Ufa! Finalmente! Nem acredito que todo esse caos duraram apenas seis horas; parecia que vivenciei uma aventura de quase um dia inteiro! O que era para ser uma simples confraternização dos amigos da faculdade virou um combate medonho, contra criaturas assustadoras e pânico.
Pelo menos, ao fim de tudo, eu ainda pude me divertir conhecendo um trio de meninos que mostravam ser muito barulhentos, mas que sabiam ser unidos quando precisavam.
Estávamos na principal cidade de Bhesda, Yorngod. A maioria dos jogadores iniciantes acaba vindo para cá no começo de suas aventuras e, diferente de Daemon, onde ao morrer, você perde seu personagem, aqui o sistema é mais pacífico e as pessoas podem ressuscitar através da Catedral.
Ao que parecia, o sistema de morte definitiva existia apenas em áreas específicas de Bhesda, sendo elas não recomendadas para nenhum jogador que não possuísse pelo menos um nível de Prestígio. Os meninos foram responsáveis por me trazer essas informações e me sinto triste de só ter sido informada de tais coisas agora que a maioria de meus amigos perdeu seus personagens principais.
Yorngod me traz uma calmaria inexplicável. A música tema é confortante; nunca pensei que andaria por um lugar e uma trilha sonora acompanharia minhas ações. As camponesas com seus vestidos clássicos e lindos, trabalhadores NPC's dando duro em seus serviços, crianças fofas correndo e brincando pela praça... Toda a atmosfera dessa cidade me lembra alguns bons tempos que passei nas cidades interioranas da Escócia quando era criança. Eram momentos muito terapêuticos e jogar Bhesda me traz esses sentimentos de volta.
– Hã... Por que estão na Capital do jogo? Pensei que vocês já estariam em um lugar bem mais avançado do que esse. – Por mais que eu amasse toda aquela região, ainda achava estranho o que jogadores tão avançados fariam ali.
– Yorngod é uma cidade para jogadores novatos, e é exatamente por isso que ela é movimentada. – Aki me explicou. – Por mais que muitos jogadores passem por aqui e avancem no jogo, sendo a primeira cidade que todo mundo visita, ela é a mais fácil de ficar na memória e um ótimo ponto de referência para comércio.
– Nós sempre nos encontramos aqui quando queremos jogar; é ótima para reunir os amigos também! – Kronus falava enquanto caminhava ao nosso lado, com os braços atrás da cabeça. Ele era facilmente esquecível devido à sua altura.
– Nós viemos para cá visitar a loja de um amigo. Ele é um dos melhores ferreiros que conhecemos e também é bem requisitado pelas pessoas da região. – Uryu foi direto ao assunto, explicando o real motivo da visita.
– Um ferreiro? Então estão interessados em comprar equipamentos melhores?
– Quase isso. Chamamos ele de "Mentor" porque o cara sempre tá dando dicas pra gente. A gente gosta de visitar ele pra pedir dicas de missões, lugares bons para farmar nível e conseguir uns bons trocados pra investir em gastos futuros. – O ruivo falava de uma forma que demonstrava que esses três pareciam ir com bastante frequência a esse tal colega ferreiro.
– A gente tá indo lá pra vender umas coisas e o Aki provavelmente tá indo pra levar outro pau hehe. – Kronus aparecia novamente para soltar mais um de seus deboches.
– Como assim? – Perguntei.
– O apelido "Mentor" não é só por ele nos dar dicas, ele e o Aki vivem brigando para ver quem é o mais forte. – O Arqueiro parecia desgostar da atitude de seu amigo. – Quer dizer, isso é mais por parte do Aki, o Koda não é do tipo que gosta de lutar, ele prefere ficar no seu canto forjando os itens da loja.
– Então o nome dele é Koda? Imagino que o Aki deva vencer a maioria das lutas.
– Na verdade ele perde é todas! – Kronus criticava seu amigo.
– Ele pode tentar quantas vezes quiser, mas todas as vezes que os dois lutavam, o Aki sempre perdia e levava a pior. – É de se esperar que num jogo online sempre exista alguém mais forte do que você, mas ainda era assustador pensar que uma pessoa tão poderosa poderia estar tão próxima de uma novata como eu. Pensar que estou a caminho de conhecer alguém que conseguiu vencer esse garoto todas as vezes é algo surpreendente, porque só de ver como eles trabalham em equipe, fico imaginando o quão forte esse "Mentor" poderia ser.
Levou um tempo, mas finalmente chegamos na loja. Era uma arquitetura simples, similar às estruturas de casas medievais da época. Uma grande janela de vidro demonstrava algumas belas armas, algumas armaduras e o interior da loja. Pela janela, era possível enxergar um balcão onde um homem musculoso de cabelos cumpridos se encontrava. Provavelmente aquele deveria ser o tal Mentor.
Entrando na loja, os meninos pareciam recebê-lo de forma bastante calorosa.
– Koda, e aí, como vai?! – Aki balança os braços entusiasmado.
– Já chegou alguma arma nova pra mim? – Kronus parecia animado.
Uryu era o único que entrava em silêncio, apenas acenando com a cabeça.
O dono da loja parecia olhá-los com desgosto. A recepção dele foi bem diferente do que o esperado. Ele parecia mal-humorado e não tinha um olhar de muitos amigos.
A aparência de seu personagem era de um homem alto. Parecia ser da raça gigante, com cabelos cumpridos e brancos, uma sobrancelha grossa equivalente a um anão, com a pele morena e o olhar ameaçador.
– Ugh, o que é que vocês três querem? Eu não tinha mandado vocês lá pra longe de Daemon?! – Ele parecia zangado.
– Acontece que aquele vendedor que você indicou pra gente era uma missão de nível inferior a 40! Valeuzão pela dica, ein? – Aki agia em um tom grosseiro.
– E eu lá ia saber! Se querem missões, vão na porcaria de uma taverna ou na central de guildas. Até onde eu sei, isso aqui é uma ferraria e não uma casa de recados!
– Nem vem com essa, você sabe da maioria das missões boas, só não quer abrir o jogo pra gente! – O mais baixo cruzava os braços, num olhar de reprovação.
– Talvez se vocês fossem menos barulhentos e comprassem mais coisas na minha loja, eu poderia tratar você um pouquinho melhor! Inclusive, Kronus, você ainda tá me devendo pelo último machado que eu te vendi. Cadê o dinheiro? Tá sem, né, ô desgraçado! – O pequeno parecia ficar ainda menor na presença do vendedor, o olhar zangando automaticamente se transformou em uma expressão de cachorrinho assustado. Koda realmente tinha uma certa influência sobre os meninos.
Ao olhar um pouco mais para os garotos, o ferreiro finalmente reparava minha presença, parecendo perder a postura. Ele tossia sem graça, me olhava parecendo estar constrangido e preparava-se para falar.
– Perdão, senhorita. Bem-vinda à loja. Gostaria de alguma coisa? – Ele ainda mantinha um olhar intimidador e falava grosso, mas parecia ser um pouco mais educado com pessoas desconhecidas, talvez um método para garantir clientes.
– Está tudo bem, eu estou com eles. Me chamo Emma Thorin, é um prazer. – O costume me fez fazer uma reverência e o mesmo parecia respondê-la.
– "Thorin", huh? É uma boa referência.
Sendo um jogo com premissa medieval, quando escolhi meu nome, pensei em usar como referência um personagem de um livro do qual era bastante fã. Fico feliz de ter alguém que tenha entendido minha ideia.
– Obrigada. O senhor ajuda esses três com frequência? – Achei que seria uma boa oportunidade para conhecê-lo.
– Ajudar? Haha! Tá mais pra "tentar espantar". – Ele ria bem exagerado da minha pergunta. – Esses três me dão a maior dor de cabeça, estão sempre vindo aqui pedindo por missões, pegando armas sem pagar, me pedindo pra treiná-los, pedindo dicas... Eles parecem não ter nada melhor pra fazer!
– E se te incomoda tanto... Por que continua ajudando eles?
Seu sorriso mudava para um olhar confuso. Ele parecia nunca ter pensado na possibilidade de negar ajuda. Os meninos pareciam rir de seu rosto sem jeito e o próprio tentava esconder a vergonha.
– Ele sabe que no fundo gosta da gente. – Kronus vazia um olhar malicioso e Koda voltava a agir com fúria.
– Será que dá pra vocês decidirem logo o que querem! Eu não tenho todo tempo do mundo, não! – O ferreiro ficava vermelho de raiva.
– Uma arma nova! – Disse Kronus.
– Preciso repor minhas flechas, por favor. – Uryu pedia.
– Uma luta! – Exclamou Aki.
– Nem pensar. – Respondeu Koda.
– O QUE?! – Gritaram os três.
– Pra começar: Vocês não me pagaram a última compra. Segundo: vocês não têm dinheiro para me pagar essa, e terceiro: EU NÃO SOU BONECO DE TREINO PRA FICAR LUTANDO COM VOCÊ! – Koda gritava no ouvido de Aki, fazendo o chão quase tremer.
– Ah, qual é, quebra essa pra gente! – o mais baixo implorou.
– Podemos vender os itens que conseguimos, isso não cobre? – Disse o ruivo.
– Eu aposto um olho que os itens que vocês me venderem só vão pagar a última compra.
– Aí é só a gente pegar essa compra de agora fiado e te pagar depois com a próxima aventura! – Kronus falava com um sorriso com segundas intenções no rosto.
– ... Tá querendo ficar menor do que já é? – Ele intimidava o garoto.
Toda aquela confusão parecia não ter fim. Era explícito que esses meninos eram do tipo encrenqueiros. Então, pensei que poderia fazer algo para resolver a situação.
– Hã... Licença, eu... Eu posso pagar a dívida de vocês, se não se importarem...
Todos pareciam olhar assustados. Os meninos olhavam porque não esperavam que eu dissesse isso. Já o vendedor parecia me olhar com total descrença, não acreditando que eu estaria disposta a ajudar um bando de moleques como eles.
– Emma... Não precisa fazer isso. – Uryu protestou.
– É, a gente tá de boa em só te ajudar, não precisa retribuir. – Aki completou.
– Não, tudo bem, olha... Vocês fizeram um grande favor pra mim lá no deserto. Foi legal passar esse momento com vocês, e eu só queria agradecer de alguma forma tudo que fizeram por mim.
– Você tem certeza disso, senhorita? Esses rapazes são os maiores caloteiros que Deus podia construir. – Koda parecia estar bem receoso de me incentivar com a ideia.
– Não se preocupe, tomem isso como um presente. – Eu abria um sorriso caloroso para mostrar minha confiança.
Eu me aproximava do balcão, e o vendedor me mostrava quando eu deveria pagar. Abrindo o menu, eu pegava as moedas e transferia para Koda. Realmente, era bastante dinheiro, mas eu não me via na necessidade de tê-lo comigo no momento.
Os três estavam sem graça, mas admito ter achado fofo seus olhares de agradecimento pela minha ação. Provavelmente, nunca receberam um presente igual a esse de outra pessoa.
– Bem, agora que já tá tudo resolvido, que tal a gente tirar um minuto ou dois lá fora, em Koda? – Aki fazia seu clássico olhar confiante.
– Sai fora, ô esquisito. – Ele respondia em negação.
– Queeeee? Mas eu pensei que se te déssemos dinheiro você ia deixar eu lutar com você!!! – Ele fazia uma expressão manhosa.
– Vem cá, onde eu disse que ia aceitar isso? Olha, moleque, tem gente muito melhor aí fora pra te ensinar. Não precisa ficar me pedindo toda hora. – Ele parecia descontente.
– É porque você é o cara mais forte que eu conheço da cidade! Eu to ligado das coisas que você fez antes de ser ferreiro, você é incrível!
O olhar do ferreiro parecia mudar. Ele expressava um olhar nostálgico e melancólico, como se as memórias do passado fossem similares às de um soldado na guerra.
– Tá, garoto... Vamos lá pra fora. Talvez uma surra ou duas te faça largar do meu pé.
Os dois iam para o lado de fora, e, por curiosidade, os segui para entender a tal força desse vendedor.
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