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Amor & Outras Contraintuições

2. entre palavras não ditas, tantas palavras de amor

2. entre palavras não ditas, tantas palavras de amor

May 27, 2023


A primeira vez que tive notícias de Rita Vieira depois dos anos 2000, foi através de uma ligação telefônica. 

Eu estava na varanda de casa, sentada em uma cadeira de plástico duro, terminando de tomar meu café aguado — Fabiana sempre errava a quantidade de água. Erick, meu neto caçula, veio aos tropeços até mim com um celular em mãos.

— É para a senhora, vó — disse ele, agitando o aparelho no ar.

Eu pensei em Marisa quando peguei o celular. Ou era Marisa, ou era notícia ruim, pois só me procuravam para isso. 
Uma vozinha chorosa me cumprimentou, já antevi a tragédia. Eu cumprimentei de volta e emendei um “quem fala?” na pressa. Não perderia tempo com o infortúnio alheio. Aos setenta anos, eu havia ido ao velório de tanta gente, de tantos amigos de infância, que o luto se tornara um sentimento clichê. Eu já havia me conformado com a realidade tétrica da velhice.

— Sou Aline, sou filha da Rita Vieira. Vocês eram amigas — me respondeu a pessoa do outro lado da linha.

Minha voz ficou presa na garganta por alguns dolorosos segundos. “A Rita, não!”, pensei, mas pedi que a mulher prosseguisse com a conversa mesmo assim.

Rita e eu não nos falávamos desde 98, quando nos encontramos, por casualidade, em um festival local. Beirando os 50 anos, ela ainda era tão bela quanto fora em juventude, só ganhara um brilho mais maduro com o avançar da idade. Quando nos avistamos naquele dia, ela se dirigiu a mim em sua graciosidade habitual. O olhar penetrante me alcançou antes de tudo, percorrendo meu rosto exaurido, se demorando mais em meu sorriso discreto. Nós nos abraçamos por um momento breve, mas o perfume floral se impregnou para sempre na minha memória. Não nos prolongamos com conversas, pois ela tinha pressa, e eu tinha orgulho.

Meses adiante, ouvi boatos do nascimento de seu primeiro neto, e nunca mais falaram de Rita Vieira em minha presença.

Aqui, devo corrigir o equívoco comum de Aline: Rita e eu nunca fomos amigas. Colegas, talvez, durante o curto espaço de tempo em que estávamos nos conhecendo. Não mais que algumas semanas. 

Rita me foi apresentada por dona Benedita, ainda menina, com 15 anos de idade. Eu tinha 17 nessa época, estava concluindo o colegial, enquanto Rita havia largado a escola no ano anterior para ajudar com as despesas de casa. 
Dona Benedita, pavio curto como era, não tinha paciência para ensinar à menina quais as funções dela na loja de roupas, então a missão foi passada a mim. 

Na época, me ocorreu a ideia de que a garota se demorava na própria ignorância e me fazia perguntas ridículas só para me roubar a atenção. Hoje, tenho certeza disso.

Guiei Rita por semanas a fio, antes de ela trocar o trabalho por um homem alguns anos mais velho. Até fui convidada à cerimônia por um cartão florido — horrível, diga-se de passagem — e a presença eminente de Rita Vieira. Não compareci.

Em setembro do ano seguinte, casei com Roberto, meu amor de adolescência. Tive meu primeiro filho no ano seguinte. Me formei em odontologia anos depois. 

A vida me era razoavelmente boa, embora um tanto monótona. Um pouco cruel à Rita. É a pobreza que separa o bem-sucedido do batalhador. 

Quando nos cruzamos por aquela época, percebi o brilho triste no olhar da moça. Tiramos algum tempo para a conversa. “Botar o papo em dia,” segundo ela. Conforme se desenrolava o prosear, confessou-me que não só dos infortúnios econômicos se entristecia a vista. É que o casamento já não ia muito bem. Dissera-me que gostava do marido, mas seu coração não era totalmente dele. O olhar dela preso ao meu, de maneira segura. Éramos só conhecidas, não compreendia tal confidência. Não temia ela que eu pudesse fazer a história correr? Perguntei-lhe que homem havia a conquistado, recebendo uma hesitação por resposta imediata. É que não era homem, e eu sentia isso.

— Eu não o conheço tão bem — começou. — Mas acho que nunca amei ninguém tanto quanto o amo.

— Se não o conhece, não o ama.

Ela me deu um sorriso triste.

— Talvez só não ame o bastante o seu marido — eu disse com a dureza que a conversa precisava, ao menos era o que eu achei.

Ela assentiu, assim, tristonha.

A conversa se encerrou por aí. Precisava ir para casa, para cuidar das crianças. Desculpa dela.

Era homem, descobri mais tarde. E ela o amava, mesmo pouco o conhecendo. Ganhou má fama quando deixou o marido pelo amante. As crianças foram com ela, e Rita sumiu do mapa por anos e mais anos.

Eu me esqueci da moça pelo tempo que se seguiu. Já não gostava de pensar nela quando sabia que algo despertava em meu âmago só de imaginar seu rosto cândido.

No Natal, recebi um cartão sem assinatura. Me desejava boas festas. Gostava de pensar que era dela, mesmo que a improbabilidade fosse maior.

Cogitei remeter uma correspondência de volta ao endereço do cartão, nunca o fiz, mas o engavetei com carinho. Temia que o remetente não fosse Rita, e que isso confirmasse às batidas do meu peito a ausência minha na mente dela. E, de fato, não era de Rita o desejo de boas festas.

Por essa época, meu casamento ruía aos poucos. Não havia divórcio que nos garantisse uma segunda chance, coisa da mocidade de hoje. O amor desbotava entre mim e Roberto, mas eu até fizera uma escolha acertada em relação ao nosso casamento. Ele era um príncipe saído de alguma fantasia infantil. Acordamos que se não era mais romântico o que cultivávamos um pelo outro, que fosse fraternal. Pelas crianças, que já não eram tão crianças assim em realidade. Criamos uma dinâmica em que nosso casamento não existia mais. Ele conhecia outras mulheres, eu me envolvia com outros homens.

Beijei uma mulher pela primeira vez nessa época. Nada de amor, apenas luxúria. Nem ao menos lembro seu nome, mas isso abriu portas para um mundo que eu não conhecia. Despertou algo em mim. A partir desse momento, passei a me encontrar com homens e mulheres, com toda e qualquer pessoa que me interessasse, sem levar seu sexo ou gênero em consideração, apenas a reciprocidade.

Foi quando reencontrei Rita em meados da década de 80. Viúva de amante e de marido, voltara à cidade com o filho caçula.

Mal falada por parte da população, não conseguia reestabelecer as antigas amizades de forma verdadeira. Sabia, pelas fofocas, que já não era mais bem-vinda aqui.

Nos trombamos em um mercado, em uma quinta à tarde. Cumprimentei-a com um sorriso comedido, temendo desnudar minha alma perante seu olhar carinhoso. Agora eu entendia o palpitar rápido no meu peito. Fomos até a minha casa colocando as novidades em dia, eu me esquecendo de que já arranjara companhia para o dia e, bem, para a noite. Quando ela viu uma mulher deitada em minha sala, nitidamente se espantou. Acenou com educação, mas com ares de constrangimento, disfarçando a surpresa com sorrisos falsos.

Assim que, contrariada, a moça nos deixou à sós, indaguei à respeito de sua reação.

— Então é verdade? — perguntou-me, sem conseguir terminar a frase. Vi a incerteza em seus olhos, o desejo de expor o que pensava.

— É — respondi, sem ter certeza se, de fato, falávamos sobre um mesmo assunto.

Quis beijá-la quando me encarou com seus brilhosos olhos castanhos. Mudamos de assunto, se é que houvera um antes. 

Só pelo fim da noite é que expressou sua antiga dúvida, quando seus lábios colidiram nos meus em nossa despedida. Não foi delicado, como eu ansiava que fosse; foi lascivo.

Depois daquele beijo, não conversamos mais. Nos beijávamos, fazíamos amor, mas não conversávamos nada além das banais saudações. 

As verdades não ditas eram o motivo da minha insônia, de não conseguir colocar a cabeça sobre o travesseiro. 

Eu a amava, ela também, embora quase nunca compartilhássemos tal axioma. Disse-me uma vez, e guardei como se fosse de praxe. 

Queria que nossa relação florescesse, mas a maldade da época não a permitia.

Foi nessa maldade que nosso amor deixou de ser conjugado.

Tudo desmoronou nas necessidades de atenção do caçula dela. Rapazinho já, mas não compartilhava do mesmo carinho que meus filhos e sobrinhos tinham por mim. 

Começamos a nos ver menos, para que ela pudesse ter mais tempo com o filho. Logo ele se acostumaria com minha presença, mas tinha de ser aos poucos, ela disse.

Depois surgiram os boatos, o prego no caixão do nosso relacionamento. 
Em outra época, talvez tivéssemos tido alguma chance.

Nos despedimos com um eu-te-amo não verbalizado e uma promessa de nos reencontrarmos quando o garoto crescesse, e, longe dali, dos boatos, pudéssemos nos amar sem qualquer julgamento. Tínhamos grandes planos para os anos 2000. 




O garoto é um homem agora e já tem seu próprio garoto. Ele não me reconhece quando o cumprimento, nem chora diante do caixão da mãe. Eu também mantenho minhas lágrimas para mim. Rita está bonita, escolheram bem a roupa dela. Ela iria gostar, certamente. 

Aline é a única da família que me reconhece.

— A mãe falava muito da senhora — diz, a voz embargada. — Era um carinho imenso.

Dou-lhe um sorriso triste e ofereço meus pêsames.

É só quando olho novamente para Rita que percebo que meu corpo me traiu. As lágrimas descem finas por minha face. Marisa, amiga de longa data, entrega-me um lenço e alguns consolos genéricos.

Além de palavras não ditas, agora as promessas não cumpridas separam nossa história do final feliz.

Sinto-me solitária diante da ausência, a tristeza me vencendo.

Inclino-me com dificuldade e beijo o vidro do caixão, pouco me importando com recomendações médicas.

Depois do enterro, ganho meu tempo com ela. E ali, baixinho, digo todas as palavras que não pude dizer antes.


mccpoli
Jules

Creator

Quando recebe uma ligação de um número desconhecido, Luzia Ribeiro revisita seu passado ao lado de Rita Vieira.

#bisexual #bissexual #Safico #Sapphic #gl #Conto #Songfic

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