15 de junho de 2025. Fortaleza, CE.
Se aeroportos não fossem um dos círculos infernais na terra, o diabo devia cobrar direitos autorais. Nada era mais torturante que as máquinas de check-in sempre dando algum problema, ou sendo tão impossivelmente confusas que era preciso um manual e ajuda para entendê-las, as filas, as verificações das malas, os detectores de metal e a comida megainflacionada.
O ambiente sozinho já era capaz de deixar Damiano inquieto, com suas luzes artificiais e as chamadas feitas de tempos em tempos por uma voz sem emoção, mas pensar que cada segundo de atraso do voo era um segundo a mais que a Central podia se aproximar de Isabel o deixava fora de si. Não dormia desde antes do encontro com Irene e seu guarda-costas, sequer conseguia pensar em descansar, mesmo com a exaustão se instalando em cada parte do seu corpo. Seus ombros estavam doloridos e seu pescoço estava tenso. Ele trocaria um império por uma boa massagem.
De preferência, o império dos Palomo, ou de qualquer um dos figurões por detrás da Central.
É a idade, Dam, Isabel diria divertidamente em outros tempos. Tempos mais simples.
Sim, quase cento e cinquenta anos, ele responderia hoje. Suspirou. Estava fantasiando demais com alguém que existia apenas em sua memória. Mas não era isso que ele fazia há mais de cem anos? Sonhava com uma mulher que só existia em sua lembrança, esperando que a vampira de agora lembrasse daquela vida.
Meia hora depois, sentado em sua poltrona, Damiano folheou o seu caderno de anotações. As páginas se desprendiam da espinha e as bordas das folhas estavam manchadas; ele precisava adquirir um novo e passar a limpo tudo que fosse relevante, mas tinha esperanças de esquecer aquela pesquisa em breve.
Encontrou as últimas inscrições e passou a mão sobre as letras.
De um lado, anotara cada detalhe do ritual para trazer Isabel de volta e a página ainda guardava o aroma das orquídeas ao redor dos corpos — um símbolo de amor e memória, dispostas ali para ajudá-lo a criar uma conexão com o espírito de Isabel. O rubi em seus dedos, dado de presente por Benedito antes mesmo do noivado, tinha um propósito semelhante. Uma herança de família, ele dissera, passado de pai pra filho.
Na página oposta, tinha puxado setas caóticas com várias perguntas e poucas respostas. O que tinha dado errado? O que eles deixaram passar? O que ele podia fazer para consertar tudo?
Pouco depois, se deixou levar pelo cansaço. Seriam quatro horas de voo, com uma parada em Recife antes de ir para a capital paraibana, o melhor que podia fazer era dormir. Ou tentar.
Isabel estava sentada na janela da sala do casarão com os olhos fechados. O sol tocava o rosto dela e ele o invejava, por poder ser tão indiscreto. Damiano colocou as mãos nos bolsos. Normas sociais eram estúpidas. Ela usava um vestido simples para a moda atual, com uma silhueta solta e rendas no busto em um tom de rosa, e seu cabelo estava meio-solto. Ele sabia, sem precisar perguntar, que ela preferia voltar para o treino, com as calças, espadas, armas, a estar ali. O problema não era o vestido em si, afinal ela gostava de acompanhar a moda quando podia, era apenas ter de lidar com o padre e o prefeito e mais alguns figurões locais sondando a opinião dos Montalverne no caos que tinha se tornado o cenário político nacional. Algo sobre os levantes no país e a recém instituída república.
Naquele tipo de ocasião social ele sempre cumpria o papel de amigo da família e era tratado como um barão até descobrirem que ele não passava do bastardo de algum ítalo-português e uma mulher indígena, criado em um orfanato católico com uma dúzia de outros garotos. Então, ele se tornava quase parte dos serviçais ou até da mobília, dado o costume de o ignorarem completamente. Como se ele devesse ser grato aos Montalverne por permitir que ele respirasse em sua presença.
Ele achava hilário que aquela gente pensasse assim, sem conhecer toda a história por detrás da família de Isabel. Herbert costumava concordar.
Damiano limpou a garganta. A mulher abriu os olhos e o encarou com um meio-sorriso nos lábios. Ele quis beijar aquele sorriso. Tocou a caixa do anel em seu bolso, a permissão de Benedito tinha sido dada horas mais cedo, ele só precisava pedir a ela agora.
— Se eu convencer o Comando Central que o padre Armando é um vampiro, nós podemos matá-lo?
Damiano gargalhou ao ouvir a pergunta pronunciada de forma tão inocente. Aproximou-se dela e colocou uma mecha de seu cabelo castanho atrás da orelha.
— Enrique ia ter um passamento — respondeu.
— Dois pássaros, uma pedra — ela cantarolou, enlaçando as mãos com as suas. — Ninguém aguenta mais ele no comando de qualquer forma.
— Os coronéis certamente discordam. Alguns generais também.
Isabel revirou os olhos, mas sorriu. Um pequeno sorriso, discreto e delicado e fatal. Um sorriso capaz de colocar reis de joelhos, ele decidiu.
— Os generais e os coronéis estão mais preocupados em conseguir manter a república unida do que o apoio de uma dúzia de caçadores.
— Isabel — o tom de sua voz era de repreensão, mas quem ele tentava enganar? Aquela mulher podia pedir para ele entrar em um covil cheio de vampiros à noite e ele faria. Com prazer. Ademais, o padre Armando era de fato detestável.
— Damiano — ela retribuiu o tom, com certo ar de divertimento. — Está bem, o padre vive. Por enquanto.
Ele riu com a expressão em seu rosto. A contradição entre o falso descontentamento e o brilho de pura diversão em seus olhos. Ela ficou na ponta dos pés, jogando os braços ao redor de seu pescoço e instintivamente ele colocou as mãos em sua cintura, checando os arredores para confirmar que estavam de fato sozinhos.
— Como foi a conversa com o meu pai?
— Como…? Isabel!
— Eu não sei o que conversaram. Só o vi sair do escritório e fiquei curiosa.
— Por Deus, mulher. Nada é segredo perto de ti?
Ela sacudiu a cabeça em negativa, com um riso contido entre os lábios.
— Eu não seria uma boa caçadora caso contrário.
Damiano riu baixo, beijou o topo da cabeça dela, entre a testa e o cabelo, e ignorou o questionamento escrito no rosto da mulher e o peso do anel em seu bolso. Ele apertou os dedos calejados de Isabel e trouxe as mãos para frente, entre os dois. Ela tinha mãos pequenas. Na verdade, Isabel era uma mulher diminuta, delicada demais em aparência. Algo nela sempre o fazia pensar no dito sobre os melhores venenos e perfumes sempre estarem nos menores frascos.
Só Deus sabia o quanto ela era fatal.
— Estávamos conversando sobre o futuro — murmurou por fim, sem encarar os olhos castanhos.
— O futuro?
— Sim. — Ele não elaborou. Não sabia como falar das promessas e dos planos e dos tantos sonhos que estava apenas esperando para concretizar.
— E o que há nesse futuro? — ela insistiu.
— Você — respondeu de imediato. — Sempre você.
Comments (0)
See all