Eu sou o mais novo da turma de novo! – Kronus parecia ser o único que reagiu de forma normal.
– Emma, se me permiti perguntar... Você já entrou pra faculdade? – O Arqueiro nunca me pareceu tão interessado.
– Eu estou no último ano de Psicologia, por quê? – Parecia que quanto mais eu perguntava, mais confusa a situação se tornava.
Uryu ajeitava os seus óculos e, quase no mesmo momento, os quebrava em suas próprias mãos numa emoção anormal. Ele parecia querer gritar algo e demonstrava... Felicidade?
– Além de tudo escolheu carreira médica, que perfeição! – Uryu murmurava caído no chão, enquanto os pixels reprojetavam os óculos quebrados em seu rosto. Aki parecia ter ficado menos animado ao ouvir minha resposta.
– E vocês? Tem alguma ideia do que querem fazer? – Tentei mudar o assunto para deixar a situação menos constrangedora, era possível ver que meu sorriso era algo bem mais envergonhado do que de alegria em si.
– Culinária. – Disse Kronus.
– Artes Plásticas. – Falou Uryu.
– Streamer! – Gritou de forma animada Aki.
– Isso não é uma profissão, idiota! – O Arqueiro gritou, dando um cascudo na cabeça do rapaz de cabelos ruivos de forma bem bruta, como um sermão de um irmão mais velho.
– É claro que é! – Aki contestou aos berros.
– Não é porque você gosta de videogame, que dá pra viver disso! Precisa achar um trabalho de verdade!
– Mas tem uma galera que ganha dinheiro, é até ofensivo você dizer isso.
– Tô nem aí, você sabe que não vai a lugar nenhum com essa ideia sem sentido.
Eu ficava impressionada com o quão fácil esses três conseguiam discutir. Qualquer coisa era motivo para brigarem e, mesmo assim, se mantinham tão próximos.
– Por que vocês continuam jogando juntos já que tem opiniões tão diferentes? – Esse grupo me deixava com várias dúvidas a cada momento. Me senti de volta na escola, onde surgia a necessidade de perguntar tudo para a professora.
– Hm? – Todos eles me encaravam confusos, até que a felicidade se encerrou.
– Estudamos no mesmo colégio, e por mais que sejamos bem diferentes um do outro... Tínhamos uma coisa em comum, além de gostar de jogos... – Uryu começou a explicação.
– Ninguém gosta da gente... – Kronus falou num tom mais triste.
– Não sei de onde você é, mas o bullying no Japão pode ser bem barra pesada se você não está acostumado. Acabamos ficando juntos para poder superar um pouco esses problemas e... Bem, mesmo que a gente brigue, no fim, podemos nos divertir como bons amigos, sem nos preocuparmos com as responsabilidades e com as pessoas que vivem lá fora. – A explicação de Aki parecia bem melancólica, mas, ao mesmo tempo, havia um pouco de felicidade nela. Como se todo os problemas que eles passassem fossem irrelevantes comparadas com as aventuras que eles têm juntos aqui.
– Entendo... – Eu apenas me mantive em silêncio sobre o assunto. – Espera... Vocês são do Japão?! – Uma informação me chamou a atenção. – Pensei que seus nomes eram apenas falsos.
– Somos da Capital, nós três viemos do mesmo distrito. – Aki respondeu. O tempo todo estávamos nos comunicando em inglês, ao ver que éramos do mesmo local, passamos a falar em nosso idioma natal.
– Então quer dizer que "Emma" é um nome inventado? Não sabia que você era daqui, seu inglês é quase perfeito! – Uryu parecia impressionado.
– Eu na verdade sou mestiça. Meu pai é escocês e minha mãe era japonesa, por mais que eu tenha nascido e sido criada no Japão, vivi um certo tempo na Escócia e meu pai nunca me deixou de ensinar a língua que ele falava antes de vir para outro país. Acabei aprendendo com mais facilidade.
– Nossa, então você deve ser bem alta! – Kronus falava com os olhos brilhando, ele parecia muito impressionado ao me ver comentando sobre minhas origens.
– Nem tanto, sou mais alta que a maioria das japonesas e mais baixa que a maioria das europeias. Diria que estou na média haha! – Finalmente me senti mais confortável para rir com eles, nossa relação era bem mais próxima agora que nos apresentamos.
Ficamos algumas horas conversando, era um clima mais caloroso a cada segundo, não me sentia mais sozinha ou com medo, realmente havia encontrado boas pessoas e os três pareciam ser bastante divertidos.
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