Quando Yusuke pisou com o pé direito na ponte, não imaginou que estivesse atravessando uma barreira milenar, nem que forças maiores colaboraram para isso. Seu ceticismo não o permitiu cogitar a possibilidade de ser uma anomalia o céu rosa sobre sua cabeça, as árvores coloridas ao redor e as formas estranhas das plantas e flores, numa espiral psicodélica.
Não adiantava mais prosseguir. Faltavam-lhe forças. Faltava-lhe ar. Tudo doía, ardia, machucava. Mesmo usando a espada e o corrimão como apoio, não suportou o peso do corpo. A marca sombria na pele se estendia até os dedos dos pés e mãos, sufocando, além de tudo, sua esperança.
Seus joelhos foram ao chão. Depois, o corpo, de barriga para baixo. Perdeu o alcance da Verdadeira Lâmina da Serpente, que tombou para o lado em um baque surdo. Grama pinicou a lateral do rosto, mas o toque soava distante. Só conseguiu apertar os olhos, a respiração saindo fraca entre os dentes.
— Droga, droga… merda! — ele sibilou, pensando que iria mesmo morrer de um jeito tão banal quanto aquele. Sem voz, sem vontade e sentindo a dor aumentar, ele não desistiu. Sua voz soou baixa, um grunhido sofrido: — Tetsu…
— Você não deveria estar aqui, Yusuke. Não sabe que Youkais habitam essa montanha?
Os olhos castanhos se arregalaram e um fio gelado percorreu sua espinha.
O impacto do susto o fez mexer a cabeça e olhar para frente, mas a voz vinha de trás. Não reconhecia o timbre aveludado e nem teve tempo de pensar no tom irônico antes de uma sombra crescer sobre si, escura como a de duas pessoas, tapando o nascer do sol. E não era humana.
O queixo batia, sons inaudíveis escapavam de seus lábios. Medo. A sombra de incontáveis caudas balançava, aumentava, ficava mais escura, até cobri-lo completamente. Um monstro pronto para comer sua presa. A impotência era sua melhor amiga; a morte, sua irmã. Mesmo assim, ele ainda estava vivo.
Ainda estou vivo. Ainda estou. Ainda posso lutar.
Ainda posso levar aquele idiota de volta para o vilarejo!
Arrastou a mão sobre a grama, pesada como um carro de bois. Gemeu com os lábios presos nos dentes, tentando alcançar a espada. Ela não estava tão longe, ainda poderia…
Garras pretas fisgaram a parte de trás seu kimono, erguendo-o. Foi encurralado contra uma árvore, os pés suspensos no ar, dedos se fechando em sua garganta. Enforcando. Yusuke tentava se soltar, arranhando com dificuldade o braço que o mantinha prensado contra o tronco, mas em vão. A mão se apertou mais no pescoço, fazendo um grito sair como um sussurro engasgado.
— Não…!
Levou um segundo. Yusuke ergueu a lâmina e a ponta quase cortou o rosto do ser que o mantinha preso. Havia conseguido pegar sua espada enquanto se remexia, mas ela pesava como uma pedra. A visão escurecia. Ele usou o restante das forças para manter a ponta do aço firme — ou o máximo que pôde, pois ela tremia como se vivesse um terremoto. Conseguiu retroceder e golpeá-lo no peito, mas a lâmina só entrou centímetros na carne.
Olhos verdes cintilantes encararam a ferida, depois o rosto de Yusuke.
Yusuke não conseguia vê-lo inteiro. Apenas um largo sorriso de dentes afiados. Os dedos foram se soltando do cabo da espada, a visão anuviando. Presa abatida. Morrendo daquele jeito ridículo, depois de tudo o que passou…
— Humano estúpido. — A voz áspera de asco pareceu soar como em um sonho, os sentidos entorpecidos pelo fim se aproximando. — Não sabe onde acabou de se meter.
A criatura estendeu a mão, juntando os dedos como pinça. Unhas pontiagudas apontaram contra suas pupilas foscas, pálpebras caindo, sonolentas. As garras retrocederam e puxaram o resto de sua energia junto, mas Yusuke não tinha voz para protestar. A escuridão, trevas e sombras o alcançaram antes que pudesse entender como seria o seu fim.
— Agora você é meu.
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