— Se esconder na casa de um conselheiro não foi sua melhor ideia — declarou Hadria, encarando a bruxa de cabelo dividido ao fundo. Porém, Lilitu interveio antes que obtivesse resposta, se colocando entre as duas.
— Você realmente acha que Diana é o seu alvo? — questionou a mulher, com um olhar duro sobre a conselheira.
Verdade fosse dita, a herdeira de Merlin já não tinha tanta certeza. Os magos da noite anterior haviam sido enviados para caçar Diana antes da reunião do Conselho. As peças não estavam completamente encaixadas em sua mente, mas o momento era conveniente demais. Alguém estava tentando silenciar a bruxa, antes mesmo de ela aparecer em sua visão. Alguém não a queria viva quando Hadria a encontrou na hospedaria.
E se Diana não tivesse ligação com o fim da magia? E se o universo queria, na verdade, que ela fosse salva naquele momento, e por isso Hadria a viu durante a reunião do Conselho?
Muitas perguntas precisavam ser respondidas, e tinha a sensação de que corria contra o tempo.
Todavia, antes que pudesse responder Lilitu, a menina de quem um dia fora tão próxima se aproximou da porta e empurrou a mulher para o lado.
— Não quero sua proteção, Vitalis — disse, seca, encarando a feiticeira de olhos dourados, que não parecia saber como reagir. Então, a pequena bruxa se virou para Hadria, a encarando, frente a frente. — O que quer comigo? A surra de ontem não bastou?
— Deveria olhar sua própria condição antes de achar que pode me ameaçar, Diana.
— E você deveria ir se foder, Hadria.
Os quatro estavam sentados juntos, na sala. Diana e Lilitu no sofá, mesmo que a bruxa fizesse questão de manter um mínimo de distância, e Hadria e Mórtem — ou melhor, Alma — nas poltronas, de frente para ela. O conselheiro serviu pães e pequenos biscoitos amanteigados à mesa, apesar de ter sido o único a tocar na comida até então.
Honestamente, Diana nunca quis tanto sair correndo de um lugar, mas ainda estava muito cansada depois de ter se exaurido na noite anterior. O próprio conglomerado não havia dado as caras desde então, mesmo que ela tivesse tentado chamá-lo alguns minutos antes, quando confrontou Hadria. Sem magia, estava numa posição muito complicada.
Não poderia sair dali, apesar de sentir raiva de todos os presentes.
Hadria havia descoberto seu paradeiro por causa do livro da família Vitalis esquecido na hospedaria. Depois disso, as peças se encaixaram rápido e Diana percebeu que esse tempo todo estava contando com pessoas da alta hierarquia sem nem se dar conta. Mórtem, seu informante, na verdade era Alma. E Lilitu, claro, fazia parte da alta hierarquia por tabela. O quão manipulada ela havia sido? Será que toda essa história do conglomerado era um plano deles desde o início?
Na noite anterior, ela estava tentando fugir das garras do Conselho. Agora, todo o seu esforço parecia uma brincadeira de criança, um jogo em que ela não tivera chance desde o início.
— Não somos seus inimigos — declarou Alma, quebrando o silêncio de repente, como se soubesse o que a jovem pensava. A única resposta que teve foi uma risada seca. — Provavelmente tem muita informação na sua cabeça agora, mas peço paciência, porque preciso conversar sobre mais coisas. Com vocês duas, na verdade.
O homem indicou Diana e Hadria com os dedos, e Diana percebeu que a conselheira parecia surpresa com isso, mas ela já não tinha certeza no que acreditar. Como estava cansada, não só fisicamente, mas de tudo, decidiu que apenas ouviria por enquanto.
— Por onde eu devo começar? — ponderou o homem, encarando o teto enquanto mordiscava um pedaço de pão. Depois de alguns segundos de silêncio, foi sua neta que respondeu.
— Que tal começar se apresentando? De verdade, dessa vez.
— Sentimos muitíssimo, senhor! Mas não vai se repetir. Basta que nos envie de novo e...
— Você está me dizendo — interrompeu o homem, sentado no trono de sua masmorra, sem encarar os três magos diretamente — que não só foram humilhados por uma bruxa de sangue plebeu, como contaram suas ordens para outro conselheiro logo depois?
— Não mencionamos o senhor, eu juro! Além disso, era só a senhorita Hadria, então acho... — Antes que terminasse a frase, o feiticeiro que estava sentado golpeou com força o braço de seu assento, e o mago se calou.
Ele levantou-se de seu lugar, sem alterar a expressão. As longas vestes escuras com detalhes em vermelho sangue, os cabelos negros presos em um rabo de cavalo longo e, principalmente, as inúmeras cicatrizes que se espalhavam por seu queixo e bochechas eram o bastante para dar ao conselheiro um aspecto intimidador, mesmo com gestos contidos. Se aproximou dos magos, ajoelhados e de cabeça baixa, e andou em torno deles por um tempo, sem dizer nada. Por fim, parou de frente para eles novamente.
— Levantem a cabeça, por favor.
Assim o fizeram e, para sua surpresa, o homem sorria. Não de maneira gentil ou acolhedora, mas seca e quase cruel. Um sorriso que mostrava os dentes, enquanto suas mãos se cruzavam nas costas.
— Senhor...?
— Não fiquem tristes por serem inúteis, afinal, eu considerei isso quando lhes dei minhas ordens — começou, sem mostrar sinais de alteração no tom de voz. — Apesar da facilidade da tarefa, a possibilidade de vocês não serem capazes nem mesmo disso me ocorreu, é claro.
— E o que isso quer dizer? — indagou outro homem, que estava em silêncio até o momento. Ele tomou uma cotovelada do primeiro mago, mas o conselheiro colocou a mão em seu ombro e lhe respondeu mesmo assim.
— Isso quer dizer, meu caro, que vocês não serem úteis não estava totalmente fora da minha expectativa — disse, e pequenos sinais de desprezo começavam a aparecer em sua fala. — O que estava fora da minha expectativa é que, além de serem inúteis, vocês me atrapalhariam, cederiam informações pra última pessoa que deveriam e, depois de tudo, teriam a coragem de vir me relatar como se estivessem tentando fazer o seu trabalho.
Nesse momento, os três homens ergueram a cabeça, mas ele não estava mais ali. No lugar, um pequeno corvo estava parado, encarando-os de volta.
O primeiro homem começou a ouvir um bater de asas, e olhou para cima. Próximo ao teto de pedra, dezenas de pássaros negros estavam enfileirados juntos, e também os encaravam. Olhou para a passagem de onde haviam vindo e percebeu, com espanto, que ela estava contornada por mais corvos.
Então, as chamas das tochas que iluminavam o lugar se apagaram.
O som do bater de asas se multiplicou e ficou mais intenso.
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