Em algum momento entre 936 a 990 da era dos heróis
— Sua pele era macia e doce, mas agora não passa de uma coisa verde e asquerosa. A sua língua era molhada e sedutora, agora não passa de escamas nojentas! Eu não sei quem foi a bruxa que fez essa crueldade com a minha mulher, — disse o rei com uma expressão de tristeza — mas quero ela morta, mesmo que eu tenha que dar metade do meu reino para isso!
A guerreira forçou uma expressão de compreensão. Ela não queria parecer antipática. Não sei muitas coisas sobre ela, nem mesmo cheguei a conhecê-la, mas garanto que ela não apreciava a histeria. “Preciso fazer ele parar de tagarelar ou vou ficar aqui o dia inteiro ouvindo suas tolices”.
— Meu senhor, por favor, recapitule tudo que você me disse, só que um pouco mais devagar — falou a guerreira.
— Inferno! Estou preocupado com a saúde da minha esposa! — Gritou o velho expressando fúria — Você acha mesmo que terei calma numa hora dessas?
— Fui contratada para ajudá-lo, — “não para ficar te aturando, pensou a guerreira, caso você não comece a colaborar, irei embora como todos os outros que vieram antes de mim” — por isso você tem que me dar mais detalhes ou eu não conseguirei ser útil.
— Mulher vulgar! — gritou o rei com as mãos no rosto — tenha paciência, pelo amor de todas às doze deusas!
“Vulgar? Só porque uso biquíni? Proponho pararmos de conversinha e ir direto para o assunto que ganhamos mais.” Pensou a guerreira apertando o cabo da sua espada com mais força. Sua vontade era subir lá em cima, pegá-lo pelo colarinho do seu Hongryongpo e encher a sua face de tapas.
— Eu me chamo Ji Young, não mulher vulgar, por favor me respeite, uma vez que foi o senhor que me chamou no outro lado do mundo para vir até aqui ajudá-lo — afirmou a guerreira.
— Há quatro dias — suspirou o rei — mandei as damas da corte chamar minha esposa, pois, estava carente e queria sua companhia. Quando as mulheres entraram em seu aposento, somente um sapo foi encontrado na cama.
— Pode ser que o sapo seja alguma piada dos seus inimigos. Por acaso o senhor mandou os seus homens fazerem uma busca pela sua terra? Talvez estamos diante de um sequestro da consorte real.
— Os xamãs — disse o rei — afirmaram que esse sapo tem a alma da minha mulher, por isso não fiz uma busca completa.
“O quê? Você deu ouvidos aos xamãs? Espero que seja por um bom motivo, além da suspeita da rainha ter virado um sapo” pensou Ji Young.
— Meu país costuma confiar nos espíritos, por isso dei ouvidos a eles.
Ji Young mordeu os lábios. Ela não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. O rei simplesmente preferiu dar ouvido a religiosos do que procurar a voz da razão.
— Posso ver o sapo? — perguntou ela.
— Uma mulher vulgar como você não vai pôr as mãos na minha esposa — respondeu o rei.
— Tudo bem. Manda os seus homens chamarem outra caçadora de bruxas que não seja vulgar como eu.
— Me desculpe — falou o rei tentando acalmá-la. Achar uma caçadora de bruxas naqueles dias era difícil, ainda mais numa época que a maioria deles morreram fazendo o seu ofício — Tragam a minha esposa para ela poder verificá-la.
As damas reais, todas caminhando numa linda coreografia, entregaram ao rei uma caixa dourada com um sapo gordo dormindo numa pequena almofada vermelha. O monarca, com um sinal, dispensou todos para que somente a guerreira visse a sua vergonha.
— Aqui está, verifique com os seus próprios olhos — afirmou o rei entregando a caixa para Ji Young.
A guerreira ficou de joelhos com a caixa no chão. Ela levantou suas mãos ao alto e louvor aos deuses. Uma fumaça vermelha emanou de sua boca e cobriu o sapo. O rei, com um olhar de espanto, ficou parado observando a cena peculiar.
— Eles estão certos — declarou Ji Young com os olhos brancos — esse sapo é a sua esposa.
— Pelos deuses — lamentou o rei — você pode curá-la?
— Não, somente a bruxa que fez isso pode — respondeu Ji Young voltando ao seu estado de antes.
— O que devo fazer?
— Encontrar a bruxa e obrigá-la a retirar esse encanto dela.
— Qual é o valor que você quer para encontrá-la?
— Perguntou o rei.
— Muito dinheiro — sorriu Ji Young. “Esse é o meu ofício, fazê-lo de graça é muita burrice”.
— Só quero ter a minha esposa de volta — disse o velho chorando — por isso darei todo dinheiro que você quiser para que isso aconteça.
Ji Young deixou o palácio com a certeza que receberia muito bem pelos seus serviços. Depois de uma pequena investigação, ela soube que havia alguém nessas bandas que mexia com feitiçaria de adivinhação. “Talvez eu possa encurtar o meu caminho”.
…
Ji Young seguiu o seu trajeto até o porto, onde teve que chutar algumas bundas para poder passar na frente da fila para ver o grande “olhos de tubarão”. O pequeno armazém era usado como um escritório particular do adivinho. Quando as pessoas terminavam de escutar suas previsões do futuro, elas depositavam o dinheiro num cântaro que ficava nas mãos de uma jovem cega.
— Qual o seu nome? — perguntou Ji Young para a garota estrangeira.
— Meu nome é Kana, minha senhora — respondeu a jovem — por favor, meu amo está esperando você na mesa da revelação.
“Ela é uma garota tão jovem para ser uma escrava, tenho pena dessas pessoas que nasceram para ser servos de vermes como esse velho” pensou Ji Young caminhando até a mesa podre do velho vidente. As lembranças da sua amiguinha de infância vendida para um comerciante de escravos assombrava sua mente.
— Por acaso o senhor pode tirar minha sorte? — perguntou Ji Young se sentando na frente dele.
— Quem é você? — perguntou o velho — Nunca vi uma mulher igual a você por essas bandas.
— Oras, pensei que você podia adivinhar o futuro — sorriu Ji Young.
— Posso ver o futuro, não adivinhar nomes!
— Tudo bem — “seu embuste” — meu nome é Ji Young. Sou uma guerreira errante que está de passagem por essas bandas.
— Para eu adivinhar o seu futuro, você precisa pôr o dinheiro no cântaro — afirmou o velho apontando sua mão esquelética para a jovem cega.
A coitadinha tinha uma expressão sofrida e vestia um hanbok de algodão desgastado.
— Você vai ter o seu dinheiro quando adivinhar a porcaria do meu futuro — respondeu Ji Young enfiando sua faca na mesa.
Sem fazer mais perguntas, o velho pegou os ossos do tubarão cortados em cubinhos e os jogou na mesa. Os objetos formaram um símbolo misterioso.
— Aqui diz que… — disse o velho assustado.
— O que, algum chute inteligente? — perguntou Ji Young com uma expressão sarcástica.
— O que você quer de mim? — perguntou ele expressando raiva.
— Quero uma bruxa. Você viu alguma bruxa por essas bandas? — “É claro que esse embuste não viu uma bruxa, contudo, preciso me divertir um pouco”
— Como eu poderia ter visto uma bruxa? Não tem como uma mulher dessas perambular por aqui! Elas costumam viver nas terras do oeste e sul, nunca vi uma delas aqui no leste.
— Quem é a bruxa que transformou a rainha num sapo? Me diga antes que eu arranque a sua cabeça! — gritou Ji Young.
— Eu não sei do que você está falando, sou só um vidente tentando ganhar a minha vida!!! — respondeu o velho com lágrimas escorrendo pelos seus olhos.
— Por favor, minha senhora, deixe ele em paz — clamou a garota com a sua mãozinha no ombro da guerreira.
Ji Young olhou para ela e sentiu uma forte tristeza. As mãos da garota estavam machucadas; o rostinho dela sujo e todo seu corpo arranhado. Ela sentiu nojo daquilo e uma forte vontade de enfiar sua faca na boca do vidente. De repente, uma flecha perfurou as costas de Ji Young, atravessando o seu peito.
…
Ji Young abriu os olhos e percebeu estar deitada num colchão velho ao lado da jovem cega e aquele vidente esquisito. Ela tentou se levantar para bater no velho, porém, a dor do seu ferimento a fez voltar para o seu lugar.
— Você está bem? — perguntou a jovem cega acariciando a testa da guerreira.
— O que aconteceu? Vocês me enfeitiçaram? — perguntou Ji Young com a voz trêmula.
— Por que faríamos isso? Somos somente uma família trabalhando para conseguir o pão de cada dia, não bandidos assassinos — respondeu o velho.
— Conta outra, velho nojento… — disse Ji Young — você trata essa garota feito lixo e ainda tem coragem de dizer que é um trabalhador querendo pão?
— Você não pode me julgar, comprei essa escrava para me servir e pela lei isso é honesto! Além disso, salvei sua pele, então me agradeça.
— Quero comprar a escrava de você — afirmou Ji Young
— Você não tem dinheiro e, além disso, ela não está à venda.
— O rei me prometeu uma fortuna se eu encontrar a bruxa. Se você me vender ela, esse dinheiro será todo seu.
— Todo meu? — disse o velho com um sorriso amarelo.
— Sim, porém, se me enganar arranco a sua cabeça. Agora me diz quem foi o responsável por me mandar para essa cama?
— Não sei ao certo se posso falar.
— Tem medo de algo?
— Eu não quero morrer nas mãos do rei — sorriu o velho.
— Por quê?
— A flecha pertence à família real. Eles gostam de entalhar esses símbolos da coroa nas suas armas.
— Se o que diz é verdade, então a bruxa está mais perto da rainha do que eu imaginava — afirmou a guerreira.
— Reis sempre tiveram seus problemas familiares, agradeço a todos os deuses por não ter parentes que me querem morto! — afirmou o velho.
— Velho, lembre-se, essa escrava é minha e se você tocar nela mato você.
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