13 de junho de 2025. Santa Madalena do Norte, PB.
Não havia se passado sequer cinco minutos após deixar a cripta e Gregório já tinha se arrependido de todas as suas decisões naquela noite. Possivelmente da sua vida. Após se trocar, Isabel jogou Hugo sobre o ombro e o carregou para fora do mausoléu como se ele fosse um balão, e o caçador mais velho abafou uma risada ao ver a cena. Entretanto, sua paz acabou assim que voltaram ao cemitério e seu celular começou a tocar.
— Greg? — uma voz feminina disse do outro lado da linha.
— Fala ‘Tina.
— Graças a Deus você atendeu. Hugo tá contigo?
— Er… sim. — Desacordado e sendo carregado por uma vampira, ele acrescentou em sua cabeça. — Mas ele não tá podendo falar agora. Por quê?
— O chefe tá quase pondo um ovo. Alberto não dá notícia desde ontem e o celular dele só dá desligado. — A voz de Valentina parou por um instante. — Hugo tá bem mesmo, né?
— Tá. Pode avisar pro pai dele que o pirralho tá vivo e inteiro. Nós dois estamos, obrigado por perguntar.
— Ah, você eu já sabia. Como foi a caçada?
— A gente deve te mandar umas fotos mais tarde, quando o sinal melhorar por aqui, mas tu pode dar uma olhada num negócio pra mim?
— O que você quiser, meu bem.
— Eu preciso de informação sobre uma família aqui, já te mando o nome.
— O.K. — Ela arrastou o “cá” por um instante. — Mais alguma coisa?
— Só se tu me conseguir um aumento.
— Eu sou boa, mas não sou santa pra fazer milagre de graça. — Gregório quase conseguia ouvi-la revirando os olhos. — Boa noite, Greg. Mande o Hugo ligar pro pai dele logo.
— Virei babá agora?
Valentina gargalhou antes de desligar o telefone e Isabel arqueou uma sobrancelha com um pequeno sorriso no rosto ao vê-lo colocar o celular no bolso da calça.
— Namorada?
— Nah, ela já tem uma dessas. — Ele riu. — Você pode colocar o guri no chão agora, se perguntarem ele bebeu demais e apagou.
— As pessoas ainda bebem em cemitérios?
— Bebem, transam, fazem lives. — A vampira tinha uma expressão confusa no rosto ao ouvir o termo e ele completou: — Er… é tipo filmar e colocar na internet. Você sabe o que é internet, né?
— Sei. — Ela revirou os olhos. — O que você pensa que eu sou?
— Uma vampira com mais de um século de idade morando em um cemitério?
Isabel estreitou os olhos e Gregório quase disse que ela parecia fofa com as bochechas ligeiramente infladas, cruzando os braços à frente do busto e batendo o pé no chão. Depois sacudiu a cabeça em descrença com o próprio pensamento. Uma vampira fofa. Fofa. Precisava de uma cerveja, ou várias, a sobriedade estava começando a distorcer seus pensamentos.
— Para sua informação, trinta anos atrás já existia internet.
— Discada! — ele provocou e a ouviu bufar em resposta.
Gregório colocou o braço de Hugo ao redor de seu ombro e puxou o garoto para perto, o peso não o incomodava, não jogaria o rapaz sobre o ombro como Isabel, mas podia carregá-lo sem muito esforço. O grupo de adolescentes ainda estava no cemitério, rindo alto, despreocupados, as garrafas vazias ao redor. A vampira parou de andar para observá-los por um instante, o caçador não podia ver sua expressão, mas via a forma como ela abraçava o próprio corpo, como seus ombros caíam e como ela se recompunha apenas um instante depois.
— Algum problema?
Ela virou-se abruptamente em sua direção e se colocou embaixo do outro braço de Hugo com um sorriso triste no rosto.
— Não é nada.
— Estou aqui se quiser falar — ele disse antes que pudesse se conter. Queria descobrir mais sobre ela e o motivo de estar ali, era essa a sua missão, era para isso que tinha vindo até aquela cidade em primeiro lugar, mas surpreendeu-se com a sinceridade em suas palavras.
Nem cinco minutos longe da cripta e já estava caindo nos encantos da vampira. Só podia ser praga jogada por algum ex.
— Então… Isabel Montalverne, qual a história por trás do nome?
O rosto dele se contraiu rapidamente, mas ele tentou manter o ar desinteressado. Era péssimo nessa estratégia de jogar verde pra colher maduro.
— Queria eu saber — ela respondeu e Gregório achou que não falaria mais nada enquanto caminhavam pelas ruas de paralelepípedo em direção à pousada onde ele e Hugo tinham alugado quartos, até que a ouviu murmurar: — Se você descobrir, me avise.
— Como assim?
— Quando eu despertei, minha cabeça estava uma bagunça. Eu não lembro de antes. Vai saber, Isabel pode nem ser meu nome e alguém só me colocou no caixão errado.
Não precisou perguntar para entender que o despertar ao qual ela se referia não era o resultado da excursão que ele e Hugo tinham feito ao mausoléu. Uma vampira com amnésia era novidade — e péssimo para sua ideia de tentar obter informação.
A dois quarteirões da pousada Gregório teve uma epifania. Estava liso. Zerado. Sem um centavo no bolso. O fato não seria novidade, mas agora ele tinha companhia. Sem dinheiro, não podia pedir outro quarto e seu pagamento ainda não tinha caído e mesmo que tivesse já estaria comprometido com outros gastos. Se ele bancasse outro quarto, teria de ser no cartão da Central, o que era dado para que gastasse exclusivamente com a estadia e alimentação, às vezes algumas balas para a arma, alguns itens imprescindíveis à caçada. O controle era tão rígido que uma vez ele passou um shot de tequila sem querer e teve de ir se explicar na diretoria.
— Onde você vai ficar pelo dia? — Isabel o olhou com o cenho franzido ao ouvir sua pergunta. — Vai voltar para o cemitério antes do sol sair?
— Óbvio que não! Eu vou ficar onde vocês estão.
— Isso é uma péssima ideia.
— Por quê? É mais prático ficar por perto já que você vai me ajudar a sair da cidade.
Havia um tom defensivo na voz dela, um resquício de ameaça. Ele quase tinha se esquecido dessa parte.
— O Hugo pode lembrar de você — acrescentou apressado, pensando em todas as desculpas que podia dar.
— Só se ele me ver. E ele não vai. — Ela jogou uma piscadela em sua direção e Gregório praguejou mentalmente.
— Vai se alojar com dois caçadores durante o dia?
— Ele não lembra de mim, você não vai tentar me matar, vai?
— Não — o caçador foi rápido em dizer.
— Então está decidido. Ficarei na pousada também.
— Você tem como pagar? Sabe, dinheiro de verdade. Porque eu não tenho.
Isabel soltou o braço do rapaz e Gregório perdeu a passada ao notar o quanto do peso do rapaz ela carregava. A vampira parou à sua frente. Os olhos verdes fixados em seu rosto. Era como se ela pudesse enxergar dentro de sua mente, talvez ela pudesse. Ele engoliu em seco.
— Tem certeza?
Gregório respondeu com um aceno de cabeça.
— Ah, pena — ela suspirou. — Então vou ter que enfeitiçar alguém para pagar para mim. Alguma sugestão?
— ‘Cê tá perguntando pra mim?
— Bem, eu estava no cemitério e você fede a bebida… imaginei que você tivesse mais chances de conhecer alguém na cidade.
O caçador retomou o passo e murmurou depois de um tempo.
— Bar do Tico — ele murmurou. — Posso te mostrar onde é depois da gente deixar o Hugo na pousada. Tem esse cara realmente estúpido que é meio que rico?
— Rico e estúpido? Hum…
— Por que eu tô dizendo isso, meu Deus? — Gregório resmungou baixo e suspirou em seguida. Ele devia estar ficando louco, ou a vampira estava mexendo com a sua cabeça outra vez. — Só não mate o cara, eu já tô arriscando o meu pescoço demais dando conselho a uma vampira para ainda ter que lidar com a Central em cima de mim.
— Ao contrário do que diz a opinião popular, eu não sou uma assassina sanguinária.
— Mas você pode ser, docinho. E isso já é o suficiente pra mim.
Na indignação dela, ele conseguiu se distanciar alguns passos até chegar à pousada. Agradeceu mentalmente por não ter ninguém no balcão da frente quando entraram. Os quartos eram uma série de pequenas casas conectadas distantes da casa principal, onde funcionava a recepção e a cozinha. Um lugar para descanso, com uma piscina do outro lado da propriedade, grama cobrindo o chão e uma estrada de pedra fria ou cascalho pelo meio, a depender da proximidade do quarto com a entrada. Era o lugar para onde famílias viriam nas férias se desconectar do mundo moderno, com toda a privacidade que podiam ter.
Ele arrastou Hugo pelo caminho até o quarto do rapaz e buscou a chave magnética nos bolsos dele. Ambos evitavam deixar chaves na recepção, uma prática padrão para evitar algum funcionário de topar com uma mala cheia de alho, bombas de luz solar e armas. Abriu a porta e colocou o garoto sobre a cama, então rabiscou num papel sobre a mesa-de-cabeceira.
“Envie as fotos do mausoléu para a Central e ligue para o seu pai. — G.F.”
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