Os dois foram para os fundos da loja; era um espaço amplo e parecia ter rastros de batalha, dando a entender que eles faziam isso com frequência.
– Vamos fazer o seguinte: O primeiro a levar dano, não importa o quão pequeno, perde. Bom pra você, Carvão Hiperativo?
Aki respondeu com uma explosão flamejante da espada, um tornado de chamas tão amplo que quase alcançou a mim e os outros fora da arena improvisada.
O mentor de Aki balançou a cabeça. Acho que ele já estava acostumado com Aki explodindo para se exibir.
– Já vai preparando as armas. Dessa vez eu vou ganhar! – Bradou o cavaleiro incandescente.
– Vai é levar um bom cascudo. – O ferreiro estendeu a mão e equipou uma espada de aparência pesada. Eu já tinha visto espadas como aquela com outros players, mas eles geralmente usavam com as duas mãos. Koda usava com apenas uma! Como se não pesasse mais que a espada de Aki. Seria essa uma das habilidades da raça Gigante?
Os dois se encararam por uns poucos segundos. Num segundo eles estavam parados. No seguinte, as espadas colidiram com tanta força que eu senti o chão tremer. Parecia algo saído direto de um anime. A espada do mentor quebrou o chão num ponto em que Aki estava um segundo antes. A lâmina de fogo passou a um fio da cabeça do ferreiro. Aki tentou um ataque por trás e terminou voando longe.
– É impressionante ver os dois lutando! – Foi o que pensei.
– Nem tanto. – Uryu protestou. Ele parecia encarar a situação com um olhar descontente. – O Aki continua agindo do mesmo jeito.
– Como assim?
– Ele tá se segurando. – O olhar de Uryu parecia diferente; geralmente, quando ele julgava Aki, ainda havia um pouco de amizade em seu olhar. Naquele momento, o arqueiro realmente parecia odiar as atitudes de seu amigo, e eu não conseguia entender o porquê.
O mentor de algum jeito aparava ou esquivava de cada ataque. Mesmo eu, novata, via que tinha bastante experiência por trás do jeito que ele se movia. Mas vez ou outra tinha um súbito movimento rápido demais. Bem automático.
– Como ele faz aquilo? Digo, uma hora ele ataca como se tudo estivesse normal e de repente o corpo dele gira, como se houvesse alguém segurando ele.
– Sistema de troca de movimento. – Uma voz que eu não esperava ouvir me explicou o que estava acontecendo; era Kronus, falando pela primeira vez em um tom sério. – Não precisa se sentir amadora dessa vez, Emma, isso é uma coisa que só o mentor e um número muito pequeno de jogadores conhece em Bhesda. O Uryu vai saber te explicar melhor.
– Basicamente, em Bhesda, existem dois tipos de controle: o manual e o automático. O sistema manual permite que você controle suas próprias ações, tanto em movimento quanto em combate; você é quem dita o que seu personagem faz. Mas obviamente nem todo mundo que joga RPGs sabe usar uma espada, então, para a maioria, existe o sistema de controle automático, onde o próprio jogo te auxilia a conduzir seus ataques da melhor forma.
Esse sistema é muito utilizado em jogos Mobile, onde a mira é essencial, visto que nessa tecnologia não existe um controle muito bom para garantir precisão. Então, os desenvolvedores de Bhesda pegaram essa fórmula e adaptaram para a realidade virtual.
Koda jogou o corpo para o lado e para baixo, desviando por pouco da lâmina em chamas de Aki, girou o corpo de uma forma que deixaria uma bailarina orgulhosa e contra-atacou com um golpe de cima para baixo.
Aki conseguiu bloquear o golpe com o lado da espada, mas deu pra ver que foi por pouco.
– Que estranho, o Koda parece não usar nenhuma habilidade contra o Aki. – Eu percebi.
– Ele não precisa. Emma, sabe o que diferencia o Mentor do Aki? – Uryu me questionou.
– Experiência?
– Exatamente, mas não no sentido que você pensou. – Ele se preparava para continuar explicação sobre controles. – Por mais que não exista um teclado, Bhesda possui teclas de atalho que podem ser chamadas através do sistema de comando de voz, e você pode mudar de manual para automático através desses atalhos.
– Acontece que, por mais que isso seja possível, é difícil pra cacete pra todo mundo tentar isso. Afinal, você está o tempo todo ocupado pensando em como não morrer pro inimigo, então ficar pensando em ficar trocando de controle o tempo todo só te deixaria mais confuso! – Kronus entrou na conversa.
Aki estava usando habilidade atrás de habilidade. Ondas de fogo, bolas de fogo, ataques imbuídos de fogo. Cortes, chutes, socos, cambalhotas...
E um, dois, três. Esquiva, bloqueio, bloqueio. Aki voando outra vez.
– Porra! – Exclamou o ruivo, levantando num pulo; ele parecia zangado.
– De alguma forma, o mentor conseguiu desenvolver um método para conseguir trocar de controles sem perder o foco, e essa é a diferença dele pro Aki. – Uryu continuava, mas era interrompido por outro avanço de seu amigo.
Pulando de um lado para o outro, quase como se estivesse flutuando ao redor do mentor. Atacando, recuando alguns passos e avançando de novo. Bate e volta, bate e volta. Num dos movimentos, Aki pulou para fora do alcance de um ataque e correu a toda velocidade contra Koda. O mentor armou um golpe horizontal. Aki aumentou o passo ainda mais, segurando a espada acima da cabeça. E pulou.
– O Aki pode até usar os controles manuais melhor do que qualquer jogador casual, mas competir com alguém que pode usar dois sistemas ao mesmo tempo pode ser extremamente complicado. – Uryu permanecia suas explicações, pausando apenas para analisar os próximos movimentos de seu colega.
– E por que disso? Qual é a diferença crucial em usar os dois ao mesmo tempo?
– De forma bem simples, o método do mentor é usar o manual para defesa e o automático para ataque. – O arqueiro chegou ao ponto importante. – Essa estratégia varia de cada um, mas pelo que pude perceber, o mentor possui reflexos muito bons para defesa pessoal, mas não é rápido o suficiente atacando. Então, para compensar isso, ele usa o sistema manual para garantir melhor a sua defesa e troca para o sistema automático para poder ter certeza de que vai acertar os seus ataques.
– Mas isso não torna o combate do jogo injusto? – Uma dúvida surgiu em volta da explicação.
– Para compensar no balanceamento, ataques manuais causam mais dano do que ataques automáticos. Não posso explicar com muita clareza como isso funciona, mas até onde sei, isso está ligado aos seus atributos de Força e Destreza.
– Mas o segredo do mentor não é esse! – Gritou Kronus animado. – Fala pra ela, Uryu!
– Não é incomum ver essas técnicas sendo aplicadas em ranks mais altos, mas o segredo do mentor... Está na incrível velocidade de trocar para o manual no exato momento em que o ataque automático acertar o alvo.
– O que? – Fiquei confusa quando, de repente, consegui por um pequeno segundo ouvir a voz de Koda.
– Manual. – Ele disse em voz baixa e atacou. Aki abaixou a espada, segurando-a debaixo dos pés como um skate. O clank das espadas colidindo foi alto ao ponto de ecoar. E nem sinal de Aki.
– Eh? Cadê ele...– Por um segundo, o ruivo desaparecia da minha visão.
– Nem fodendo! – Eu ouvi Kronus exclamar. Eu segui o olhar dele e entendi o espanto.
Aki já estava caindo como um meteoro. Levou um momento até eu perceber que Aki tinha usado o ataque de Koda para se jogar pra cima.
– Toma essa! – Aki disparou para baixo com a espada brilhando como o sol.
O Mentor encarou Aki enquanto ele descia. Ao que o garoto estava prestes a chegar ao chão, o mentor simplesmente deu um passo para o lado.
– Automático.
A explosão mais uma vez fez o chão tremer. Uma pedra passou voando por cima da cabeça de Uryu, que mal reagiu. Ou ele estava acostumado à ação, ou estava acostumado ao Aki.
– Manual. – Esta foi a única coisa possível de ser ouvida, até que no momento seguinte uma pessoa saiu voando da nuvem de poeira. Foi Aki que voou.
– Ganhei. – O mentor anunciou. Ele ainda estava com a perna levantada. Ele tinha chutado o Aki pra longe. – Vai começar a pagar agora?
Aki levantou. Uma mão pressionando a lateral do corpo. Eu tive a impressão que foi mais por reflexo do que por estar doendo mesmo. Até porque ele estava sorrindo.
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